quinta-feira, 10 de março de 2011

Trajetória de Emmanuel Dias

Exposição recupera trajetória de Emmanuel Dias

Marcelo Garcia
Durante mais de três décadas dedicadas ao estudo da doença de Chagas no início do século 20, o pesquisador Emmanuel Dias se destacou pelo estudo pioneiro de estratégias de eliminação do vetor, fundamentais para o controle da doença em toda a América Latina, reunindo o mais numeroso acervo de artigos da história do Instituto Oswaldo Cruz (IOC). Recentemente, o Centro de Estudos do IOC comemorou o centenário de nascimento do especialista. O evento marcou também a nomeação do Anfiteatro Emmanuel Dias e a inauguração da exposição Doutor Emmanuel Dias, que recupera a história das contribuições científicas do pesquisador.
 Emmanuel Dias teve papel fundamental no combate ao vetor da doença de Chagas no Brasil e na América Latina, com trabalhos pioneiros na utilização de inseticidas contra o barbeiro (Fotos: Acervo COC)
Emmanuel Dias teve papel fundamental no combate ao vetor da doença de Chagas no Brasil e na América Latina, com trabalhos pioneiros na utilização de inseticidas contra o barbeiro (Fotos: Acervo COC)

Afilhado de Carlos Chagas e um de seus mais importantes seguidores, Emmanuel Dias também dedicou sua vida ao estudo da doença de Chagas. Durante sua carreira produziu trabalhos pioneiros e até hoje muito relevantes sobre aspectos da epidemiologia, biologia, clínica, controle e diagnóstico da infecção. A morte prematura em um acidente de carro, em 1962, encerrou a carreira mais profícua de um pesquisador do IOC, com um total de 203 trabalhos publicados.
Nascido em 1908, formou-se em medicina pela Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Como tese de conclusão do curso, fez um dos mais completos estudos da biologia doTrypanosoma cruzi. O trabalho foi publicado na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, com um prefácio do próprio Carlos Chagas, e recebeu os prêmios Gunning e de Louvor.
A relação do pesquisador com o IOC começou ainda antes de seu nascimento. Filho do primeiro assistente de Oswaldo Cruz, Ezequiel Dias, e da cunhada do sanitarista, Maria Cândida Fonseca Dias, Emmanuel era afilhado de Carlos Chagas e ganhou experiência durante a faculdade, com estágios voluntários que desenvolveu no Instituto, sob a orientação do padrinho. Na época, teve como companheiros inseparáveis os jovens Walter Oswaldo Cruz, Evandro Chagas e Carlos Chagas Filho.
Depois de formado, tornou-se pesquisador do IOC e herdou o comando do laboratório que era liderado por Chagas, pouco antes da morte do padrinho. Em 1943 fundou, em Bambuí (MG), um centro de estudos até hoje em funcionamento, e no qual também atuou como diretor. A partir dessas experiências, publicou a maior casuística sobre forma aguda de transmissão vetorial da doença da Chagas no Brasil e, junto com outros pesquisadores do IOC, o mais completo estudo sobre a cardiopatia chagástica feito até hoje no mundo, além de diversos artigos sobre a biologia, a epidemiologia e o diagnóstico da doença.
 Em 30 anos dedicados à pesquisa em doença de Chagas, Emmanuel (à direita) desenvolveu estudos pioneiros na biologia do parasito, na análise da cardiopatia associada à doença e no controle dos insetos vetores
Em 30 anos dedicados à pesquisa em doença de Chagas, Emmanuel (à direita) desenvolveu estudos pioneiros na biologia do parasito, na análise da cardiopatia associada à doença e no controle dos insetos vetores

O trabalho desenvolvido por Emmanuel Dias também o põe, ainda hoje, como uma das mais importantes agentes do controle da doença nos países latino-americanos. Em 1947, Emmanuel publicou um de seus mais clássicos e pioneiros trabalhos, sobre o emprego do Gammexane, um inseticida, no controle do principal vetor da doença no Brasil, Triatoma infestans. A partir da descoberta, o pesquisador atuou ativamente na divulgação da doença junto a políticos, intelectuais, médicos, sanitaristas e demais profissionais da saúde, visando seu controle e a eliminação de seus vetores.
Nos anos seguintes, publicou diversos estudos sobre a infestação domiciliar do barbeiro e sobre estratégias e ferramentas de controle dos vetores, inclusive na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. “Emmanuel Dias foi, também, um dos principais incentivadores do engajamento da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) na iniciativa de erradicação da doença de Chagas do continente americano”, afirma o pesquisador-emérito da Fiocruz e chefe do Laboratório de Doenças Parasitárias do IOC, José Rodrigues Coura. “Seus trabalhos serviram de base para as atuais estratégias de combate ao tripanossomídeos e para a aplicação dos inseticidas atualmente utilizados contra os vetores da doença de Chagas”.
Hoje a doença de Chagas é amplamente conhecida, com sua transmissão eliminada em extensas regiões do continente americano. Emmanuel Dias, que atuou em iniciativas para o controle da doença em diversos países das Américas do Sul, Central e no México, é considerado pela Opas e pelo governo brasileiro como o principal artífice desta vitória. “Seja por meio de estudos biológicos sobre o parasito, de estudos clínicos sobre a manifestação da infecção ou iniciativas para seu controle”, conclui Coura, “ele marcou a história da pesquisa em doença de Chagas, do IOC e da ciência brasileira, como um dos mais e importantes pesquisadores brasileiros”.
Exposição apresenta coração de paciente com Chagas estudado pelo pesquisador
A exposição itinerante Doutor Emmanuel Dias, também relacionada ao ciclo de comemorações do centenário da descoberta da doença de Chagas, está instalada no Pavilhão Arthur Neiva do IOC. A mostra reúne dez painéis que contam a trajetória do pesquisador e suas mais importantes contribuições para a ciência, além de uma bomba para fumigação original, como as usadas nas campanhas para eliminação do barbeiro promovidas pelo pesquisador. “Os painéis apresentam reproduções de fotos do acervo da COC e também imagens obtidas junto ao arquivo da família de Emmanuel Dias, que nunca vieram a público”, conta Lisabel Klein, curadora da exposição. Também estarão em exposição a reprodução de documentos, cartas e até um cartaz de uma campanha de erradicação do vetor da doença de Chagas.
 O coração de um paciente morto em decorrência da cardiopatia associada à doença de Chagas, que faz parte da exposição, é o unico exemplar conhecido comprovadamente estudado por Emmanuel Dias
O coração de um paciente morto em decorrência da cardiopatia associada à doença de Chagas, que faz parte da exposição, é o unico exemplar conhecido comprovadamente estudado por Emmanuel Dias

Lisabel ressalta a importância de exposições como essa para o recuperação e a valorização da história da instituição e de seus pesquisadores. “As imagens retratam a infância de Emmanuel, todas as fases de sua carreira na instituição, seu trabalho em Bambuí e algumas das principais parcerias que estabeleceu ao longo de sua carreira, com outros grandes nomes da ciência brasileira”, explica a curadora. “Recuperar a riqueza de histórias como essa é fundamental para inspirar as novas gerações de pesquisadores e sensibilizá-las para a grandeza e a importância da instituição”.
A exposição conta ainda,com uma peça histórica: o coração de um paciente chagásico, estudado por Emmanuel Dias na década de 1940. A peça  pertence ao acervo da Coleção de Anatomia Patológica do IOC, sob a guarda do Laboratório de Patologia.
“Durante a ditadura militar, no episódio conhecido com o Massacre de Manguinhos, em 1970, toda a documentação das coleções foi destruída, assim como grande parte das peças históricas, o que reduziu significativamente a coleção”, conta a pesquisadora Bárbara Dias, do Laboratório de Patologia. “Muitas das 854 peças que compõe hoje o acervo se salvaram porque foram escondidas pelos pesquisadores em outras partes do campus ou até em suas residências, o que provavelmente também ocorreu com esse exemplar estudado por Emmanuel Dias.”
A peça, por ainda apresentar sua etiquetagem original, é a única comprovadamente estudada pelo pesquisador. “A maioria das peças da época não apresenta mais essa identificação”, explica Bárbara. “Mesmo do exemplar estudado por Emmanuel Dias só conhecemos o nome do paciente a quem pertencia o coração, mas nos falta qualquer outra informação que possa caracterizar melhor o caso, já que toda documentação e a ficha da paciente foram destruídas”. Depois do Pavilhão Arthur Neiva a exposição será montada no hall dos pavilhões Helio e Peggy Pereira, Leônidas Deane e Carlos Chagas.
Publicado em 27/08/2008.

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