quarta-feira, 17 de outubro de 2012


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para todos
(excerto do cap. de apresentação - História da Pedagogia de Franco Cambi) 
Apresentação 

A leitura da História da Pedagogia de Franco Cambi lembrou-me, de imediato, a mais célebre das histórias da pedagogia, escrita há mais de um século por Gabriel Compayré, que a justificava assim no novo Dictionnaire de Pédagogie et d’Instruction Primaire em 1911: 

A utilidade da história da pedagogia não pode ser posta em causa. Não falo apenas da atração que ela pode exercer, pois a história da pedagogia não pode ser encarada unicamente como um espetáculo agradável: ela é de fato, uma escola de educação, uma das fontes da pedagogia definitiva. Quando se trata de física ou de química, a história destas ciências no passado não é mais do que um assunto d erudição e de curiosidade... Na ciência da educação, pelo contrário, como em todas as ciências filosóficas, a história é a introdução necessária, a preparação para a própria ciência. 

Gabriel Compayré marcou uma época. E um estilo. O seu trabalho serviu de modelo a grande parte das histórias da educação escritas e ensinadas nos séculos XIX e XX. A sua obra ilustra, talvez melhor do que qualquer outra, a importância da História da Educação como disciplina fundadora das Ciências da Educação. A citação anterior lembra a formulação kantiana: “A teoria sem a história é vazia; a história sem a teoria é cega”. 

As ciências humanas são históricas, por natureza, tanto pelos seus objetos como pelos seus modos de conhecimento. Por isso, a história é consubstancial à própria constituição dessas ciências. Os homens que, no final do século XIX, se bateram pela afirmação científica e institucional da Ciência da Educação perceberam-no claramente. E escreveram, uma e outra vez, que o ensino da pedagogia não podia deixar de ser, simultaneamente, teórico, histórico e prático

Em 1888, Georges Dumesnil considera que “os professores que refletiram sobre a teoria e a filosofia da sua profissão estão mais aptos para resolver as dificuldades práticas com que se deparam no campo da educação”.Na mesma linha de raciocínio, D. L. Kiehle escreve em 1901: “É possível ser um bom professor sem ter qualquer conhecimento da história da educação, do mesmo modo que um cidadão leal pode não conhecer história do seu país. Este pode ser um especialista político, mas não será um estadista. Aquele pode ser um professor, mas não será um educador”. 

... 

A minha defesa da História da Educação baseia-se em quatro idéias principais: 

- “A História é a ciência de uma mudança e, a vários títulos, uma ciência das diferenças” (Marc Bloch). A História da Educação deve ser justificada, em primeiro lugar, como História e deve procurar restituir o passado em si mesmo, isto é, nas suas diferenças com o presente. Como escreveu Vitorino Magalhães Godinho, a história é um modo – o mais pertinente, o mais adequado – de bem pôr os problemas de hoje graças a uma indagação científica do passado. 

- A História da Educação pode ajudar a cultivar um saudável ceticismo, cada vez mais importante num universo educacional dominado pela inflação de métodos, de modas e de reformas educativas. Aprender a relativizar as idéias e as propostas educativas e a percebê-las no tempo, é uma condição de sobrevivência de qualquer educador na sociedade pedagógica dos nossos dias. 

- A História da Educação fornece aos educadores um conhecimento do passado coletivo da profissão, que serve para formar a sua cultura profissional. Possuir um conhecimento histórico não implica ter uma ação mais eficaz, mas estimula uma atitude crítica e reflexiva. 

- A História da Educação amplia a memória e a experiência, o leque de escolhas e de possibilidades pedagógicas, o que permite um alargamento do repertório dos educadores e lhes fornece uma visão da extrema diversidade das instituições escolares no passado. Para além disso, revela que a educação não é um “destino”, mas uma construção social, o que renova o sentido da ação cotidiana de cada educador. 

- ... 

O mínimo que se exige de um historiador é que seja capaz de refletir sobre a história da sua disciplina, de interrogar os sentidos vários do trabalho histórico, de compreender as razões que conduziram à profissionalização do seu campo acadêmico. O mínimo que se exige de um educador é que seja capaz de sentir os desafios do tempo presente, de pensar a sua ação nas continuidades e mudanças do trabalho pedagógico, de participar criticamente na construção de uma escola mais atenta às realidades dos diversos grupos sociais. 

Terá o historiador a possibilidade de devolver toda a complexidade dos processos educativos, construindo uma narrativa que ajude a enfrentar os dilemas educativos atuais? Terá o educador a possibilidade de parar por um instante, olhando para o modo como o passado foi trazido até o presente para disciplinar e normalizar a sua ação? 

A história da educação só existe a partir desta dupla possibilidade, que implica novos entendimentos do trabalho histórico e da ação educativa: trata-se, no primeiro caso, de aceitar que, segundo Hayden White, “a história não é apenas um objeto que podemos estudar e o nosso estudo dele, é também (e talvez sobretudo) uma espécie de relação com o passado mediada por uma forma específica de discurso escrito”; trata-se, no segundo caso, de romper com uma visão “natural” ou “racional” que oculta a historicidade da reflexão pedagógica e impede a compreensão da forma como se construíram os discursos científicos na arena educativa em simultâneo com o desenvolvimento de grupos profissionais e de sistemas especializados de conhecimento. 

António Nóvoa 

Oeiras, 15 de agosto de 1999. 
Texto lido na aula de História da Educação pela profª Ana Nicolaça.

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