sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Malformações Artério-venosas

foto de abertura

Malformações Artério-venosas

Autores: Prof. Jorge Marcondes e Antônio A. Dutra Souto, Neurocirurgiões

Universidade Federal do Rio de Janeiro
Departamento de Cirurgia
Serviço de Neurocirurgia


Introdução


As malformações artério-venosas (MAVs) são um grupo heterogêneo de anomalias vasculares do cérebro ligadas ao desenvolvimento. Diversas teorias tentam explicar a sua gênese, quase todas atribuindo uma natureza congênita à lesão.
Acredita-se que desvios do desenvolvimento normal do sistema vascular cerebral a partir da sétima semana de vida embrionária podem promover a coalescência de capilares em estruturas vasculares maiores (no período de diferenciação do plexo primitivo nos seus componentes aferentes, capilares e eferentes). Ou ainda, a persistência de conexões entre os lados arterial e venoso do plexo primitivo pode dar origem às MAVs. Mullan propôs que as MAVs podem surgir de "fistulizações" de veias trombosadas durante a vida intra-uterina ou após.
Ele sugere a importante participação da oclusão venosa (atresia, agenesia) como um fator responsável no surgimento e desenvolvimento das MAVs. O papel dos fatores de angiogênese ainda não foi estabelecido. As verdadeiras causas que promovem o desvio do desenvolvimento vascular normal no embrião, ou mesmo a transformação vascular patológica após o nascimento permanecem desconhecidas. Sabe-se ainda da rara ocorrência familiar de algumas malformações cérebro-vasculares associadas às síndromes de Sturge-Weber (angiomatose encéfalo-trigeminal), Rendu-Osler-Weber (telangiectasia hemorrágica hereditária), ataxia-telangiectasia de Louis-Barr, ou à síndrome de Wyburn-Mason (angiomatose encéfalo-retino-facial).
O problema da etiopatogenia complica-se mais ainda com o já bem descrito fenômeno de crescimento das malformações cérebro-vasculares associado ou não a sangramentos de repetição.

Patologia


Os diversos tipos de malformações cérebro-vasculares têm características estruturais, fisiopatológicas e radiológicas, história natural e comportamento clínico bem distintos, devendo-se, portanto, ser considerados separadamente.
A classificação mais amplamente empregada é a de McCormick (1966) que utiliza critérios patológicos e divide as malformações cérebro-vasculares em quatro tipos:
- malformações artério-venosas propriamente ditas (MAV);
- cavernomas (ou angiomas cavernosos);
- malformações venosas (ou angiomas venosos);
- telangiectasias.
Tipos transicionais ou mistos têm sido descritos. Ainda no grande grupo das malformações vasculares intracranianas (com características próprias, entretanto), podemos incluir as malformações da veia de Galeno e as malformações arterio-venosas durais.
- Malformações artério-venosas:
Embora não seja o tipo mais comum de malformação cérebro-vascular, é sem dúvida o mais importante do ponto de vista clínico. É composto basicamente de uma porção "central" ou nicho ("nidus"), artérias nutridoras e veias de drenagem.
O nicho é constituído por uma massa ou rede de canais vasculares displásicos que age como um "shunt" entre os sistemas arterial e venoso, sem a interposição de uma rede capilar . Pode ser compacto ou difuso, único ou múltiplo. Pela ausência de um leito arteriolar de alta resistência esse nicho é exposto a uma pressão de perfusão muito superior em relação ao sistema capilar normal. É presumivelmente a fonte de hemorragia na grande maioria das MAVs. O tecido neural dentro ou adjacente ao nicho é quase sempre anormal, com áreas de gliose e algumas vezes com depósitos de hemossiderina (mesmo sem evidência clínica prévia de sangramento).
As artérias nutridoras podem ser ramos dos sistemas arteriais superficial e/ou profundo (perfurantes). Essas artérias são frequentemente dilatadas e com hiperplasia muscular da íntima ("coxins fibromusculares") pelo "stress" hemodinâmico. Algumas drenam diretamente no nicho da MAV enquanto outras mandam ramos para o nicho e terminam irrigando tecido cerebral normal (frequentemente isquêmico por fenômeno de roubo).
Ainda pelo "stress" hemodinâmico podemos encontrar (com frequência de 10 a 15%) aneurismas associados. Esses podem ser típicos aneurismas "congênitos" na bifurcação proximal de vasos nutridores, ou aneurismas fusiformes geralmente distais nas artérias nutridoras, ou ainda pequenos aneurismas no interior do nicho.
As veias de drenagem da MAV são geralmente dilatadas, tortuosas, espessadas e "arterializadas". Frequentemente apresentam áreas de estenose e ocasionalmente dilatações varicosas (varizes) até mesmo calcificadas. Podem ser observadas, também, anastomoses ("shunts") diretas entre as artérias nutridoras e veias de drenagem.
- Cavernomas:
São o segundo tipo mais importante de malformação cérebro-vascular encontrado na prática clínica. São lesões bem circunscritas, multilobuladas e com frequência múltiplas (nestes casos geralmente familiares). Podem ser evidenciados em todas as regiões do sistema nervoso central. Consistem de massas de canais sinusoidais de vários diâmetros com paredes finas e sem tecido neural de permeio. Não possuem artérias ou veias de drenagem dilatados.
Em alguns casos, entretanto, associam-se a malformações venosas. Apresentam quase sempre depósitos de hemossiderina no tecido gliótico na sua periferia (resultado de hemorragias microscópicas). Manifestações clínicas de sangramento são, por outro lado, muito menos frequentes do que com as MAVs típicas, e geralmente menos intensas.
- Malformações venosas:
Provavelmente o tipo mais comum de malformação cérebro-vascular. É constituida por um grupo de pequenos canais venosos que drenam para uma veia central mais dilatada, assumindo um aspecto de "cabeça-de-medusa" na angiografia. O tecido neural interposto não demonstra anormalidades ou áreas de sangramento. Muito raramente dá manifestações clínicas. A sua obliteração cirúrgica pode promover congestão venosa e infarto do tecido cerebral adjacente.
- Telangiectasias:
São pequenos grupos de capilares dilatados (macroscopicamente como petéquias), histologicamente idênticos a capilares normais, entremeados em tecido neural normal. São mais comumente encontrados na ponte. Não dão manifestações clínicas, com raríssimas exceções. São muito pequenos para serem observados em angiografias, TC ou RMN.

Prevalência e Incidência


O maior estudo quanto a prevalência das malformações cérebro-vasculares foi realizado por McCormick com o exame de 5754 encéfalos retirados em ume série consecutiva de autópsias. Ele observou 272 malformações cérebro-vasculares (4,7% de prevalência global) com distribuição conforme demonstrada na tabela 1.
Tabela 1: Prevalência de malformações cérebro-vasculares (dados de necrópsia em 5754 pacientes) segundo McCormick.
NÚMERO DE PACIENTES PREVALÊNCIA
_____________________________________________________

MAV                    30          0.5%
Cavernomas            19          0.3%
Angioma venoso            173          3.0%
Telangiectasia            50          0.9%
_____________________________________________________
A incidência de hemorragia subaracnóide devido a MAV, por sua vez, é estimada em 1 para cada 100.000 habitantes por ano.

Apresentação Clínica


A maioria das MAVs manifesta-se clinicamente no adulto jovem dos 20 aos 50 anos, mas também em crianças e idosos. De uma forma global 50% das MAVs apresentam-se com hemorragia intracraniana, 25% com crises epilépticas e 25% com outras manifestações clínicas (principalmente déficit neurológico progressivo e cefaléia). A localização da MAV também correlaciona-se com a manifestação clínica: as MAVs localizadas nos núcleos da base, corpo caloso, tronco encefálico ou cerebelo abrem o quadro clínico com hemorragia na quase totalidade dos casos, enquanto as MAVs em certas localizações como na porção mesial do lobo temporal manifestam-se inicialmente na maioria dos casos com crises epilépticas. A cefaléia é um sintoma de apresentação frequente nas MAVs dos lobos parietal e occipital (22 e 40% respectivamente).
A hemorragia causada por uma MAV é geralmente intraparenquimatosa. É comumente menos catastrófica (mortalidade de 10 a 15%) do que a hemorragia hipertensiva (mortalidade de até 70%) ou por ruptura de aneurisma (mortalidade de 50%). Outras características nitidamente diferenciam a hemorragia produzida pelas MAVs da produzida pelos aneurismas. Déficits isquêmicos tardios por vasoespasmo encontrados em cerca de 25% dos indivíduos após ruptura de aneurisma intracraniano são extremamente raros após sangramentos de MAV (cerca de 1%). A incidência de ressangramento é, ainda, bem menor em MAVs (aproximadamente 1% ao mês) quando comparada com aneurismas (aproximadamente 20% nas primeiras duas semanas).
Spetzler demonstrou que o tamanho da MAV relaciona-se com a frequência e intensidade do sangramento. As menores MAVs, com provável maior pressão de perfusão do nicho, mais frequentemente sangram e produzem maiores hematomas. Em resumo, a presença de um hematoma intraparenquimatoso (especialmente lobar), em um indivíduo jovem principalmente, sem outros fatores de risco para hemorragia intracraniana é altamente sugestiva de hemorragia por MAV.
As crises epilépticas são a segunda forma mais comum de apresentação das MAVs. A idade média do início das crises é de 25 anos. O tipo de crise correlaciona-se com a localização da MAV (ex.: crises parciais simples motoras em MAVs localizadas no córtex motor). Elas estão presentes em alguma época da vida do paciente em quase 70% dos indivíduos.
Cefaléia crônica é um sintoma frequente em indivíduos com MAV, principalmente com grandes MAVs com suprimento parcial meníngeo por ramos da carótida externa, ou localizadas no lobo occipital e supridas pela artéria cerebral posterior. Enxaqueca (até mesmo na forma de enxaqueca clássica) pode ocorrer em indivíduos com MAV e geralmente a dor ocorre no mesmo lado da lesão.
Déficits neurológicos progressivos na ausência de hemorragia pode ser o quadro de apresentação em 4 a 12% dos pacientes com MAV. Acredita-se que esses sintomas, que ocorrem principalmente associados a grandes MAVs, sejam secundários à isquemia crônica do tecido cerebral adjacente à MAV por fenômeno de roubo.
Com relação aos cavernomas os sintomas de apresentação mais comuns são as crises epilépticas em 37 a 50% dos indivíduos (algumas de difícil controle terapêutico). Menos comumente observamos as hemorragias intraparenquimatosas que podem ocorrer em quaisquer localizações, principalmente profundas. Essas por sua vez são menos volumosas e clinicamente menos intensas na sua maioria quando comparadas com as MAVs, exceto quando o cavernoma produz o sangramento em áreas críticas como o tronco encefálico.
As malformações venosas (angiomas venosos) raramente promovem sangramento. Foram relatados alguns casos de deficits neurológicos associados a angiomas venosos de cerebelo (como ataxia da marcha ou cefaléia), com ou sem a presença de hemorragia. Deve-se sempre suspeitar nesses casos da presença de uma lesão associada como cavernoma.

História Natural


Diversos estudos têm sido feitos para avaliar a história natural das MAVs (principalmente o risco de sangramento das MAVs não-rotas e de ressangramento nas MAVs rotas). Em média uma MAV não-rota tem um potencial de sangramento de 2 a 4% ao ano. No caso das MAVs rotas esse risco é levemente maior no primeiro ano após a hemorragia (6% de chance de ressangramento) e, a seguir, torna-se o mesmo risco de uma MAV não-rota (2 a 4% ao ano). O risco de ressangramento é maior ainda em se tratando de MAVs com múltiplos sangramentos prévios.
A mortalidade anual de pacientes com MAVs rotas e não-rotas é o mesmo (em torno de 1% ao ano). O risco de óbito após cada hemorragia é em torno de 10 a 15%. A morbidade associada a cada hemorragia gira em torno de 20 a 30 % dos pacientes (ou cerca de 2 a 3% de morbidade anual associada a MAV). Ocorre ainda uma significativa redução na expectativa de vida dos pacientes com MAV (rotas ou não-rotas),que é de aproximadamente 51 anos, quando comparada com a expectativa de vida global de 73 anos na Finlândia, como descrito por Ondra e cols. no melhor e mais prolongado ("follow-up" médio de 24 anos) estudo sobre a história natural das MAVs.
O prognóstico pode ser pior ainda em crianças com MAVs. Essas apresentam maior probabilidade de sangramento (5% ao ano) e mortalidade (2% ao ano), sem levar em conta a maior probabilidade global de sangramento pela maior expectativa de vida das crianças.
Alguns fatores estão associados com maior risco de sangramento (ou ressangramento) de uma MAV, embora alguns estudos não confirmem aumento significativo do risco. Os principais fatores de risco descritos são:
- aneurismas associados à MAV;
- tamanho da MAV (risco maior com MAVs pequenas - menores que 3.5 cm);
- presença de aneurisma intra-nidal;
- presença de estenose venosa;
- gravidez (principalmente terceiro trimestre).
Bem documentada foi a propensão ao aumento de tamanho das MAVs (com cirurgia parcial ou sem cirurgia prévia) com o tempo, principalmente em crianças e adultos jovens. Esses achados favorecem o tratamento precoce das MAVs logo após o seu diagnóstico. Alguns relatos mostram, também, diminuição do tamanho de algumas MAVs (principalmente em indivíduos idosos) e até mesmo o desaparecimento espontâneo de pequenas MAVs (provavelmente por trombose). Em geral, entretanto, a maioria das MAVs permanece com o mesmo tamanho ou cresce e torna-se mais complexa com o tempo.
Já que só uma parte das MAVs chega a receber atenção médica por diferentes sintomas, e uma boa parte pode não ser diagnosticada durante a vida do indivíduo, a verdadeira história natural das MAVs do encéfalo pode não ser totalmente conhecida.

Diagnóstico


Atualmente a quase totalidade dos pacientes com sintomas atribuíveis a MAVs (hemorragias, crises epilépticas, déficits neurológicos) são investigados com TC contrastada e/ou RMN. Além de hemorragias em áreas "suspeitas" (não-atribuíveis a outras causas), esses métodos de imagem podem revelar calcificações e estruturas vasculares tortuosas e dilatadas (que são melhor reconhecidos com RMN) que podem ser bastante sugestivas de MAVs. A RMN é, ainda, bastante útil em termos de localização anatômica para planejamento cirúrgico(fig - marc7).
A angiografia (figura1) permanece, entretanto, o método diagnóstico definitivo nas MAVs. Preferencialmente técnicas de subtração digital, magnificação e múltiplas aquisições devam ser utilizadas no estudo angiográfico. Deve-se, ainda, realizar a angiografia em uma data o mais próximo possível da cirurgia, pelas conhecidas alterações no tamanho, modelos de drenagem, etc, com longos intervalos de tempo ou secundárias à compressão por hematoma.
thumbnailFoto 1. (clique para aumentar)
Exemplo de malformação arterio-venosa volumosa, com nutrição por ramos da artéria cerebral média e com um aneurisma na bifurcação da cerebral média.
A angioressonância e a angio-TC, embora menos invasivos e com boas resoluções de imagem, não fornecem, ainda hoje, os detalhes sequenciais dos sistemas arterial e venoso tão importantes para a identificação das artérias nutridoras, veias de drenagem e "shunts" artério-venosos, detalhes esse obtidos com a angiografia digital convencional.
A RMN "funcional" pode ser importante no estudo das MAVs próximas a áreas eloquentes (como o córtex motor ou a área de Broca), para seu planejamento cirúrgico.
As malformações cérebro-vasculares que não são visualizadas na angiografia são denominadas crípticas ou angiograficamente ocultas. Podem resultar da compressão ou trombose espontânea de pequenas MAVs típicas, ou mais comumente serem devido a presença de um cavernoma. Embora raramente observados na angiografia, os cavernomas são atualmente diagnosticados nas imagens por RMN(fig.a).
Caracteristicamente apresentam um halo de sinal hiperintenso em T1 e T2 pelo depósito de hemossiderina na periferia da lesão.

Tratamento


Como no dito Hipocrático "primun non nocere" os resultados do tratamento das MAVs devem ser superiores a sua história natural. Mesmo partindo-se desse pressuposto "óbvio" a decisão em termos terapêuticos pode ser bastante difícil em algumas situações. Para isso uma série de fatores devem ser levados em consideração:
- Fatores relacionados ao paciente:
  • idade: talvez o mais importante fator a ser levado em consideração, dado o risco cumulativo anual de 2 a 4 % de hemorragias subsequentes. Pode-se, então, optar por tratamento conservador em uma pessoa idosa com MAV associada a sangramento; e por outro lado e de uma forma mais agressiva indicar a cirurgia em uma criançacom uma MAV que nunca causou hemorragia.

  • condição clínica geral: pelos grandes riscos inerentes à cirurgia em pacientes com condições gerais precárias, pode-se optar por tratamento conservador ou menos agressivo.

  • ocupação e expectativa de recuperação pós-operatória: o neurocirurgião deve lesar em consideração esses fatores e em última análise explicar ao paciente todas as possíveis complicações em relação ao seu estilo de vida e déficits que podem resultar do tratamento. O paciente pro sua vez deverá tomar a decisão final que deverá confrontar esse riscos do tratamento com os riscos de futuras hemorragias.
    - Fatores relacionados à MAV:
    A necessidade de um sistema objetivo e padronizado que pudesse predizer as dificuldades técnicas e riscos associados ao tratamento de MAVs individualmente levou ao desenvolvimento de vários sistemas de classificação. O esquema mais usado é o de Escala de Spetzler-Martin. Esse sistema leva em consideração o tamanho do nicho, a localização da MAV e o modelo de drenagem venosa, classificando as MAVs em graus de 1 a 5. Grandes MAVs que envolvem de forma global uma região cortical eloquente ou estão situadas diretamente no tronco cerebral ou hipotálamo são classificadas como grau 6. Esse sistema de classificação ajuda a predizer o risco de déficit neurológico pós-operatório e as dificuldades técnicas com a cirurgia. A maioria dos casos candidatos à cirurgia, então, enquadra-se nos graus 1, 2 e 3. Séria morbidade e mortalidade está associada com a cirurgia nas MAVs mais difíceis (graus 4 e 5).
    - Fatores relacionados à experiência do cirurgião:
    Embora de difícil quantificação, a honesta auto-avaliação por parte do cirurgião quanto à sua experiência e capacidade para lidar com uma difícil lesão devem ser levados em consideração. O cirurgião deve ter a responsabilidade de proporcionar o melhor ao paciente, o que em algumas situações complexas pode ser a referência para um cirurgião mais experiente com esse tipo de lesão ou à radiocirurgia.
    - Cirurgia:
    Ainda hoje a melhor opção de tratamento das MAVs. A excisão microcirúrgica completa de uma MAV pode ser alcançada na maioria dos pacientes com mínima morbidade e mortalidade associados (2.9 e 2.4% respectivamente).
    Algumas vezes há necessidade da drenagem de forma emergencial de um hematoma associado a MAV. Não se deve tentar ressecar nesses casos uma grande MAV sem um estudo angioráfico pormenorizado da lesão. Dado o baixo risco de ressangramento, a cirurgia definitiva de excisão da MAV é feita preferencialmente algumas semanas após o primeiro sangramento, após estabilização clínica do paciente, melhora do edema cerebral, reabsorção parcial e liquefação do coágulo.
    As principais complicações operatórias são:
    - hemorragia intraoperatória;
    - injúria por retração do tecido cerebral;
    - isquemia/infarto cerebral por oclusão de vasos "en passage" que suprem tecido normal;
    - hemorragia e edema pós operatórios: associados ao fenômeno de "breakthrough" ("normal perfusion pressure breakthrough").
    Como proposto por Spetzler, a oclusão das arérias nutridoras da MAV pode levar a uma sobrecarga de fluxo para artérias adjacentes que estariam não-responsivas (perda parcial da auto-regulação), levando a hemorragias e congestão tecidual. É uma complicação grave que ocorre principalmente no pós-operatório de grandes MAVs. A causa provável dessa situação clínica pós-operatória grave com hemorragias no leito de ressecção pode ser, segundo alguns autores, entretanto, a permanência de parte do nicho da MAV. Outra teoria seria a de oclusão da drenagem venosa (por trombose venosa distal) do tecido encefálico normal adjacente, causando a chamada hiperemia oclusiva.
    A ressecção cirúrgica das MAVs está associada com os melhores resultados em termos de controle pós-operatório de crises epilépticas (56% dos pacientes livres de crises). Com a identificação per-operatória e excisão de regiões corticais epileptogênicas associada à cirurgia das MAVs, o controle pós-operatório das crises pode chegar a 75% dos pacientes.
    - Embolização:
    A cateterização superseletiva das artérias nutridoras de uma MAV permite a oclusão endovascular das artérias nutridoras ou do próprio nicho da MAV através do uso de colas (isobutilcianoacrilato - IBCA ou N-butilcianoacrilato - NBCA), partículas plásticas de PVA ou molas metálicas destacáveis (GDC). Tal oclusão deve ser permanente quando a embolização é o único tratamento planejado ou será realizado previamente à radiocirurgia. Entretanto, mesmo com a mais moderna tecnologia, o risco de recanalização do vaso transitoriamente ocluído ainda é alto, sendo a embolização o tratamento definitivo em casos excepcionais.
    Mesmo com o grande avanço nas técnicas de embolização (com técnicas de navegação, microcatéteres e angiografia de alta resolução) a completa e permanente oclusão endovascular de uma MAV só pode ser alcançada nas MAVs menores, sendo incomum nas MAVs grandes e complexas. Uma MAV tratada de forma incompleta (com um pequeno nicho residual) apresenta ainda significativa chance de sangramento.Portanto, a meta do tratamento deve ser sempre a oclusão completa da MAV.
    Sendo assim, atualmente, a oclusão endovascular de MAVs é na maior parte dos casos uma das etapas no planejamento terapêutico dessas difíceis lesões. Deve-se favorecer sempre uma abordagem multidisciplinar envolvendo o neuroradiologista ("cirurgião endovascular"), o radiocirurgião e o neurocirurgião na decisão terapêutica de cada caso.
    Pequenas MAVs (graus 1 e 2 de Spetzler) que tenham sangrado e situadas em áreas não-eloquentes são melhor tratadas com ressecção cirúrgica. Adicionar os riscos da embolização aos riscos da cirurgia pode não ser justificável quando a morbidade e mortalidade cirúrgicas são pequenas. Para MAVs mais complexas (grau 3), uma abordagem combinada, como por exemplo com embolização pré-operatória, pode dar os melhores resultados.
    A embolização de grandes MAVs (graus 4 e 5), em algumas poucas situações pode tornar uma MAV "inoperável" em "operável" ou passível de tratamento com radiocirurgia. Outras vantagens da embolização pré-operatória são a diminuição do risco pós-operatório do fenômeno de "breakthrough", e uma facilitação do procedimento cirúrgico em si, com oclusão das artérias nutridoras profundas e diminuição do sangramento operatório.
    As principais complicações durante a embolização de MAVs são hemorragia (parenquimatosa ou subaracnoidea) e infarto cerebral. A morbidade associada ao procedimento gira em torno de 5 a 12% e a mortalidade em torno de 2.8 a 6%, embora séries mais recentes descrevam uma redução na morbi-mortalidade.
    - Radiocirurgia:
    Uma pequena mais significativa parcela dos pacientes com MAV podem estar sujeitos a uma alta morbidade e mortalidade se submetidos à ressecção cirúrgica da MAV, sendo, portanto, eventuais candidatos a tratamentos alternativos como a radiocirurgia estereotáxica. Esses pacientes são, principalmente, os que albergam MAVs profundas (diencéfalo, tronco encefálico), os que apresentam nicho residual após múltiplas cirurgias, ou ainda, os pacientes com outros problemas de saúde importantes que contraindiquem uma grande cirurgia.
    Os sistemas em uso no mundo para radiocirurgia estereotáxica são o "Gamma-knife", o acelerador linear ("LINAC") e os aceleradores de partículas ("Cyclotrons"). Todos têm características comuns de liberarem de forma rápida uma alta dose de radiação (calculada por um sistema de dosimetria tridimensional e computadorizado) a um alvo intracraniano localizado estereotaxicamente, permitindo que os tecidos vizinhos sejam poupados.
    Dentre os sistemas atualmente utilizados, os ciclotrons estão restritos às instituições de pesquisa, sendo menos acessíveis à população em geral. Os aceleradores lineares têm a vantagem de que praticamente todas as instituições de tratamento oncológico dispõem desta aparelhagem, necessitando de adaptação para realizar radiocirurgia.
    As unidades Gamma foram desenvolvidas especificamente para radiocirurgia e têm a vantagem teórica de serem mais precisas no que diz respeito à área a ser irradiada, consequentemente com menor risco de lesão aos tecidos sãos.
    Apesar destas diferenças, os métodos apresentam resultados similares. A grande desvantagem do tratamento das MAVs com radiocirurgia é que a total obliteração da MAV (quando alcançada) ocorre meses ou anos após o tratamento. Durante esse grande intervalo o paciente está em risco para novos sangramentos. A resposta à radiocirurgia normalmente ocorre até o final do segundo ano, onde cerca de 80% dos indivíduos submetidos ao tratamento obtêm obliteração completa de suas lesões.
    O sucesso da radiocirurgia relaciona-se, entretanto, com o tamanho do nicho da MAV irradiada. Obliteração completa de até 80%-90% dos indivíduos, é obtida em algumas séries de pacientes com pequenas MAVs (menores que 25 mm de diâmetro ou volume inferior a 4 cm3) em comparação às grandes MAVs que são totalmente obliteradas em uma significativamente menor percentagem dos indivíduos. A obliteração parcial da MAV não deve ser interpretada como sucesso parcial do tratamento, uma vez que só a obliteração completa protege o indivíduo contra novos sangramentos.
    A incidência de ressangramento após radiocirurgia foi relatada em torno de 4 a 12%, sendo que a maioria ocorreu no primeiro ano após tratamento (60 a 70%). O aparecimento de novos déficits neurológicos (não-relacionados a novos sangramentos), provavelmente induzidos pela radiação, em alguns casos com radionecrose confirmada histologicamente, foi relatado em torno de 3 a 5% dos indivíduos. Radiocirurgia para malformações cérebro-vasculares angiograficamente ocultas (especialmente cavernomas) é associada com maior risco de complicações e de duvidoso benefício terapêutico.
    Em conclusão, a radiocirurgia estereotáxica atualmente é reservada para os indivíduos com MAVs cirurgicamente "irressecáveis". Existe, ainda, um subgrupo de MAVs irressecáveis de grande volume (grau 5 de Spetzler) que não são, também, bons candidatos ao tratamento com radiocirurgia pela mínima incidência de obliteração total. Estes permanecem um grande desafio em termos terapêuticos.
    As fotos (2, 3, 4 e 5 abaixo) exemplificam um caso difícil de MAV na área motora submetido ao tratamento radiocirurgico com RM e angioressonância após dois anos do procedimento. Possivelmente, no futuro, com melhores técnicas e um melhor entendimento dos efeitos da radiocirurgia, só as MAVs com mínima morbidade cirúrgica sejam candidatas à cirurgia e a maioria dos indivíduos com MAVs possa ser tratada com radiocirurgia estereotáxica.
    thumbnailFoto 2. (clique para aumentar)
    Exemplo de MAV extensa, junto a área motora(tomografia computadorizada) e com drenagem profunda associada (Spetzler grau 5).

    thumbnailFoto 3. (clique para aumentar)
    Marcação da MAV( vista na foto 2) para ser submetida a Radiocirurgia.

    thumbnailFoto 4. (clique para aumentar)
    Após 2 anos de radiocirurgia, a MAV evoluiu para trombose completa(Ressonancia Magnetica).

    thumbnailFoto 5. (clique para aumentar)
    Angiografia por Ressonancia (MRA) demonstrando desaparecimento da lesão, o que foi confirmado por Angiografia digital.

    Malformações Arteriovenosas Durais


    São fístulas arteriovenosas nutridas por artérias durais, com drenagem por canais venosos durais. O nicho do "shunt" arteriovenoso situa-se entre os folhetos da dura-máter ou em um seio venoso. Existem muitos casos bem documentados de desenvolvimento de malformações arteriovenosas durais (MAVDs) em associação com trombose de seios durais (espontânea, pós-traumática, pós-infecciosa, etc.), com completa ou incompleta oclusão do seio.
    De acordo com essa hipótese a trombose de um seio dural pode predispor à abertura de canais colaterais embrionários com potencial para comunicação arteriovenosa. Pode haver trombose ou regressão espontânea da lesão.
    Por outro lado pode ocorrer o recrutamento progressivo de vasos arteriais durais para nutrir a "shunt", com aumento progressivo da fístula dural. Adicionalmente, no lado venoso da fístula ocorre aumento progressivo da pressão venosa nos canais e seios venosos durais.
    A hipertensão venosa retrógrada consequente leva à dilatação e formação de varicosidades nos canais venosos leptomeníngeos que podem agora drenar sangue dos folhetos durais arterializados para a circulação venosa pial. Essa hipertensão venosa leptomeníngea secundária é a causa frequente das hemorragias intracranianas (principalmente no espaço subaracnoideo) associadas às MAVDs.
    A grande maioria das MAVDs situa-se na região dos seios sigmóide e transverso (62%). Essas MAVDs geralmente não têm um comportamento agressivo e apresentam principalmente de tinnitus pulsátil ou cefaléia. As MAVDs na região do seio cavernoso também têm um comportamento pouco agressivo e raramente causam hemorragias, produzindo mais comumente oftalmoplegias ou déficit visual por hipertensão das veias de drenagem da órbita.
    Por outro lado MAVDs em outras localizações como na dura-máter da fossa anterior, da convexidade junto ao seio sagital e especialmente na região da incisura tentorial têm um comportamento mais agressivo. Frequentemente apresentam sangramentos, provavelmente pelo grande recrutamento de canais leptomeníngeos.
    Acredita-se que os aneurismas da veia de Galeno da infância sejam, na verdade, MAVDs tentoriais congênitas que desenvolvem-se precocemente como consequencia de atresia ou oclusão congênita de um seio dural. Sintomas decorrentes de hipertensão intracraniana e papiledema podem surgir com MAVDs em todas as localizações.
    - Tratamento:
    Técnicas de embolização arterial endovascular podem promover a diminuição no fluxo na MAVD mas raramente conseguem oclusão completa e permanente da lesão. Podem ser usadas no pré-operatório para diminuir o sangramento durante a cirurgia. Oclusão por via transvenosa pode ser mais efetiva em um grande número de casos, mas ainda assim pode não ser curativa em uma sgnificativa parcela dos pacientes.
    Os objetivos da cirurgia das MAVDs são a interrupção ou obliteração dos canais venosos leptomeníngeos arterializados e a ressecção máxima (preferencialmente completa) da dura comprometida (e seio dural).Os principais obstáculos da cirurgia são os problemas de acesso à lesão, e, principalmente, as dificuldades com a hemostasia (não são raros os relatos de hemorragia catastrófica e mesmo fatal).
    A radiocirurgia estereotáxica parece ter um importante papel no tratamento das MAVDs, com elevado índice de trombose induzida. Entretanto, o risco de ressangramento durante o intervalo (de até 2 anos) para a trombose da lesão pela radiocirurgia pode ser significativo. Atualmente, portanto, esse tratamento está indicado principalmente para as MAVDs sem história de hemorragia recente e que apresentem um risco cirurgico elevado.
    Assim como as MAVs típicas, o manejo e a decisão terapêutica das MAVDs deve involver um time multidisciplinar e confrontar o risco/benefício de cada procedimento com a história natural da lesão.

    Referências


    Barrow,D (ed): Intracranial Vascular Malformations. Park Ridge, AANS, 1990.
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