segunda-feira, 21 de maio de 2012



PUC-Rio - Departamento de Artes & Design


Programa de Mestrado em Design, 2003.2


Teoria e Crítica do Design - Prof. Gustavo Amarante Bomfim


Ailton Santos, mat. 0310181


Felipe Memoria, mat. 0310197


Juliane Figueredo, mat. 0310210


O MERCADO DE BENS SIMBÓLICOS
Pierre Bourdieu


A história da vida intelectual e artística das sociedades européias está relacionada com a história das


transformações da função do sistema de produção de bens simbólicos e da própria estrutura destes


bens. Ao longo destas transformações, formou-se um campo intelectual e artístico, que almejava a


autonomização progressiva do sistema de relações de produção, circulação e consumo de bens simbólicos.


A lógica do processo de autonomização


A vida intelectual e artística permaneceu durante toda a Idade Média e Renascimento, sob a tutela da


aristocracia e da Igreja, atendendo às suas demandas éticas e estéticas. A libertação progressiva, tanto


econômica como social, deste comando, ou seja, o processo de autonomização da produção intelectual e


artística é correlato à constituição de uma categoria socialmente distinta de artistas ou de intelectuais


profissionais, cada vez mais inclinados a levar em conta exclusivamente às regras firmadas pela tradição


herdada de seus predecessores, e cada vez mais propensos a liberar sua produção e seus produtos de toda


e qualquer dependência social, seja das censuras morais e programas estéticos de uma Igreja empenhada


em proselitismo, seja dos controles acadêmicos e das encomendas de um poder político propenso a


tomar a arte como um instrumento de propaganda.


A constituição da arte enquanto tal é paralela à transformação da relação que os artistas mantém com os


não-artistas e, por esta via, com os demais artistas. O que resulta em uma nova definição da função do


artista e de sua arte. Tal processo tem início na Florença do século XV, com a afirmação de uma


legitimidade propriamente artística, que concede ao artista o direito de legislar com exclusividade em seu


próprio campo: o campo da forma e do estilo.


O movimento do campo artístico em direção à autonomia ocorreu em ritmos diferentes segundo as


sociedades e esferas da vida artística, mas acelerou-se consideravelmente com a Revolução Industrial e


com a reação romântica ligada, de maneira mais ou menos direta conforme as nações, a uma sucessão dos


intelectuais e artistas que não passa do reverso de uma exclusão e até mesmo de uma relegação. O


desenvolvimento do sistema de produção de bens simbólicos é paralelo a um processo de diferenciação,


cujo princípio reside na diversidade dos públicos aos quais as diferentes categorias de produtores


destinam seus produtos e cujas condições de possibilidade residem na própria natureza dos bens


simbólicos. Estes mesmos bens são concomitantemente valorizados como mercadoria e carregados de


significações e tanto o caráter mercantil quanto cultural da obra de arte subsistem relativamente


independentes.


No momento em que se constitui um mercado da obra de arte, escritores e artistas tem a possibilidade de


afirmar a irredutibilidade da obra ao estatuto de simples mercadoria como também a singularidade da


condição intelectual e artística. Segundo o autor, a constituição da obra de arte como mercadoria e a


aparição de uma categoria particular de produtores de bens simbólicos destinados ao mercado, criam-se


condições para o surgimento de uma teoria pura da arte. Esta teoria da arte enquanto tal instaura uma


dissociação entre a arte como simples mercadoria e a arte como pura significação. Toda essa conjuntura


leva a uma ruptura dos vínculos de dependência dos artistas em relação ao patrão ou a um mecenas,


propiciando ao escritor e ao artista uma liberdade que logo se revela formal, sendo apenas a condição de


sua submissão às leis do mercado de bens simbólicos.


Devido ao surgimento deste mercado, surgiram profundas mudanças em relação às concepções sobre a


arte, sobre o artista e sobre o seu lugar na sociedade. O artista se afasta de seu público, considerando-se


gênio autônomo e criador independente. Nessas condições, nasce um público anô nimo de “burgueses” em


conjunto com a aparição de métodos e técnicas tomadas de empréstimo à ordem econômica e ligados a


comercialização da arte – como por exemplo, a produção coletiva ou a publicidade para os produtos


culturais – que coincide com a rejeição dos cânones estéticos da burguesia e ao esforço metódico para se


separar o intelectual do vulgo, ou seja, o artista se afasta tanto do povo quanto do burguês.


A estrutura e o funcionamento do campo de produção erudita


O campo de produção de bens simbólicos apresenta duas vertentes – mais ou menos marcada conforme


as esferas da vida intelectual e artística – sendo elas: o campo de produção erudita e o campo da indústria


cultural. A diferença básica entre os dois modos de produção se refere a quem se destinam os bens


culturais produzidos. Assim, o campo de produção erudita destina a produção de seus bens a um público


de produtores de bens culturais, enquanto o campo da indústria cultural os destina aos não -produtores de


bens culturais, ou seja, a população em geral.


Campo de produção erudita


Ao contrário do sistema da indústria cultural que obedece à lei da concorrência para a conquista do maior


mercado possível, o campo de produção erudita tende a produzir ele mesmo suas normas de produção e


os critérios de avaliação de seus produtos, e obedece à lei fundamental da concorrência pelo


reconhecimento propriamente cultural concedido pelo grupo de pares que são ao mesmo tempo clientes


privilegiados e concorrentes. Pelo poder de que dispõe para definir as normas de produção e os critérios


de avaliação de seus produtos, o campo de produção erudita funciona como uma arena fechada de uma


concorrência pela legitimidade cultural (consagração propriamente cultural). Nesse sentido, há uma


tendência cada vez maior da cr ítica, em se distanciar do público e fornecer uma interpretação “criativa”


para o uso dos “criadores”. Por meio de suas interpretações de expert e de suas leituras “inspiradas” a


crítica garante a inteligibilidade de obras fadadas a permanecerem inteligíveis para os não integrados ao


campo dos produtores. Constituindo-se, assim, “sociedades de admiração mútua”, uma relação de


solidariedade entre o artista e o crítico.


Todo ato de produção cultural objetiva a afirmação de sua pretensa legitimidade cultural. Quando os


diferentes produtores se defrontam, a competição se desenvolve em nome de sua pretensão à ortodoxia,


ou então , para falar nos termos de Weber, ao monopólio da manipulação legítima de uma classe


determinada de bens simbólicos.


Quanto mais o campo estiver em condições de funcionar como o campo de uma competição pela


legitimidade cultural, tanto mais a produção pode e deve orientar-se para a busca de distinções


culturalmente pertinentes, isto é, busca dos temas, técnicas e estilos dotados de valor. Deste modo, é a


própria lei do campo, que envolve os intelectuais e os artistas na dialética da distinção cultural, que


impõe os limites no interior dos quais tal busca pode exercer legitimamente sua ação. No entanto, a


comunidade intelectual e artística erudita para afirmar a autonomia da ordem propriamente cultural


condena quaisquer recursos tecnicamente montados com procedimentos de distinção não reconhecidos e


assim imediatamente desvalorizados como meros artifícios.


Neste contexto, os princípios de diferenciação a serem legitimados por um campo, que tende a rejeitar


toda e qualquer definição externa de sua função, são aqueles que exprimem de modo mais acabado a


especificidade da prática intelectual ou artística, ou melhor, de um tipo determinado desta prática. Por


exemplo, no âmbito da arte, os princípios estilísticos e técnicos são os mais propensos a se tornarem o


objeto privilegiado das tomadas de posição e das oposições entre os produtores.


O campo das instâncias de reprodução e consagração do c ampo de produção erudita


As obras produzidas pelo campo de produção erudita são obras “ puras, “ abstratas” e esotéricas.


Por tais características, as obras do campo de produção erudita são acessíveis a um público reduzido e a


sua recepção depende do nível de instrução dos receptores, ou seja, exige que os receptores tenham o


manejo prático e teórico de um código refinado, sendo necessária também, a própria disposição dos


mesmos em adquirir tal código. Já a recepção dos produtos no sistema da industria cultural é


relativamente independente do nível de instrução dos receptores.


Para a compreensão do funcionamento e as funções sociais do campo de produção erudita é preciso


analisar as relações existentes com as instâncias de conservação do capital de bens simbólicos (museus) e


com as instâncias de reprodução, como por exemplo, o sistema de ensino, para assegurar a reprodução do


sistema dos esquemas de ação, de expressão, de concepção, de imaginação, de percepção e de apreciação


social. Em outras palavras, uma d
efinição completa do modo de produção erudito deve incluir as


instâncias capazes de assegurar não apenas a produção de receptores dispostos e aptos a receber (pelo


menos em médio prazo) a cultura produzida, mas também a formação de agentes capazes de reproduzi-la


e renová-la.


Um dos princípios fundamentais de estruturação do campo de produção e circulação de bens simbólicos é


a relação de oposição e de complementaridade que se estabelece entre o campo de produção erudita e o


campo das instâncias de conservação e de consagração. Weber faz um paralelo com o campo religioso, ao


entender que a estrutura do campo religioso organiza-se em torno da oposição entre o profeta e o


sacerdote (além das oposições secundárias entre profeta, o feiticeiro e o sacerdote).


O sistema de ensino, enquanto instância de conservação e consagração cultural, cumpre inevitavelmente


uma função de legitimação cultural ao converter em cultura legítima, exclusivamente através do efeito de


dissimulação. Isso de deve ao fato de que toda ação pedagógica define-se como um ato de imposição de


um arbitrário cultural que se dissimula como tal e que dissimula o arbitrário daquilo que inculca. Este


arbitrário cultural que uma formação social apresenta pelo mero fato de existir e, de modo mais preciso,


ao reproduzir, pela delimitação do que merece ser transmitido e adquirido e do que não merece, a


distinção entre as obras legítimas e as ilegítimas e, ao mesmo tempo, entre a maneira legítima e a


ilegítima de abordar as obras legítimas. O sistema de ensino contribui amplamente para a unificação do


mercado de bens simbólicos e para a imposição generalizada da legitimidade da cultura dominante, não


somente legitimando os bens que a classe dominante consome, mas também desvalorizando os bens que


as classes dominadas transmitem e tendendo, por esta via, a impedir a constituição de ilegitimidades


culturais. Dessa forma, o sistema das instâncias de conservação e consagração cultural cumpre, no


interior do sistema de produção e circulação dos bens simbólicos, uma função homóloga à da Igreja.


A característica mais importante do sistema de ensino capaz de afetar a estrutura de suas relações com as


demais instâncias constitutivas do sistema de produção e circulação de bens simbólicos é o ritmo de


evolução lento, que contribui para manter a defasagem entre a cultura produzida pelo campo intelectual e


a cultura escolar, “banalizada” e racionalizada pelas e para as necessidades da inculcação, isto é, entre os


esquemas de percepção e apreciação exigidos pelos novos produtos culturais e os esquemas efetivamente


manejados a cada momento pelo “público cultivado”.


Na medida em que o campo de produção erudita amplia sua autonomia, os produtores tendem a se


conceber como intelectuais ou artistas de direito divino, tornando-se “criadores”, “reivindicando


autoridade devido a seu carisma”, procurando impor na esfera cultural um princípio exclusivo de


legitimação. Estes produtores mostram-se reticentes e resistentes à autoridade institucional que o sistema


de ensino oferece como instância de consagração, mas devem reconhecer que estão submetidos à


autoridade institucional do sistema e é este que lhes dará a consagração final.


No entanto, a relação entre o campo de produção erudito e o sistema de ensino, também sofre a ação dos


mecanismos sociais que tendem a assegurar uma espécie de harmonia pré-estabelecida entre os postos e


os ocupantes, ou seja, orientam para a segurança obscura das carreiras da “burocracia intelectual”. Assim,


inúmeras características da Academia Francesa derivam do fato de que ela delega com mais facilidade


a função de conservação cultural, de que foi investida, aos produtores mais inclinados e mais aptos a


responder à demanda das frações dominantes das classes dominantes, tendendo a consagrar muito mais


os autores e as obras que este setor do público lhe aponta do que aqueles consagrados pelas instâncias


próprias ao campo de produção erudita.


Dentre os efeitos ideológicos produzidos pelo sistema de ensino, um dos mais paradoxais e mais


determinantes reside no fato de que ele consegue obter dos que lhes são confiados o reconhecimento da


lei cultural objetivamente implicada no desconhecimento do mecanismo arbitrário desta lei. Segundo


Hegel, a ignorância da lei não constitui uma circunstância atenuante diante de um tribunal.


Apesar do desconhecimento, esta lei está sempre em vigor, ao menos nas relações entre as classes


diferentes, onde são impostas desde sanções materiais até sanções simbólicas. Tais sanções acabam


por gerar um sentimento de exclusão da cultura legítima, resultando em um reconhecimento implícito da


legitimidade através de dois tipos de conduta aparentemente opostas: a distância respeitosa dos


consumos mais legítimos (um bom testemunho nos é dado pela atitude dos visitantes das classes


populares nos museus) e a negação envergonhada das práticas heterodoxas. Por exemplo, quando


interrogados a respeito de seus gostos em música, a maioria dos operários situa-se espontaneamente no


campo da “grande música” e, com isso, declaram de modo implícito que seu consumo de canções não


merece ser mencionado. A medida que nos aproximamos das classes médias, os indivíduos procuram


citar dentre seu consumo e seus conhecimentos os que lhes parecem mais ajustados à definição legítima


da música (citações de Wal-Berg, Franck Purcell, as Valsas Vienenses, o Bolero de Ravel ou os


grandes nomes próprios, como Chopin ou Beethoven).


De acordo com o autor, todas as antinomias da ideologia dominada na esfera da cultura derivam do fato


de que, ao dissimular o arbitrário que constitui seu princípio e quando chega a impor através de suas


sanções, o reconhecimento da legitimidade de suas sanções, a lei cultural tende a excluir efetivamente a


possibilidade real de uma contestação da lei que consiga escapar à tutela da lei contestada.


As relações entre o campo de produção erudita e o campo da indústria cultural


No item anterior realizou-se a análise da posição e da função do sistema de instâncias de consagração no


campo de produção e circulação de bens simbólicos, principalmente em relação ao campo de produção


erudita, pelo fato de que as principais diferenças entre os modos de produção erudita e industrial se


encontram na esfera da relação do sistema de instâncias de consagração.


Campo da indústria cultural


Diferentemente do sistema de produção erudita, o sistema da industria cultural por estar submisso a uma


demanda externa (subordinados aos detentores dos instrumentos de produção e difusão), obedece aos


imperativos da concorrência pela conquista de mercado, ao passo que a estrutura de seu produto decorre


das condições econômicas e sociais de sua produção.


Os produtos do sistema da industria cultural, designados como cultura média ou arte média, são


destinados a um público muitas vezes qualificado de “médio”. É lícito falar de cultura média para designar


os produtos do sistema da indústria cultural pelo fato de que estas obras produzidas para o sua público


encontram-se inteiramente definidas por ele.


As características mais específicas da arte média resultam das condições sociais que presidem à produção


desta espécie de bem simbólico, além da conjunção de vários processos:


procura pela rentabilidade dos investimentos, da extensão máxima do público;

a.

b. resultado de transações entre as diferentes categorias de agentes envolvidos em um campo de

produção técnica e socialmente diferenciada. Tais transações não envolvem apenas os detentores dos

meios de produção e os produtores culturais, mas também as diferentes categorias dos próprios

produtores.

Em todas as esferas da vida artística, constata-se a mesma oposição entre os dois modos de produção,

separados tanto pela natureza das obras produzidas, pelas ideologias políticas e as teorias estéticas que as

exprimem, como pela composição social dos diversos públicos aos quais tais obras são oferecidas. Assim,

como observa Bertrand Poirot-Delpech, “ só sobraram os críticos dramáticos para acreditar – ou

fingir acreditar – que os diversos espetáculos envolvendo a palavra ‘teatro’ referem-se a uma única e

mesma arte (...)”

A oposição entre os simples comerciantes e os “criadores” autênticos, constitui um sistema de defesa

contra o desencantamento produzido pela constituição do campo de produção erudita. Logo, não é por

acaso que a arte pela arte e a arte média – ambas produzidas por artistas e intelectuais altamente

profissionalizados -, caracterizam-se por uma idêntica valorização da técnica que orienta a produção, na

arte pela arte, no sentido da busca do efeito (visto ao mesmo tempo como o efeito produzido sobre o

público e como fabricação engenho sa) e, na arte média, no sentido do culto da forma pela forma, que

constitui uma acentuação sem precedentes do aspecto mais irredutível da atividade profissional.

Fundamentalmente heterônoma, a cultura média é objetivamente definida pelo fato de estar condenada a

definir-se em relação à cultura legítima, tanto no âmbito da produção como no da recepção. Por esta

razão, está impossibilitada de reivindicar sua autonomia.

Segundo o autor, a disposição ávida e ansiosa em relação à cultura, a boa vontade pura m vazia e
as

destituída das referências ou dos princípios indispensáveis à sua aplicação oportuna, conduzem os

pequenos burgueses a todas as formas de falso reconhecimento que definem a allodoxia cultural: trata-se

de erros de identificação bem montados para dar aos que deles são vítimas a ilusão da ortodoxia cultural,

erros autorizados e mesmo encorajados pelo que se poderia designar uma “cultura simile ”, substituto

degradado e desclassificado (no duplo sentido do termo) da cultura legítima e capaz de propic iar a ilusão

de ser digno de um consumo legítimo embora permaneça mais acessível do que os bens culturais que de

fato pertencem à ordem legítima.

Assim, a arte média só pode renovar suas técnicas e sua temática tomando de empréstimo à cultura

erudita e, ainda mais à “arte burguesa”, os procedimentos mais divulgados dentre aqueles usados há uma

ou duas gerações passadas, e “adaptando” os temas e os assuntos mais consagrados ou os mais fáceis de

serem reestruturados segundo as leis tradicionais de composição das artes populares (por exemplo, a

divisão maniqueísta de papéis).

A arte média não é inculcada nem legitimada pelo sistema de ensino, nem constitui o objeto de sanções

materiais ou simbólicas, positivas ou negativas, de que dependem a competência ou a incompetência no

âmbito da cultura legítima. Por essa razão, não se exige ao nível da cultura média o conhecimento das

regras técnicas ou dos princípios estéticos, que constitui parte integrante dos pressupostos e

acompanhamentos obrigatórios na fruição das obras legítimas.

Em suma, a oposição entre o legítimo e o ilegítimo – que se impõe no campo dos bens simbólicos com a

mesma necessidade arbitrária com que, em outros campos, impõe-se a distinção entre o sagrado e o

profano -, recobre a oposição entre dois modos de produção: de um lado, o modo de produção

característico de um campo de produção que fornece a si mesmo seu próprio mercado e que depende,

para sua reprodução, de um sistema de ensino que opera ademais como instância de legitimação; de

outro, o modo de produção característico de um campo de produção que se organiza em relação a uma

demanda externa, social e culturalmente inferior.

Bibliografia

BOURDIEU, Pierre. O mercado dos bens simbólicos. In: A economia das trocas simbólicas. (org.

Sérgio Miceli). São Paulo: Perspectiva, 1974. Pp. 99-181.

SOBRE O AUTOR

Pierre Bourdieu (1930/2002)

Pierre Bourdieu nasceu na vila de Denguin, no distrito de Pyrénees' no sudoeste da França, no ano de

1930. Catedrático de sociologia no Colége de France, Pierre Bourdieu foi considerado um dos intelectuais

mais influentes da sua época. A educação, a cultura, a literatura e a arte foram os seus primeiros objetos

de estudo. Bourdieu interessou-se pelas obras de Merleau-Ponty, Husserl – Heidegger’s Being e

Nothingness já havia lido anteriormente - e também pelos escritos de Marx por razões acadêmicas .

O sociólogo francês Pierre Bourdieu faleceu no dia 23 de Janeiro, num hospital de Paris, em conseqüência

de um câncer, aos 71 anos de idade. Nos últimos anos, Bourdieu vinha-se dedicando ao estudo dos meios

de comunicação e da política. Autor de uma sofisticada teoria dos campos de produção simbólica, o

sociólogo procurou mostrar que as relações de força entre os agentes sociais apresenta-se sempre na

forma transfigurada de relações de sentido. A violência simbólica, outro tema central da sua obra, não era

considerada por ele como um puro e simples instrumento ao serviço da classe dominante, mas como algo

que se exerce também através do jogo entre os agentes sociais.

Com a morte de Pierre Bourdieu, desapareceu mais uma daquelas figuras que, no período após a II

Guerra Mundial, aliaram um pensamento inquieto e impiedoso à intervenção cívica e ao exercício da

cidadania. A propósito, Habermas escreveu no Le Monde: "Ontem, Niklas Luhmann, hoje Pierre

Bourdieu(...) Com Pierre Bourdieu, desaparece um dos últimos grandes sociólogos do século XX,

indiferente às fronteiras entre as disciplinas." Com 71 anos, Bourdieu era, desde 1964, Diretor da Escola

de Altos Estudos em Ciências Sociais, diretor da Revista Actes de la Recherche en Sciences Sociales e

Catedrático de Sociologia no Collège de France, desde 1981. Apesar do seu percurso militante, tão típico

dos intelectuais franceses de Sartre a Foucault, Bourdieu tentou manter, de forma implacavelmente

lúcida, os limites que se colocam ao intelectual na sua intervenção cívica. De um lado, persistia o

intransigente rigor intelectual e acadêmico aplicado aos diversos mecanismos de dominação que

atravessam a sociedade.

Unindo dois mundos, a vertigem dupla pela pesquisa e pela política, Bourdieu fez dos limites sociológicos

da intervenção dos intelectuais um dos temas da sua obra, tornando claro que o estatuto do homem de

letras não conferia, necessariamente, ao seu portador uma clariv idência resplandecente sobre a sociedade

e o mundo. Para Bourdieu, a representação carismática do intelectual surge como uma simples tentativa

de colocar entre parênteses tudo o que se acha inscrito em relação à sua posição no campo da produção,

ocultando as marcas da sua contextualização social. Diretamente relacionados com a posição do

intelectual, encontram-se, ao longo do seu trabalho, três conceitos fundamentais: poder simbólico,

campo e habitus.



poder simbólico surge como todo o poder que consegue impor significações e impô-las como

legítimas. Os símbolos afirmam-se, assim, como os instrumentos por excelência de integração

social, tornando possível a reprodução da ordem estabelecida.



campo surge como uma configuração de relações socialmente distrib uídas. Através da

distribuição das diversas formas de capital - no caso da cultura, o capital simbólico - os agentes

participantes em cada campo são munidos com as capacidades adequadas ao desempenho das

funções e à prática das lutas que o atravessam. As relações existentes no interior de cada campo

definem-se objetivamente, independentemente da consciência humana. Na estrutura objetiva do

campo (hierarquia de posições, tradições, instituições e história) os indivíduos adquirem um

corpo de disposições, que Ihes permite agir de acordo com as possibilidades existentes no interior

dessa estrutura objetiva: o habitus.



Desta forma, o habitus funciona como uma força conservadora no interior da ordem social.

Da filosofia à sociologia

Estudante de Filosofia, Bourdieu rapidamente ultrapassou a sua vocação inicial, ao fazer na Argélia, para

onde fora destacado como professor, os seus primeiros trabalhos sociológicos sobre o desenraizamento

verificado entre os trabalhadores argelinos integrados numa economia emergente. Simultaneamente,

dedica-se à Etnologia, estudando as estruturas de parentesco de várias comunidades argelinas.

Durante os anos 60 e princípios de 70, Pierre Bourdieu atinge uma notoriedade polêmica com dois livros:

Les Héritiers, de 1964 e La Reproduction, escrito em parceria com Jean-Claude Passeron e publicado em

1970. Em 68, Les Héritiers tornar-se-ia um dos livros obrigatórios exibidos por aqueles que contestavam

o sistema universitário francês. Dois anos do Maio de 68, depois, Bourdieu denuncia e m La Reproduction

os mecanismos de dominação simbólica vigentes num sistema escolar de um país que se orgulhava da sua

"escola republicana".

No final dos anos 70, Bourdieu publica a sua obra maior: La Distinction (Minuit, 1979). O livro afirmar-

se-ia rapidamente como um dos textos fundamentais da sociologia da cultura. O juízo estético, à revelia de

toda a análise kantiana, é dissecado de um modo que só ganha sentido quando inserido numa sociedade

caracterizada pela diferenciação e hierarquização social. O interesse pela Arte e pela Cultura e pelas

condições sociais da sua produção voltaria noutros momentos da sua obra, designadamente em Les

Régles de I' art (Seuil, 1992), na qual trabalha explicitamente a contextualização social da figura do autor,

fixando-se no exemplo de Flaubert.

A globalização e a crítica aos meios de comunicação

Em 1993, com La misère du monde (Seuil, 1993), Bourdieu começa a abordar temas políticos que lhe

permitiriam um reconhecimento popular crescente. Estes temas teriam um desenvolvimento

particularmente importante com a obra Contre -feux. Propos por servir à Ia résistance contre l'invasion

néo-libérale, seguida por Les structures sociales de l'économie e Contre-Feux 2. Pour un mouvement

social européen. Em qualquer destas obras, em registros diversos é posta em causa a globalização e o neo-

liberalismo. Para os recém-chegados ao seu universo, Bourdieu torna-se o sinônimo do intelectual

comprometido, uma espécie de mâitre a penser dos críticos da globalização da economia.

Ainda em 1998, publica La domination masculine onde utiliza o conceito de habitus e no qual explicita a

tese segundo a qual a reprodução da dominação é conseguida porque as mulheres são instruídas para

assimilarem o mundo de acordo com as categorias próprias do pensamento masculino.

Ao longo dos anos 90, Pierre Bourdieu inicia a crítica aos meios de comunicação com um pequeno

trabalho designado Sur Ia télévision (Raisons d'agir, 1997). A obra desencadeia polemicas apaixonadas.

Pierre Bourdieu lança a coleção Liber/Raisons d'agir onde são publicados Les nouveaux chiens de garde,

de Serge Halimi. A tese principal de Bourdieu diz respeito à mercantilização generalizada da cultura,

resultante de uma lógica que coloca em primeiro lugar as audiências transformadas em consumidores

passivos. No seu recente artigo publicado em Le Nouvel Observateur, Eribon interroga-se sobre o que fez

correr Pierre Bourdieu ao longo destes múltiplos exemplos de exercício de uma implacável sociologia

crítica. A resposta para esta fúria de escrita, ao qual corresponde uma urgência idêntica na intervenção

cívica, explica-se, na sua perspectiva, pelo conceito de habitus e de campos. Bourdieu toda a sua vida terá

tentado responder à pergunta "o que é um indivíduo?", procurando encontrar as margens de liberdade

possível desse indivíduo contra os mecanismos sociais que o fabricam, e, ao mesmo tempo, o encerram.

A ser assim, teremos chegado ao fim da aventura de um sociólogo fascinado por um imenso desejo de

liberdade. Porém, tal como outro grande intelectual francês, Michel Foucault, Bourdieu é um mestre da

desconfiança, mobilizado na sua escrita, nuns casos, por uma ironia implacável e, noutros, por uma raiva

surda que parecem denunciar as imensas negações e decepções com que essa aspiração se confronta.

Principais obras e artigos de Pierre Bourdieu



Sociologie de l'Algérie. Paris, P.U.F., 1958, 2e éd., 1961.



Travail et travailleurs en Algérie . Paris-La Haye, Mouton, 1963 (avec A. Darbel, J.-P. Rivet, C.

Seibel).



Le déracinement, Ia crise de l'agriculture traditionnelle en Algérie . Paris, Éd. de Minuit, 1964

(avec A. Sayad).



Les héritiers, les étudiants et la culture . Paris, Éd. de Minuit, 1964, nouv. éd. augm., 1966 (avec

J.-C. Passeron).



Un art rnoyen, essai sur les usages sociaux de la photo graphie . Paris, Éd. de Minuit, 1965, nouv.

éd. revue, 1970 (avec L. Boltanski, R. Castel, J.-C. Chamboredon).



Rapport pédagogique et communication. Paris-La Haye, Mouton, Cahiers du Centre de

Sociologie Européenne, 2, 1965 (avec J.-C. Passeron, M. de Saint-Martin).



L'amour de l'art, les musées d'art européens et leur public . Paris, Éd. de Minuit, 1966, nouv. éd.

augm., 1969 (avec A. Darbel, D. Schnapper).



Le métier de sociologue. Paris, Mouton-Bordas, 1968 (avec J.-C. Chamboredon, J.-C. Passeron).



La repro duction. Éléments pour une théorie du système d'enseignement. Paris, Éd. de Minuit,

1970 (avec J.-C. Passeron). (Trad. Portuguesa: A Reprodução. Vega, 1983)



Esquisse d'une théorie de Ia pratique, précédé de trois études d'ethnologie kabyle. Genève, Droz,

1972.



Algérie 60, structures économiques et structures temporelles. Paris, Éd. de Minuit, 1977.



La distinction, Critique sociale du jugement. Paris, Éd: de Minuit, 1979.



Le sens pratique. Paris, Éd. de Minuit, 1980



Questions de sociologie . Paris, Éd. de Minuit, 1980.



Ce que parler veut dire. L'économie des échanges linguistiques. Paris, Fayard, 1982. (Trad.

Portuguesa: O Que Falar Quer Dizer. Difel, 1998 )



Homo academicus. Paris, Éd. de Minuit, 1984.



Choses dites. Paris, Éd. de Minuit, 1987.



L 'ontologie politique de Martin Heidegger. Paris, Éd. de Minuit, 1988.



La noblesse d'État. Grandes écoles et esprit de corps. Paris, Éd. de Minuit, 1989.



Langage et Pouvoir Simbolique. Paris, Éd. du Seuil, 1989. (Trad. Portuguesa: O Poder Simbólico.

Difel, 1989.)



Réponses. Pour une anthropologie réflexive. Paris, Éd. du Seuil, 1992.



Les règles de l'art. Genèse et structure du champ littéraire. Paris, Éd. du Seuil, 1992. (Trad.

Portuguesa: Regras da Arte. Editorial Presença, 1996 )



La misère du monde. Paris, Éd. du Seuil, 1993.



Libre-échange. Paris, Éd. du Seuil, 1994



Raisons pratiques. Sur Ia théorie de l'action. Paris, Éd. du Seuil, 1994. (Trad. Portuguesa: Razões

Práticas. Celta, 1997.)



Sur Ia télévision. Paris, Liber Éditions, 1997. ( Trad. Portuguesa: Sobre a Televisão. Celta, 1997)



Méditations pascaliennes. Paris, Éd. du Seuil, 1997. (Trad. Portuguesa: Meditações Pascalianas.

Celta, 1998 )



Les usages sociaux de Ia science. Paris, INRA, 1997.



Contre-feux. Paris, Éd. Liber Raisons d'agir, 1998. (Trad. Portuguesa: Contrafogos. Celta, 1998 )



La domination masculine . Paris, Éd. du Seuil, 1998. (Trad. Portuguesa: A Dominação Masculina.

Celta, 1999.)



Les structures sociales de l'économie . Paris, Seuil, 2000.



Propos sur le champ politique. Paris, PUF, 2000.



Contre-Feux 2. Pour un mouvement social européen. Paris, Raisons d' Agir, 2001. (Trad.

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