quarta-feira, 22 de setembro de 2010

FEBRE MACULOSA BRASILEIRA

FEBRE MACULOSA BRASILEIRA
 
 por Leila A.G. Barci e Adriana H.C. Nogueira
DescriçãoA febre maculosa é uma doença infecciosa aguda, causada por bactérias de gênero Rickettisia e transmitida através da saliva de carrapatos infectados.
Não é transmitido de pessoa a pessoa e os humanos são hospedeiros acidentais dentro da cadeia epidemiológica. A evolução da doença pode se dar de forma assintomática, com sintomatologia discreta até formas graves com elevada taxa de letalidade.
Agente etiológico
Bactéria gram-negativa, intracelular obrigatória, denominada Rickettisia rickettsii.
Células de hemolinfa infectadas com R. rickettsii, coloração Gimenez
Fonte: www.vet.uga.edu/ vpp/clerk/otis/
Vetor
No Brasil, o principal vetor é o carrapato Amblyomma cajennense. Outras espécies devem ser consideradas como potenciais transmissoras da doença.
Macho de Amblyomma cajennense
Fêmea de Amblyomma cajennense
Fonte: Aragão e Fonseca: Notas de Ixodologia. VIII

A e B - fêmea ingurgitada de Amblyomma cajennense.
C - macho e fêmea de
 Amblyomma cajennense.Fonte: Marcelo Campos Pereira
Reservatórios 
Animais silvestres (capivaras, gambás, pequenos roedores, aves, répteis) e o carrapato.
Aspectos clínicos epidemiológicosEm nosso país, o A. cajennense é vulgarmente conhecido como “carrapato estrela”. As formas adultas recebem ainda as denominações de "rodoleiro" em muitas regiões do país, "picaço", no sul de Minas Gerais e "carrapato rodolego", em Sergipe. As larvas ou as ninfas desses carrapatos são denominadas popularmente de "micuim", "carrapato pólvora", "carrapato-fogo", "carrapato meio-chumbo" e "carrapatinho". É um carrapato trioxêno, ou seja, necessita de três hospedeiros, iguais ou diferentes, para completar o seu ciclo biológico que pode variar de um a três anos, dependendo das condições climáticas. Vários animais domésticos e ampla diversidade de espécies silvestres (entre mamíferos e aves) podem albergar algum estádio parasitário deste carrapato.
No Brasil, as infestações por larvas ou micuins são observadas particularmente a partir dos meses de março-abril até meados de julho quando se inicia o período ninfal. As larvas podem permanecer no ambiente até seis meses sem se alimentar. Após a fixação no hospedeiro, elas iniciam o repasto (linfa e/ou sangue e tecidos digeridos) durante aproximadamente cinco dias. Após este período, as larvas desprendem-se do hospedeiro, caem no chão e buscam abrigo no solo para realizar uma muda para o estágio ninfal, que ocorre em um período médio de 25 dias. A ninfa ("vermelhinho") pode aguardar em jejum pelo hospedeiro por um período estimado de até um ano. Seu período máximo de atividade é observado durante os meses de julho a outubro, podendo também ocorrer durante o ano todo dependendo das condições ambientais do local onde está ocorrendo. Encontrando o segundo hospedeiro, a ninfa se fixa e inicia um período de alimentação de aproximadamente 5 a 7 dias quando, completamente ingurgitada, se solta do hospedeiro, cai no chão e realiza a segunda muda. Após um período de aproximadamente 25 dias emergem um macho ou uma fêmea jovem que, em 7 dias, encontra-se apta a realizar seu terceiro estádio parasitário. Neste ambiente, os adultos podem permanecer sem se alimentar, por um período de até 24 meses, aguardando o hospedeiro. Quando isto acontece, machos e fêmeas fixam-se, fazem um repasto tissular e sanguíneo, acasalam-se e a fêmea fertilizada inicia um processo de ingurgitamento que finda num prazo aproximado de 10 dias. Após este período, as fêmeas fecundadas e ingurgitadas se desprendem do hospedeiro, caindo no solo para realizar postura única (5.000 a 8.000 ovos) iniciando uma nova geração. Esta fase, observada durante os meses de outubro a março, completa o ciclo biológico e indica a ocorrência de uma geração anual da espécie.
Ciclo biológico do carrapato Amblyomma cajennense.
Os carrapatos Amblyomma cajennense são os grandes responsáveis pela manutenção da R. rickettsiina natureza, pois ocorre transmissão transovariana (transmissão para ovos e larvas) e transestadial (transmissão do patógeno, a partir das larvas, para ninfas e destas para os adultos). Esta característica biológica permite ao carrapato permanecer infectado durante toda a sua vida e também por muitas gerações após uma infecção primária.
Portanto, além de vetores, os carrapatos são verdadeiros reservatórios da bactéria, uma vez que todas as fases evolutivas, no ambiente, são potencialmente capazes de permanecer infectadas meses ou anos à espera do hospedeiro, garantido um foco endêmico prolongado. O homem adquire a bactéria após ter sido picado pelo carrapato, ou seja, quando acidentalmente passa a integrar o ciclo endêmico riquétsia-carrapato-reservatório silvestre. Vale ressaltar que, para que haja a transmissão da febre maculosa através da picada por carrapatos, estes devem permanecer fixados a pele do hospedeiro por um período de 4-6 horas, tempo necessário para uma possível reativação da R. rickettsii na glândula salivar do carrapato.
As capivaras - reconhecidas como reservatórios naturais do agente causal da febre maculosa no nosso meio - quando confinadas, podem sofrer infestações maciças pela espécie A. cajennense. Esses animais, assim como provavelmente alguns outros grupos de mamíferos silvestres, em condições naturais, são reservatórios transitórios das bactérias, adquirindo resistência duradoura após período parasitêmico, variável entre alguns dias e poucas semanas. Se os carrapatos não tiverem a possibilidade de se reinfectar periodicamente, a concentração da bactéria nesses artrópodes infectados tende ao desaparecimento após algumas gerações. Acrescente-se a isso o fato de que nem todos os carrapatos que se alimentam em hospedeiro parasitêmico tornam-se infectados.
Os casos de febre maculosa em humanos vão estar diretamente relacionados à superpopulação de A. cajennense, pois quanto maior a população desse carrapato, mais intensamente o homem será infestado e maior a chance de um carrapato infectado picá-lo. Em regiões onde a população de A. cajennense esta sobre controle natural ou artificial, o homem é menos infestado pelo carrapato, facilitando a retirada dos ectoparasitas do corpo antes que a bactéria seja transmitida e diminuindo drasticamente as chances de desenvolver a doença. Daí a importância das criações de eqüinos e capivaras na epidemiologia da febre maculosa. Essas espécies animais são essenciais para o desenvolvimento dos adultos do A. cajennense que, ao contrário das outras fases, se alimenta com sucesso em poucos mamíferos. Assim, quanto maior a densidade populacional desses animais, maior a disponibilidade de hospedeiro para a fase adulta do ectoparasita, fator primordial para o aumento exponencial da população do carrapato.
PatogeniaA bactéria ataca as células que revestem os vasos sanguíneos, ocasionando graves distúrbios circulatórios no organismo. As lesões vasculares disseminadas constituem a base fisiopatológica do quadro clínico: acúmulo anormal de líquido (edema), aumento do volume extracelular com conseqüentes baixa pressão sanguínea (hipotensão), morte tecidual (necrose) local, e distúrbios da coagulação (coagulação intravascular disseminada). Ocorrem obstruções(infartos) de vasos sanguíneas, com subseqüente suspensão da irrigação sangüinea(isquemia) no cérebro, principalmente no mesencéfalo e nas regiões dos núcleos, e, menos freqüentemente, no coração. No fígado, pode haver lesão ao redor dos vasos (perivascular), com degeneração gordurosa das células do fígado(hepatócitos). As alterações renais consistem de lesões vasculares intersticiais focais, acometendo poucos néfrons.
Sinais clínicos
No homem o período de incubação varia de 2 a 14 dias. Inicia com febre, dor de cabeça (cefaléia), dores musculares(mialgia), náuseas e vômitos. Entre o 3º e 4º dia surgem as manifestações cutâneas como manchas(máculas) papulares róseo avermelhadas, predominando nos membros erradiando para palmas, solas e tronco. Nos casos graves, com o desenvolvimento da doença, as pápulas vão se transformando em hemorrágicas. Alguns casos evoluem gravemente, ocorrendo a morte dos tecidos nas áreas de sufusões hemorrágicas (extravasamento de sangue), em decorrência da inflamação generalizada dos vasos sanguíneos.
Fonte: www.lyme.org
Fonte: www.lincolner.com/
 
Fonte: www.mhhe.com
Fonte: medinfo.ufl.edu
Fonte:www.forestryimages.org
Se não tratado, o paciente evolui para um estágio de mal-estar caracterizado pela diminuição da sensibilidade (torpor), confusão mental, freqüentes alterações psicomotoras, chegando ao coma profundo. Icterícia leve e convulsões podem ocorrer na fase terminal.
Diagnóstico diferencial
Febre amarela, febre tifóide, dengue, enteroviroses, caxumba, rubéola, sarampo, hepatites, leptospirose, malária, meningites e meningoencefalites tanto virais como bacterianas, meningococcemia, Doença de Lyme etc.
Diagnóstico específico
Sorológico (Imunofluorescência Indireta, Elisa, Reação de Weil-Felix);
Isolamento;
PCR;
Anátomo-patológico.
TratamentoA indicação do tratamento deve ser baseada principalmente na suspeita clínica e no histórico de acesso a áreas com infestação de carrapatos A letalidade diminui drasticamente se o tratamento for feito em tempo hábil. Cerca de 80% dos indivíduos, com forma grave, se não diagnosticados e tratados a tempo evoluem para óbito.
As drogas de escolha podem ser tetraciclina e cloranfenicol.
Situação no Estado de São PauloA doença foi reconhecida pela primeira vez no Estado de São Paulo em 1929.
No período de 1929 a 1933 foram relatados 88 casos no Estado, sendo que 76 ocorreram na capital e 12 no interior.
De 1957 a 1974 foram registrados 53 casos.
De 1976 a 1982 houve notificação de 10 casos.
Em 1985 surgiram as primeiras suspeitas da doença nos Municípios de Pedreira e Jaguariúna, pertencentes à região de Campinas, SP, tornando um problema de saúde pública em ascensão. No período de 1985 a 2002 ocorreram 66 casos confirmados de Febre Maculosa em 10 municípios da região de Campinas. Deste total 31 foram a óbito, representando uma taxa de letalidade de 47%.
Nos últimos cinco anos, ocorreram no Estado de São Paulo 45 óbitos, a maioria por falta de diagnóstico rápido.
Situação no Brasil
No Brasil, além do Estado de São Paulo, também há relatos de casos em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Santa Catarina.
Dados da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, indicam que foram registrados no Brasil, nos últimos dez anos, 386 casos de febre maculosa com 107 óbitos. Com exceção de Santa Catarina, onde a doença tem se apresentado como casos isolados ou em surtos de pequena magnitude (26 notificações, sem registro de óbito), todos os outros ocorreram no Sudeste: 139 em São Paulo (42% de letalidade), 136 em Minas Gerais (22% de mortalidade), 55 no Rio de Janeiro (24% vieram a óbito) e 30 no Espírito Santo (23% de letalidade). A doença é de notificação compulsória desde 2001.
Prevenção e ControlePode-se recomendar a seguintes medidas para prevenir e controlar a febre maculosa em humanos no meio rural:
ter em mente quais são as áreas consideradas endêmicas para a febre maculosa;
Fonte: Leila Barci
• manter a população de A. cajennense sob controle. Nas regiões onde há presença de carrapatos, aplicar o controle químico nos animais domésticos e de produção. Em especial, fazer um controle rígido em criações de eqüídeos. Nas regiões de preservação ambiental, onde há presença de capivaras ou antas, controlar o acesso desses animais às áreas onde há circulação de humanos uma vez que o aumento da densidade populacional desses mamíferos silvestres tem incrementado exponencialmente a população de A. cajennense;
• manter o gramado aparado em ambientes domiciliares e de acesso à população humana;
Fonte: http://www.stihl.com.br/
• evitar caminhar em áreas reconhecidamente infestadas por carrapatos;
Fonte:http://health.allrefer.com
• utilizar barreiras físicas no corpo, como camisas e calças e compridas, com a parte inferior por dentro de botas. Bainhas de tecido ou fita de dupla face na parte superior de botas também são recomendadas;
Fonte: ticsys.tamu.edu
• usar roupas de cores claras permitindo uma melhor visualização dos carrapatos;
Fonte: www.ziplink.net
• quando a exposição a carrapatos é inevitável, ao caminhar por estas áreas, checar o corpo em busca de carrapatos em intervalos de 2 a 3 horas, pois quanto mais rápido for retirado um carrapato fixado, menores serão os riscos de contrair a doença;
Fonte: ticsys.tamu.edu
• retirar os carrapatos com cuidado, se possível com auxílio de uma pinça, através de torções leves, seguidas de movimentos de tração, permitindo que eles sejam retirados inteiros;
Fonte: Image courtesy of CDC, Division of Viral and Rickettsial Diseases.

Fonte: www.tickremover.com
• não puxar o ectoparasita pelo abdômen, não queimar nem expor o ectoparasita a qualquer tipo de substância, não perfurar nem espremer os carrapatos com as unhas;
• no caso de cães do meio rural, prevenir infestação de carrapatos tratando-os com produtos carrapaticidas;
Fonte: doggoneclean.com
• cuidado especial com cães de áreas urbanas que têm contato esporádico com o meio rural, pois estes, por nunca terem entrado em contato com a R. rickettsii, estão mais susceptíveis à infecção. O ideal é que os cães sejam tratados com carrapaticidas imediatamente após o retorno de áreas rurais infestadas por carrapatos.
Fonte: ticsys.tamu.edu
Bibliografia Consultada
ANADÃO, F.N.J. Histórico da febre maculosa no Estado de São Paulo.2004, 51 p, 2004. Monografia (Trabalho Conclusão de Curso: Ciências Biológicas) - Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos, São João da Boa Vista, 2004.

ARAGÃO, H.B. & FONSECA, F. Notas de Ixodologia.VIII. Lista e chave para os representantes da fauna ixodológica brasileira. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.59, p.115-129, 1961.

CARVALHO, S.H. & ANTUNES JUNIOR, J.S.A. Rickettsioses. In: SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE MINAS GERAIS. SUPERINTENDÊNCIA DE EPIDEMIOLOGIA - COORDENADORIA DE CONTROLE DOS FATORES DE RISCO E AGRAVOS AMBIENTAIS. Protocolo de febres hemorrágicas no Brasil. Belo Horizonte, 2001. p.28-33.

FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE (BRASIL). Guia de vigilância epidemiológica. 5. ed. Brasília: FUNASA, 2002. v.1.

GALVÃO, M.A.M. Informe técnico de febre maculosa. Belo Horizonte: Secretaria da Saúde de Minas Gerais, 2001.

GUIMARÃES, J.H.; TUCCI, E.C.; BARROS-BATESTI, D. Ectoparasitas de importância veterinária. São Paulo: Plêiade, 2001.

LABRUNA, M.B. & PEREIRA, M.C. Febre Maculosa: aspectos clínicos epidemiológicos. Revista Clínica Veterinária, n.12, p.19-23, 1998.

MINISTÉRIO DA SAÚDE - SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. Brasil. Surto de febre maculosa no Município de Petrópolis, RJ. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/nota_maculosa.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2005.

SANGIONI, L.A. Pesquisa de infecção por riquettsias do grupo da febre maculosa em humanos, cães, eqüídeos e em adultos de Amblyomma cajennense, em região endêmica e não endêmica do estado de São Paulo. 2003. 86p. Tese (Doutorado em Epidemiologia Experimental Aplicadas as Zoonoses) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.

SÃO PAULO (ESTADO). Secretaria de Estado da Saúde. Manual de orientação para vigilância epidemiológica: febre maculosa. São Paulo, 1996.

SOUZA, C.E.; LABRUNA , M.B.; MAYO, R.C.; SOUZA. S.S.A.L.; CAMARGO-NEVES, V.L.F.; LIMA, V.L.C. Febre maculosa.Disponível em: <http://www.sucen.sp.gov.br/doencas/f_maculosa/texto_febre_maculosa_pro.htm>. Acesso em 28 nov. 2005.

Texto também publicado no site do Instituto Biológico: <
http://www.biologico.sp.gov.br>


Leila Aparecida Gardiman Barci
 é Pesquisadora Científica V do Instituto Biológico 
Laboratório de Parasitologia Animal
Linha de Pesquisa: Controle alternativo de carrapatos de bovinos.

Contato: barci@biologico.sp.gov.b
r

Adriana H.C. Nogueira
Pesquisador Científico
Apta Regional
Pólo Regional Extremo Oeste – UPD Araçatuba

Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte

Dados para citação bibliográfica(ABNT):
BARCI, L. A. G.; NOGUEIRA, A. H.C. Febre maculosa brasileira. 2006. Artigo em Hypertexto. Disponível em:<http://www.infobibos.com/artigos/febremaculosa/febremaculosa.htm>. Acesso em: 22/9/2010

publicado no InfoBibos em 03/04/2006

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