sábado, 3 de janeiro de 2015

Solidão na Internet

   
  TEXTOS REFLEXIVOS

    Hoje em dia percebo que poucas são as pessoas que estão focadas em alguém de verdade.
    As pessoas reclamam de solidão, de falta de amor, de falta de carinho, mas esquecem que elas mesmas não tem coloborado para mudar isso. 
    Frequentemente me pergunto, se a internet, as redes sociais e aplicativos nos possibilitam conhecer alguém a cada minuto, será que é isso que nos afasta ainda mais, de realmente investir numa só pessoa, ou em um grupo; mas com dedicação, encontros reais, um café, um cinema, um lanche, nos possibilitando assim percebermos o que o outro esta sentindo de verdade naquele momento? 
      É preciso reavaliarmos as nossas atitudes, é preciso sabermos o que buscamos e se realmente queremos algo sólido, duradouro e verdadeiro, ou preferimos continuar investindo em um sentimento que não permite o outro aproximar-se de verdade de você?
      E foi pensando nisso que recebi um texto de uma grande amiga Claudia Nunes, falando com muita propriedade sobre este assunto.
      Leiam e vamos refletir...
                                                                                                       (1) Fga. Maria Paula C. Raphael

Solidão na Internet?* 

          Costuma-se dizer que, com a Internet, as relações entre as pessoas foram facilitadas e que esse espaço está servindo para encontros, às vezes, os mais íntimos e, talvez, mais verdadeiros na medida em que se tem a sensação de ser este um espaço onde tudo pode ou é possível. Dentro dessa perspectiva, as pessoas (usuários mais constantes) têm todos os seus desejos realizados porque não há, por exemplo, os impedimentos agenciados pelo olhar. Esse sentido, ao mesmo tempo em que apreende o todo ao redor desse usuário, formando seu conjunto de informações, também funciona como seletor daquilo que se deve ou não aceitar, já que está organicamente ligado à memória. Somos atraídos pelo que gostamos de olhar... Sendo assim, acredita-se, na Internet, além de não haver mais a possibilidade da solidão, não há mais a possibilidade de qualquer restrição do ser porque ser não é mais uma necessidade justamente dentro desse espaço. Solitários sim; em solidão, nunca!

A Internet, rede mundial de informação, com isso, é apresentada como um espaço de eliminação de vários dos mecanismos de defesa humanos, exatamente pela “desvisualização” corpórea (física) de seus usuários. Nela, por exemplo, timidez não tem lugar nem espaço. Nicks e logins são criados em correspondência com os desejos mais voluptuosos de representar a potência, não a “decência”. Nesse viés, a Internet é entendida (analisada) como lugar dos destemidos, dos fortes e dos extrovertidos. As ações têm um tom de heroicidade por se darem em esconderijo virtual. Será?

Esse é apenas um lado da questão! Pensando calmamente, o simples fato desse usuário estar sozinho diante de uma máquina exige um repensar dessas afirmativas, pois levanta alguns questionamentos: é uma relação com o Outro, ou essa máquina é o Outro para o Outro? E, se formos mais perversos: sendo uma relação, ela envolve também o emocional, ou só representa estratégicas técnicas de fuga? Com essas dúvidas (e muitas mais), comecei a pensar na/a solidão e em como esse conceito tem se modificado quando intermediado pela tecnologia, principalmente pela Internet.

O homem contemporâneo se reflete dentro da realidade exterior pela procura de realidades alternativas menos complexas como o mundo virtual, e a Internet vem de encontro justamente a essa procura. Criada como estratégia de guerra, sua disseminação e aceitação, em milhares de lares, provocou a modificação tanto das formas de entretenimento quanto dos comportamentos, pelo seu uso intensivo e por seu alcance ilimitado.

Em muitos momentos de nossas vidas, principalmente em momentos em que precisamos de concentração (estudo, criação) a necessidade de solidão é imprescindível. E essa necessidade é individual e relaciona-se com a personalidade de cada um de forma diferenciada. Cada um se sente, nesses momentos, coerente com suas escolhas e com suas formas de encarar a vida. A solidão, então, produzida para qualquer forma de introspecção (elaborar pensamentos, idéias, teorias), é força motriz de grande parte do mundo em eterno movimento de ser novo, pois é um estado de abstração que nos permite, por exemplo, mergulhar em nós mesmos, para descobrir novos mundos, novos significados para os mundos velhos, ou lugares para enterrar os mundos mortos.

Mas a contemporaneidade também trouxe a vivência da fragmentação. Atividades familiares e sociais passaram a exigir uma dedicação quase que impossível e isso agenciou, de forma radical, inquietações e descontentamentos, não mais individuais, mais coletivas. A leitura é sobre a nova dinâmica da comunidade. Percebe-se uma realidade delimitada (com limites precisos) e esta percepção “leva a uma necessidade compulsiva de conhecimento que acaba sendo mais importante que a própria vida, pois permitirá não só ajustar-se à realidade, mas desenvolver comportamentos esperados com relação ao outro.”[1] Mesmo buscando portos seguros, vivemos em insegurança, e uma insegurança também encontrada em diferentes vertentes como medos, angústias, temor ao fracasso ou incompreensão.

Dentro desse processo ambivalente em que não podemos fixar lugares cômodos para não restringirmos nosso crescimento e nossas perspectivas, é lógico que o mundo passa a ser um campo de batalha onde, segundo uma velha expressão popular, devemos “matar um leão a cada dia”. Haverá entusiasmos e desencantos em estar próximo porque vivenciamos contradições e desentendimentos. Logo todos somos / seremos compulsivos.[2] Somos compulsivos em busca da Vida.

Mas a “solidão não é um fato, é um sentimento. Enquanto sentimento, a solidão não é algo já dado. (...) É um tender para, ou vir de.[3] E sendo assim faz parte do próprio homem, podendo ser exagerado ou não, diante das prioridades a que estiver inserido. Como um nó de relações, o homem torna a solidão medo do outro e passa a vida ou tentando afastá-lo ou tentando cristalizar a própria relação. Nesse processo, fantasias, imaginários, subjetividades são certezas a que se voltam para justificar e incentivar seu investimento voraz no mundo exterior.

Na Internet também esse processo se apresenta. Em busca ainda da felicidade, da perfeição e de um mundo melhor, e decepcionado, consciente ou inconscientemente, com suas relações mais físicas (família, amigos e amores), o usuário investe seu movimento de “encontro” com o outro num mundo virtual, pois sabe que ele é exatamente isso: UM MUNDO de possibilidades. Os contatos de pele (tato) e os encontros visuais (olhar) são dizimados.[4] Mas é preciso ser feliz, sempre!
           
Esse novo modo de buscar a felicidade sugere, primeiro, um usuário tímido diante da impossibilidade de se relacionar no real; segundo, uma transformação nos comportamentos pela insistente sistematização das formas trazidas pelo uso constante da Internet; e terceiro, uma elevação à categoria de imprescindível da sexualidade em detrimento da sensualidade:[5]sexo vem dos outros e vai embora / Amor vem de nós e demora”.[6] Há uma perda de referenciais (e o encontro de outras mais virtualizadas e relativas). Há um desnorteamento de condutas (pela acessibilidade sem censuras mais objetivas). E, por fim, há a caotização dos sentimentos (pela sensação da liberdade de ser). O usuário aceita o fetiche como real e um real onde a desertificação baudrillariana não se constitui, pois, num mundo de tantas possibilidades, nada pode ser vazio de sentidos, nem que estes sejam trazidos pelo próprio usuário.
           
Essa perspectiva de encontrar e reencontrar o outro nesse novo mundo – o mundo virtual – reflete o homem do século XXI. Um homem sob pressão, que caminha nas incertezas, que procura relação entre inverdades[7], e que, para tal, acredita apenas no tempo real, no tempo sendo vivido, experimentado e realizado no presente. Sua solidão então está em seu desaparecimento, mas um desaparecimento que lhe permite, hoje em dia, ser ator, produtor e personagem de suas próprias histórias. E a Internet se oferece como um instrumento vigoroso e estimulante dessa vontade. Ela participa do mundo em todo o seu esplendor, mas sem o “perigo” do desmascaramento, sem o perigo da exposição. Lembrando que Pierre Levy separa o real em atual e virtual, o usuário da Internet é passivo no atual e é ativo no virtual; é solitário no atual e está em estado de solidão no virtual; é antagonista no atual e é protagonista e herói no virtual.
           
Mesmo assim “o problema da solidão não fica resolvido. Isto simplesmente o adia. Se ‘faz de conta’ que não existe. Se ‘faz de conta’ que se estabelece uma relação e, às vezes, até chega a estabelecer-se.[8] Mas a complexidade humana novamente se apresenta: depois de muitos encontros e conversas, os usuários sentem a necessidade de se ver. Apenas adiaram-se os sentidos do tato e do olhar. Presentifica-se a necessidade de estar junto. As conversas vão dando o caráter de familiaridade às pessoas. As conversas estabelecem o incentivo necessário a um pedido até aqui adiado: “VAMOS NOS VER?” ou “QUE TAL NOS CONHECERMOS NO REAL?” Essas perguntas marcam a insatisfação humana sempre presente, mesmo que adiada por muito tempo, da ausência do corpo-a-corpo, do face-a-face. Para o conhecimento concreto nada poderá estar entre um e outro. E assim, depois de uma fase de solidão, exigimos o desaparecimento do intermediário: O COMPUTADOR.
           
Nesse momento, o usuário acredita novamente no outro, não como gostaria que fosse, mas da maneira que é. A diferença é aceita e juntos continuarão enriquecendo o mundo.

            Solidão na Internet? Coisa de momento...


(2) Profa. Claudia Nunes

      (1)  Fga. Maria Paula C. Raphael
Graduada em Fonoaudiologia  UVA 1990,*   Formação em socio-Psicomotricidade Ramain-Thiers; Especialização em Psicomotricidade como Socio-Terapeuta de Grupo e Socio-Terapeuta Psicomotora , Supervisora da equipe CESIR Rio de Janeiro; professora na formação de grupos em Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers RJ, Membro da comissão Científica do CESIR (Centro de Estudos Simone Ramain) Docente na AVM-Faculdade Integrada Cândido Mendes em pós-graduação, nas turmas de Psicopedagogia, Psicomotricidade e Educação Especial.


      (2) Profa Ms Claudia Nunes - Graduada em Letras (Portugues/Literatura) pela UVA. Mestra em Educação pela UNIRIO.     Especialista em Tecnologia Educacional, em Neurociência Pedagógica e Psicopedagogia pela AVM-UCAM. Professora do Ensino Médio (SESI / Estado-RJ). 22 anos em sala de aula.

  

[1] www.ufsm.br/antartica/Palestra%203.htm
[2] Falamos aqui de compulsão no sentido psicanalítico, ou seja, no coletivo, em conjunto, uma tendência permanente e, em geral inconsciente, que dirige e incita a atividade dos indivíduos.
[3] www.ufsm.br/antartica/Palestra%203.htm
[4] Mesmo contatos com a WEBCAM têm tanta interferência (tela, imagens distorcidas, pouca cor e sem odor) que não conseguem estimular interesses mais instintivos. É novamente uma simulação de estímulos.
[5] Aqui queremos fazer uma ressalva: estamos entendendo sexualidade algo que constitui parte superficial da pessoa, que não sugere dependência e que se materializa na paixão, ao contrário da sensualidade que requer o envolvimento mental, sugere dependência e se materializa pelo amor.
[6] Trecho da música “Amor e Sexo” de Rita Lee inserida no disco Balacobaco. Som Livre, 2004.
[7] Inverdades entendidas como simulações.
[8] www.ufsm.br/antartica/Palestra%203.htm