terça-feira, 11 de setembro de 2012


Trabalho docente: desafios e perspectivas na relação
professor-aluno no ensino médio
Laiana Thaise Jacinto*
Márcia de Souza Hobold**
Resumo
O ensino médio carece de pesquisas para subsidiar as análises
e reflexões sobre o exercício docente nesta etapa, que requer
uma nova performance para atender os jovens e adolescentes que,
por meio da democratização do ensino, adentram os espaços
escolares. Tendo em vista esta perspectiva, delineou-se esta
pesquisa que teve como objetivo central conhecer o trabalho
docente no ensino médio e quais suas implicações na relação
pedagógica. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevista
com cinco professores e sete estudantes do ensino médio em
uma escola de ensino privado de Santa Catarina. Fundamentaram
teoricamente os dados os seguintes autores: Tardif (2005),
Fanfani (2000), Roldão (2006) e Facci (2009). Os resultados evidenciaram
a relação de proximidade existente entre estudantes
e professores, com ênfase para as características de respeito e
afetividade. Os professores explicitaram satisfação no exercício
do seu trabalho, sobretudo pela dinâmica institucional que é
favorecedora de diálogo e incentivo para o desenvolvimento
de diferentes atividades pedagógicas. Os dados coletados dos
estudantes evidenciaram o valor atribuído ao diálogo professor-
-aluno, bem como a exigência de aulas dinâmicas que propiciem
discussões e trabalhos em equipe. Mencionaram que esperam
que os professores tenham o domínio dos conteúdos e uma
boa didática a fim de alcançar uma transposição contextualizada
* Bacharel em Psicologia pela Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE.
** Doutora em Educação - Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo - PUC SP. É professora do Departamento de Psicologia e do Programa
de Mestrado em Educação da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE.
278a Educação & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
dos conteúdos das disciplinas. Ficou evidente que a cultura
institucional está presente no trabalho docente e nas interações
inerentes ao processo de escolarização. O trabalho coletivo e
integrado, desenvolvido na instituição de ensino pesquisada, foi
um forte indicador do clima favorável que permeia a relação
professor-aluno do ensino médio. Essa é uma situação que
precisa ser levada em consideração e utilizada como subsídio
para que outros espaços escolares sejam mais acolhedores e
dinâmicos no processo de ensino e aprendizagem.
Palavras-chave: trabalho docente; ensino médio; relação
professor-aluno
Teaching Work: Challenges and Prospects in
Teacher-Student Relationships in High School

Abstract
The secondary school lacks research to provide analysis and
reflections on teaching practice at this stage of education,
which requires a new performance to deal with young people
and teenagers who, through the democratization of education,
come into the school spaces. With this perspective, it was
designed this research which main objective was to know the
work of teachers in secondary education and their implications
in the pedagogical relationship. Data was collected through
interviews with seven teachers and five high school students
at a private high school in Santa Catarina. The authors that
theoretically based the data are: Tardif (2005), Fanfani (2000),
Roldão (2006) and Facci (2009). The results showed the close
relationship between students and teachers, with emphasis on
the characteristics of respect and affection. Teachers did express
satisfaction in the performance of their work, especially
with the institutional dynamic that favors the dialogue and
incentives for the development of the different educational
activities. The students’ data showed the value assigned to
the teacher-student dialogue, and the requirement of dynamic
classes to encourage discussion and teamwork. They mentioned
that they expect teachers to have control of contents, and a
good teaching responsible for the contextualized implement
of the disciplines contents. There was evidence of how the
institutional culture is present in their work and in interactions
E d u c a ç ã o & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
279
inherent in the schooling process. The collective and integrated
work, developed in the educational institution surveyed, was
a strong indicator of the good atmosphere that pervades the
teacher-student relationship in secondary education. This is a
situation to consider and used as an input for other schools
to become more welcoming and dynamic in the process of
teaching and learning.
Keywords: teaching, secondary education, teacher-student
relationship
Trabajo docente: desafíos y perspectivas en
la relación profesor-alumno en la educación
secundaria
Resumen
La educación secundaria carece de investigación para subvencionar
los análisis y reflexiones sobre el desempeño docente en
esta etapa, que requiere una nueva actuación para atender a los
jóvenes y adolescentes que, por medio de la democratización de
la enseñanza, se incorporan a los espacios escolares. Teniendo
en cuenta esta perspectiva, se proyectó esta investigación que
tuvo como objetivo central conocer el trabajo docente en la
escuela secundaria y sus implicaciones en la relación pedagógica.
Los datos se recogieron a través de las entrevistas con cinco
profesores y siete alumnos de educación secundaria en una
escuela privada de Santa Catarina. Los autores que fundamentaron
teóricamente los datos son: Tardif (2005), Fanfani (2000),
Roldão (2006) and Facci (2009). Los resultados evidenciaron una
estrecha relación entre estudiantes y profesores, mostrando un
énfasis en las características del respeto y afecto. Los profesores
hicieron explícita la satisfacción en el desempeño de su trabajo,
especialmente por la dinámica institucional que favorece el diálogo
y estímulo para el desarrollo de las diferentes actividades
pedagógicas. Los datos recogidos de los estudiantes mostraron
el valor atribuido al diálogo profesor-alumno, así como la exigencia
de clases dinámicas que fomenten debates y trabajos en
equipo. Mencionaron que esperan que los profesores tengan
el dominio de los contenidos y de una buena enseñanza para
lograr una transposición contextualizada de los contenidos de
las disciplinas. Resultó evidente que una cultura institucional está
280a Educação & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
presente en el trabajo docente y en las interacciones inherentes
al proceso de escolarización. El trabajo colectivo e integrado,
desarrollado en la institución educativa encuestada, fue un
fuerte indicador, del clima favorable que se respira en la relación
profesor-alumno en la educación secundaria. Esta es una
situación a tener en cuenta y para utilizar como soporte para
que otros espacios escolares sean más acogedores y dinámicos
en el proceso de enseñanza y aprendizaje.
Palabras clave: trabajo docente; educación secundaria; relación
profesor-alumno

Introdução
A docência é entendida, segundo Tardif (2005), como um
trabalho socialmente reconhecido, realizado por um grupo de
profissionais específicos, que possuem uma longa e especializada
formação. Este trabalho comporta diversos aspectos formais,
codificados e rotineiros e, sobretudo, é uma atividade em que
o trabalhador se dedica ao seu “objeto de trabalho”, o aluno.
No Brasil, segundo os últimos dados do MEC - Ministério
da Educação e Cultura e do INEP – Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos, existem cerca de 2,5 milhões de professores
nas escolas de educação básica das redes pública e privada
e cerca de 450 mil atuam, especificamente, no ensino médio
(TARDIF, 2005).
A adolescência é entendida como uma construção social,
pois apesar de esta faixa etária apresentar características biológicas
próprias, possui diversas representações históricas que
variam de acordo com a cultura. Para Tardif (2005), os jovens
são portadores de uma cultura social feita de conhecimentos,
valores, atitudes e predisposições.
O professor é, de acordo com Teixeira (1996), um sujeito
sociocultural, de múltiplas dimensões e determinações constitutivas
e potencializadoras de sua experiência e historicidade.
O professor se posiciona em um lugar em que deve ensinar,
transmitir conhecimento, apresentar e interrogar o mundo. E
o aluno, no lugar de quem recebe o ensinamento, que deve ser
ensinado no caminho do conhecimento, partilhando a memória
cultural de seu grupo.
E d u c a ç ã o & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
281
De acordo com a concepção de alguns autores (ROLDÃO,
2007; GATTI, 2009; MARCELO, 2009) o processo de ensinar
se dá por meio de uma relação dialética, na qual o professor
detém o conhecimento, enquanto o aluno irá receber o que lhe
é ensinado. Porém, o aluno também apresenta um conhecimento
próprio, de acordo com sua história e cultura, expressas
ao professor no processo de ensino e aprendizagem. O que se
tem aí é uma troca, pois o papel do professor é o de mediar a
aprendizagem. Entende-se que a Educação – na qualidade de
pensamento, ato e trabalho – está imersa na cultura, em estilos
de vida, e não se acha vinculada apenas às ciências.
Partindo dessas particularidades, algumas perguntas surgem:
Como é realizado o trabalho do professor com o aluno adolescente?
Quais as práticas pedagógicas utilizadas pelo docente
para trabalhar com o jovem de ensino médio? Como o jovem
se percebe e estabelece relações com o professor? Considerando
esses questionamentos, foi realizada uma pesquisa com professores
e estudantes, com o objetivo de conhecer como ocorre o
trabalho docente no ensino médio e quais suas implicações na
relação pedagógica.
Fundamentação teórica
O professor é entendido como um mediador do conhecimento
e sua função social é destacada por Facci et al. (2000, p.
10) ao afirmar que “cada professor deve ter o compromisso de
contribuir, com seus conhecimentos, para a instrumentalização
que favoreça, através da apropriação desses conhecimentos, a
mudança da sociedade.”
Segundo Canário (1998), o professor assume diversos
papéis em sala de aula, tendo em vista as variadas funções e
responsabilidades a ele atribuídas no espaço escolar. O primeiro
papel apontado pelo autor é de “analista simbólico”, o qual
representa a responsabilidade de resolver os problemas; não
como alguém capaz de dar as respostas prontas e certas, mas
sim, aquele que questiona criticamente os processos de formação,
concebidos como processos cumulativos e de treino para
responder a estímulos externos determinados. O segundo papel
282a Educação & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
indicado pelo autor é o de “artesão”, uma vez que o professor
é entendido como um reinventor de práticas, reconfigurando-as
de acordo com as especificidades dos contextos e do público.
Para o autor, outro papel do professor é o de um “profissional
da relação”, ou seja, a dimensão relacional possui uma grande
importância no trabalho docente. O professor aprende no contato
com os alunos e isso faz dele um profissional ainda melhor.
O papel de “construtor de sentido” também é destacado pelo
autor, que defende a concepção de ensino como a construção
de uma visão de mundo. Para ele, aprender significa atribuir
sentido a uma realidade complexa (BARTH, 1996, p. 25 apud
CANÁRIO, 1998).
Assim como o processo de ensino modifica o professor,
para Fanfani (2000), a escolarização também contribui para a
construção dos jovens estudantes como sujeitos sociais. Segundo
ele, o perfil do adolescente que adentra as escolas mudou no
decorrer dos anos. Nas primeiras instituições escolares do Brasil,
tinham acesso ao ensino apenas aqueles com melhores condições
socioeconômicas. Atualmente, o número de escolas aumentou e
houve a democratização do ensino às crianças e jovens da classe
popular. Essa situação da massificação do ensino se reflete na
cultura escolar do país e a influencia.
A adolescência é compreendida como um fenômeno social,
embora tenha suas características biológicas próprias: “É
a sociedade que produz determinados ‘cortes’ e ‘rupturas’ no
fluxo do tempo” (FANFANI, 2000, p. 5). Para o autor, a própria
experiência escolar contribui para a criação da juventude como
fenômeno social, pois:
[...] a posição na estrutura de distribuição de bens materiais e
simbólicos da sociedade está determinando diversas formas de
viver a experiência jovem ou adolescente; portanto, não é um
estado pelo qual necessariamente passam todos os indivíduos
de uma sociedade. Em muitos casos, até a própria experiência
da infância é um “privilégio” que se nega a muitas crianças que
vivem em condições de pobreza extrema, tanto no campo como
nas grandes cidades do continente (FANFANI, 2000, p. 6).
E d u c a ç ã o & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
283
Para compreender o aluno adolescente, cabe observar algumas
particularidades que o diferenciam da criança. Em primeiro
lugar, sua percepção acerca da escola é diferente da criança: o
“adolescente percebe que existem espaços distintos, com regras
distintas” (FANFANI, 2000, p. 7). A relação do adolescente com
o professor é distinta, pois:
[...] enquanto na escola a criança tende a representar a autoridade
e o professor, algo natural e indiscutível, o adolescente percebe
que as instituições (o colégio, e também a família) constituem
mundos complexos, onde existe uma diversidade de atores com
interesses e ‘capacidades’ diferentes. A ‘onipotência’ do professor
tende a ser substituída pela visão mais complexa e política das relações
e do jogo (as alianças, as estratégias, o uso do tempo, etc).
[...] a relação professor-aluno não é unidirecional (o professor
tem todo o poder e faz o que quer, enquanto o aluno só tem que
obedecer). O adolescente tende a considerar que o respeito, por
exemplo, deve ser uma atitude recíproca e não só uma obrigação
dele com seus professores. (FANFANI, 2000, p. 7)
Em função do tema proposto, é relevante pensar qual o
sentido que o adolescente atribui à experiência escolar. Alguns
deles frequentam, simples e unicamente, pela obrigatoriedade;
outros, pela instrumentalização de meios para desenvolver-se
profissionalmente e outros ainda, pelo amor ao conhecimento
(FANFANI, 2000). Ainda que cada adolescente tenha uma forma
pessoal de interagir com a escola e de significar essa experiência,
em geral o que é uma boa escola para ele? O autor responde
essa pergunta, apresentando uma extensa lista de características
desejáveis e necessárias:
[...] uma instituição aberta que valoriza e considera os interesses,
expectativas, e conhecimentos dos jovens; uma escola que favorece
e dá lugar ao protagonismo dos jovens e na qual os direitos
da adolescência se expressam em instituições e práticas [...]; uma
instituição que não se limita a ensinar, mas que se propõe a motivar,
interessar, mobilizar e desenvolver conhecimentos significa284a
Educação & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
tivos na vida das pessoas; uma instituição que se interessa pelos
adolescentes e jovens como pessoas totais que se desempenham
em diversos campos sociais [...] e não só pelos alunos aprendizes
de determinadas disciplinas [...]; uma instituição flexível em tempos,
sequências, metodologias, modelos de avaliação, sistemas de
convivência, etc e que leva em conta a diversidade da condição
adolescente e juvenil (de gênero, cultura, social, étnica, religiosa,
territorial, etc.); uma instituição que forma pessoas e cidadãos
[...], ou seja, que desenvolve competências e conhecimentos transdisciplinares,
úteis para a vida [...]; uma instituição que atende a
todas as dimensões do desenvolvimento humano: física, afetiva e
cognitiva; uma instituição na qual os jovens aprendem a aprender
com prazer e que integra o desenvolvimento da sensibilidade,
a ética, a identidade e o conhecimento técnico-racional; uma
instituição que acompanha e facilita a construção de um projeto
de vida para os jovens. [...] uma instituição que desenvolve o
sentido de pertinência e com a qual os jovens ‘se identificam’
(FANFANI, 2000, p. 13).
O trabalho do professor com alunos adolescentes passa por
uma constante construção. Nem sempre a formação acadêmica
o prepara adequadamente para atuar com esse público. Resultados
de uma pesquisa realizada com 826 adolescentes espanhóis
(DIAZ-AGUADO, 2000 apud WAGNER, 2004) demonstram o
quanto os professores estão carentes de habilidades para manejar
as demandas do cotidiano escolar. Segundo Gatti (2009, p. 95),
“nas instituições formadoras, de modo geral, o cenário das condições
de formação dos professores não é animador pelos dados
obtidos em inúmeros estudos [...], revelado por vários processos
de avaliação ampla ou de pesquisas regionais ou locais”. Tão
importantes são a formação e a qualificação de professores que
Marcelo (2009, p. 8), destaca que “a qualidade dos professores e
a forma como ensinam é o fator mais importante para explicar
os resultados dos alunos”.
O trabalho docente se enquadra no que chamamos “trabalho
interativo”, “cuja característica essencial é colocar em
relação, no quadro de uma organização (escola, hospitais, serE
d u c a ç ã o & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
285
viços sociais, prisões, etc), um trabalhador e um ser humano
que se utiliza de seus serviços” (MAHEUR & BIEN-AIMÉ,
1996 apud TARDIF, 2005, p. 19). Segundo Tardif (2005, p. 35),
“a docência é um trabalho cujo objeto não é constituído de
matéria inerte ou de símbolos, mas de relações humanas com
pessoas capazes de iniciativa e dotadas de certa capacidade de
resistir ou de participar da ação dos professores”.
Este artigo define a visão de docência como trabalho e
experiência, trabalho este caracterizado pelo ensinar. Para Tardif
(2005, p. 49), “ensinar é agir na classe e na escola em função da
aprendizagem e da socialização dos alunos, atuando sobre sua
capacidade de aprender, para educá-los e instruí-los com a ajuda
de programas, métodos, livros, exercícios, normas etc”. Entender
a docência como experiência implica considerar dois pontos:
[...] a experiência vista como um processo de aprendizagem espontânea
que permite ao trabalhador adquirir certezas quanto ao
modo de controlar fatos e situações do trabalho que se repetem.
[...] Mas também se pode compreender a experiência, não como
um processo fundado na repetição de situações e sobre o controle
progressivo dos fatos, mas sobre a intensidade e a significação
de uma situação vivida por um indivíduo (TARDIF, 2005, p. 51).
O trabalho docente se constrói por meio da relação do
professor com a escola e, sobretudo, com o aluno. Esta relação
se constrói e funciona como um conjunto de fios invisíveis que
sustentam um objetivo e “quanto maior o número de fios invisíveis
tecidos entre o professor e o aluno, maior a integração
deste aluno com a classe” (TIBA, 1996 apud WAGNER, 2004,
p. 637). Segundo a autora, tais “fios invisíveis” podem ser formados
basicamente por três estímulos do professor: aspectos
pessoais – simpatia ou capacidade de comunicação, proximidade
ao aluno e domínio da matéria. O respeito e a disciplina advêm
desta forma, de uma boa relação entre ambos, construindo-se
uma aprendizagem permeada pelo processo de socialização. Já o
domínio afetivo tem o poder de orientar e direcionar o processo
educativo, de forma a deixá-lo mais equilibrado e eficaz (LUCK;
CARNEIRO, 1983 apud WAGNER, 2004).
286a Educação & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
Nesse sentido, são as relações humanas que formam a
essência do objeto de conhecimento, pois este só existe por
meio de seu uso social. Portanto, é a partir de um intenso processo
de interação com o meio social e da mediação feita pelo
outro que se dá a apropriação dos objetos culturais e o objeto
de conhecimento ganha significado e sentido. Nosso objetivo
com esse trabalho é compreender quais as ferramentas que o
professor utiliza para estimular essa interação e de que forma
esse movimento implica na relação professor-aluno.
Percurso metodológico
A pesquisa foi realizada com cinco professores e sete estudantes
do ensino médio, de uma escola privada de Joinville,
após autorização da diretora, por meio de sua assinatura em
uma carta de aceite.
Foi agendada uma visita junto ao responsável pela instituição,
a fim de apresentar o projeto de pesquisa. Mediante aprovação
da diretoria da escola e do Comitê de Ética em Pesquisa
com Seres Humanos, foram realizadas entrevistas, agendadas
previamente, nas dependências da escola.
Os professores e alunos foram selecionados mediante indicação
da coordenadora pedagógica, que realizou o convite aos
professores e agendou previamente um horário para a realização
da entrevista. Ela também comunicou aos alunos em sala de aula
e os interessados marcaram um horário para participar.
A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas,
que têm como característica questionamentos básicos,
apoiados em teorias e pressupostos relacionados com o tema
da pesquisa. O foco principal é colocado pelo investigador-
-entrevistador. Essa modalidade de entrevista favorece não só
a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação
e a compreensão de sua totalidade, além de manter a presença
consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta de
informações (TRIVIÑOS, 1987, p. 152 apud MANZINI, 2004).
Pode-se denominar essa pesquisa como sendo de abordagem
qualitativa, pois busca o entendimento de um fenômeno
e tem como objeto o ser humano. Gatti e André (2010, p.
30-31) afirmam que:
E d u c a ç ã o & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
287
[...] as pesquisas chamadas de qualitativas vieram a se constituir
em uma modalidade investigativa que se consolidou para responder
ao desafio da compreensão dos aspectos formadores/formantes
do humano, de suas relações e construções culturais, em suas
dimensões grupais, comunitárias ou pessoais. Essa modalidade de
pesquisa veio com a proposição de ruptura do círculo protetor
que separa pesquisado e pesquisador, separação que era garantida
por um método rígido e pela clara definição de um objeto,
condição em que o pesquisador assume a posição de ‘cientista’,
daquele que sabe, e os pesquisados se tornam dados - por seus
comportamentos, suas respostas, falas, discursos, narrativas etc.
traduzidas em classificações rígidas ou números -, numa posição
de impessoalidade. Passa-se a advogar, na nova perspectiva, a
não neutralidade, a integração contextual e a compreensão de
significados nas dinâmicas histórico-relacionais.
Desta forma elaborou-se um roteiro de entrevista que
permitisse aos professores e estudantes do ensino médio falar
sobre o desenvolvimento de sua atividade e concepções sobre
o processo de ensino-aprendizagem. Para tanto, as questões que
nortearam a entrevista dos professores foram: Que atividades
pedagógicas você desenvolve com os alunos do ensino médio?
Como você se vê em sala de aula com adolescentes? Como é a
sua relação com os alunos adolescentes? Cite pontos positivos
em trabalhar com alunos do ensino médio? Cite as dificuldades
no trabalho com alunos do ensino médio?O roteiro de entrevista
dos estudantes consistiu nas seguintes perguntas: Como você se
vê em sala de aula? Como é a sua relação com os professores?
Que atitudes caracterizam um bom professor? Quais métodos/
atividades correspondem a uma boa aula? Que melhorias você
sugere para as aulas no ensino médio?
Ao iniciar a entrevista, foi apresentado ao participante
o projeto de pesquisa, ressaltando o tema, a justificativa, os
objetivos e os resultados esperados. Em sinal de concordância
em participar da pesquisa, os professores, os alunos e seus
responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido – TCLE e responderam às perguntas do roteiro
288a Educação & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
de entrevista. As respostas foram gravadas com o auxílio de
um gravador portátil e transcritas literalmente. Salienta-se que
o projeto para a realização desta pesquisa foi autorizado pelo
Comitê de Pesquisa com Seres Humanos, conforme determina
a Resolução do Conselho Nacional de Saúde – CNS 196/96.
Caracterização da instituição, dos docentes e
estudantes
Segundo seu Projeto Pedagógico1, a instituição tem sua
filosofia voltada para o desenvolvimento integral do indivíduo,
numa visão de educação que parte do senso comum à consciência
científica, comprometendo-se com o processo de construção
do conhecimento, respeitando o ser humano com suas diferenças,
limitações, possibilidades individuais e sociais. Tem como
missão “promover o desenvolvimento do cidadão e, na sua ação
educativa, oportunizar alternativas para o sistema educacional”.
E sua visão refere-se a “ser um referencial na educação básica,
promovendo o desenvolvimento das relações humanas, comprometido
com o conhecimento e o domínio de recursos científicos
e tecnológicos para o pleno exercício da cidadania”.
Segundo dados obtidos por meio de entrevista com a coordenação
pedagógica, a instituição estabelece duas formas de
relação trabalhista com os docentes: efetivos e contratados. Os
professores efetivos inscreveram-se em um edital, participaram
de uma prova e entrevista, ou seja, realizam um processo seletivo
público para ingressar na instituição educacional. Ambas
as modalidades de contração de docentes lhes resguardam os
diretos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis de Trabalho
- CLT. Porém, a contratação de docentes efetivos permite
uma estabilidade vitalícia na disciplina concursada.
A coordenadora ressaltou que os docentes participam ativamente
das decisões do colégio, sendo consultados e estimulados
a contribuírem nos processos da instituição. Destacou que existe
um estímulo, por parte da gestão, para o diálogo e uma relação
mais “humana” entre alunos, família, professores e equipe direti-
1 Não será referenciado o Projeto Pedagógico para manter no anonimato a identificação
da instituição escolar.
E d u c a ç ã o & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
289
va. Os docentes participam de reuniões trimestrais para discutir
questões pertinentes ao trabalho pedagógico e, diariamente, são
reservados cinco minutos do intervalo para recados.
É importante destacar que, na entrevista com a coordenadora
pedagógica do ensino médio, descobriu-se que os professores
não têm hora-atividade, ou seja, horas destinadas para
correção e planejamento de ensino.
Quem são os professores entrevistados?
Nome
fictício
Disciplina
Tempo de
trabalho na
instituição
Formação acadêmica
Marta História 04 anos
Graduação em
História
Marcelo Geografia 09 anos
Graduação em
Geografia
Bete Matemática 09 anos
Graduação em
Matemática
Daniele
Sociologia e
Filosofia
12 anos
Graduação
em Psicologia,
Especialização em
Psicopedagogia
e Mestrado em
Administração
Carlos Química 13 anos
Mestrado em
Química
Fonte: Área de assuntos docentes da instituição
Na análise das informações dos docentes, vale destacar que
os cinco professores trabalham entre quatro e 13 anos na instituição.
Isso significa que os professores entrevistados possuem
“garantia” de emprego, bem como participam há mais tempo da
cultura institucional. São fatores que possibilitam ao professor o
290a Educação & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
desenvolvimento mais tranquilo de suas atividades, o que reverbera
na qualidade das relações interpessoais em sala de aula.
Quem são os estudantes entrevistados?
Nome fictício Turma
Ano de
nascimento
Tempo na
instituição
Pedro 2º Ano 1993 02 anos
Laura 3º Ano 1993 03 anos
Jenifer 3º Ano 1993 04 anos
Alice 2º Ano 1994 06 anos
Paula 2º Ano 1994 07 anos
Antonio 2º Ano 1994 12 anos
Marcio 2º Ano 1994 14 anos
Fonte: Secretaria da instituição
Os dados da tabela indicam que a maioria dos estudantes
pesquisados estão matriculados há mais tempo na escola (entre
quatro e 14 anos). É um dado que indica que estão bem integrados
aos processos educativos, bem como com a filosofia
institucional. Dois dos sete estudantes matricularam-se na escola
apenas para cursar o ensino médio.
Análise e discussão dos dados
O plano de análise dos dados consistiu na organização das
informações em uma planilha de Excel, separadas por questão e
por entrevistado. Efetuando leituras no material, foram destacadas
as palavras que mais apareceram na fala dos entrevistados. A
leitura flutuante, que Michelat (1980 apud LÜDKE E ANDRÉ,
1986) chama de “impregnação do conteúdo” é a apropriação
desses dados e a percepção do que está implícito na fala dos respondentes.
A codificação dos dados se deu por meio do destaque
e agrupamento das palavras de mesmo significado. Da análise,
emergiram as categorias descritivas: Trabalho docente no ensino
médio: o que falam os professores? E O trabalho do professor
do ensino médio sob a perspectiva dos estudantes. Vale ressaltar
a importância do referencial teórico para a construção das
categorias, bem como para contribuir com a análise dos dados.
E d u c a ç ã o & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
291
Trabalho docente no ensino médio: o que falam os
professores?
Ao estudar o conceito de identidade profissional docente,
Nóvoa (1995, p.16) destaca os três AAA como suas características:
Adesão, Ação e Autoconsciência. Adesão significa aderir
aos princípios e valores e adoção de projetos. Ação corresponde
ao conjunto de técnicas e métodos utilizados em sala de aula.
E Autoconsciência é a reflexão que o professor faz sobre sua
ação. Entende-se, assim, a identidade profissional como algo
processual, que se constrói ao longo da carreira com base nas
experiências dentro e fora de sala de aula.
De maneira geral, os professores participantes da pesquisa
percebem o seu trabalho como algo que lhes traz satisfação,
embora haja algumas limitações e desafios. Ressaltam sua função
social, como aponta o professor Carlos2: “eu me vejo não só
como professor, mas também como um orientador para vida,
da formação do cidadão”. O papel do professor é fundamental,
sendo responsável pelo desenvolvimento dos alunos tanto na
esfera intelectual quanto na formação humana.
Para Nóvoa (1992, p. 16) “cada um tem o seu modo próprio
de organizar as aulas, de se movimentar na sala, de se dirigir
aos alunos, de utilizar os meios pedagógicos, um modo que
constitui uma espécie de segunda pele profissional”. A forma
com que cada professor se coloca em sala de aula difere. Essa
situação é exemplificada pela professora Marta quando destaca:
Eu me vejo em construção. Faz seis anos que leciono, tenho
diferença de dez, onze, doze anos deles, então eu me coloco em
construção e é isso que espero deles, e sei que eles estão nessa
fase... Então faz algum tempo que minhas atitudes são mais de
silêncio, de olhar do que de utilizar a voz mesmo.
Segundo Hubermann (1995, p. 41) a experiência e maturidade
adquiridas no decorrer do tempo de atuação profissional
permitem que a autoridade torne-se mais “natural”, pois “as pes-
2 Os nomes apresentados nesse artigo são fictícios a fim de resguardar a identidade
dos entrevistados.
292a Educação & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
soas situam melhor os limites do que é tolerar e fazem respeitar
melhor esses limites, com mais segurança e espontaneidade”.
As principais atividades desenvolvidas pelos professores
que participaram da pesquisa são as explicações de conteúdos,
atividades individuais e em grupos, apresentações de seminários e
produção de textos. Alguns professores trazem à sala de aula questões
da atualidade para serem discutidas, conforme relato abaixo.
Eles pesquisam historicamente aquilo, como é hoje, e transformam
para algo deles, pode ser um texto, uma música, uma obra
de arte, uma imagem. A gente analisa imagem, eu uso literatura,
uso filme para analisar qualquer obra de arte. Tanto análise quanto
transformar o que eles estudaram nisso (Professora Marta).
O ato de ensinar, característica predominante do trabalho
docente, é entendido, conforme Roldão (2006), sob duas perspectivas:
o ensinar como professar um saber e o ensinar como
fazer com que o outro seja conduzido a aprender/apreender
o saber que alguém disponibiliza. Nessa segunda concepção,
ressalta-se a importância do professor como um mediador, que
parte do pressuposto de que o aluno tem um conhecimento que
pode ser aperfeiçoado e estimulado.
Para Facci (2009, p. 112), é evidente a importância do professor
na apropriação do conhecimento pelo aluno, visto que,
mediante uma relação dialética, faz o aluno superar aquilo que
estava presente no seu conhecimento da vida cotidiana, uma vez
que transmite ao educando novos elementos – os conhecimentos
científicos – para conhecer a realidade em que está inserido.
São desenvolvidas também atividades que inter-relacionam
diversas disciplinas, conforme destacado pela professora Bete:
“outra coisa também que geralmente eu trabalho no ensino médio...
é construção de revista, jornais explorando determinado
assunto, procurando envolver com outras disciplinas”. O trabalho
interdisciplinar é destacado por Fazenda (1993) como sendo
uma troca intensa entre especialistas, nesse caso os professores,
E d u c a ç ã o & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
293
e pela integração das disciplinas num mesmo projeto, no qual o
diálogo é o fator principal dessa ação.
Segundo relato dos professores, o que caracteriza a relação
com os estudantes de ensino médio é a proximidade e abertura
que possuem para dialogar sobre diversos assuntos, destacando
a postura de respeito que não se perde nesse contexto. O professor
Carlos aponta a importância desses fatores para manter
uma boa relação com os estudantes.
É uma relação boa, a gente tem um primeiro momento que eles
têm que ter uma condição de respeito, como também respeito entre
eles. Também tem um momento de liberdade para conversa, não
somente sobre o assunto da disciplina, às vezes eles têm um problema
pessoal, eles vem perguntar o que eu acho, o que não acho,
como que deve ser, então a gente interage bastante. E eles sabem
separar bem, os tempos e a hora de fazer determinadas perguntas.
O professor Marcelo relata como é sua relação com os
estudantes:
Eu leciono há 12 anos já, até hoje eu nunca tive conflito, acho
que isso é um aspecto bom. Eu sempre procuro incentivar,
motivar, de certa maneira trazendo um pouco de bom-humor,
isso é importante na relação... A relação sempre foi boa... O que
a gente busca sempre é respeitar, também, não só ver o aluno
como aluno, e aí perceber o aluno como pessoa, com todas as
suas dificuldades, que meio ele veio, com quem ele convive e
respeitar essas diversidades, procurar entender.
Segundo Canário (1998, p. 21) a relação com os alunos
“impregna a totalidade do acto educativo, não pode ser ensinada,
mas apenas aprendida, e engloba de modo inextrincável as
dimensões intelectual e afetiva”. O autor afirma que a qualidade
de escuta caracteriza um bom professor.
Tão importante quanto a relação estabelecida entre professor
e estudante é o papel da instituição escolar na medida em
que oportuniza um espaço para o diálogo e troca de experiências,
como relata a professora Marta:
294a Educação & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
Vejo que a nossa relação individual tem a ver com a relação que
a escola estabeleceu entre professor e aluno. A escola tem uma
relação mais aberta, a gente vê alunos vindo de outras escolas
falando: ‘Aqui a gente pode falar com a direção’... Isso faz com
que a gente se aproxime deles. Então eu procuro me aproximar,
mas ao mesmo tempo não invadir, ele cria esse espaço de grupo...
Eu já percebi que quanto mais eles conhecem a gente, o que a
gente faz fora, como a gente é, onde a gente frequenta, e que
a gente tem a possibilidade de conhecer também deles, a nossa
relação é muito mais tranquila, eles veem a gente de outra forma,
quando eles começam a ver a gente como ser humano mesmo,
e que está ali numa posição, mas que ao mesmo tempo a gente
também preserva essa coisa de autoridade, de que nós somos o
professor, enquanto mediador, mas somos o professor.
Essa questão própria da instituição participante da pesquisa
reflete o que Pérez-Gómez (2001) define como uma das características
básicas do sistema privado, que é a plena liberdade para
definir sua própria cultura pedagógica e seu ideário ideológico,
que na prática, são seus sinais identitários. Nesse caso, a identidade
da escola participante é marcada pela abertura ao diálogo
e aproximação entre instituição e aluno.
Foi possível perceber na fala dos professores a percepção
de algumas limitações ou dificuldades que encontram em seu
trabalho com adolescentes. Não foram citadas características
próprias da faixa etária, e sim os desafios em relação ao trabalho
de maneira geral, como comentou o professor Marcelo:
Uma das grandes questões, muitas vezes, é em relação ao número
de alunos em sala. Isso é um fator que pode inibir assim, não
como fator que vai ser determinante, mas vai inibir a qualidade.
O excesso de alunos, isso é um problema, uma questão básica.
Que qualidade de educação nós queremos?... A outra é que se
deve ter, na verdade, é tempo para a preparação da aula, isso
é uma questão que poucas instituições valorizam. O tempo de
preparação deve ser sempre maior que o tempo da aula.
E d u c a ç ã o & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
295
Lantheaume (2006, p. 9) aponta o papel da escola nas condições
de trabalho do professor, ao argumentar que “as imposições
institucionais alargaram o leque de tarefas dos docentes,
valorizando novos afazeres sob a capa da profissionalização:
o registro didático e pedagógico, o registro administrativo, a
orientação, o registro relacional, os projetos, as negociações
com parceiros etc”.
A falta de remuneração de horas para atividades de planejamento
e correção é um indicador de que os professores
ficam sobrecarregados de atividades para serem realizadas em
casa. Essa situação, na maioria das vezes, reverte-se em fadiga e
cansaço. Além do mais, atender às demandas institucionais que
requerem deles a realização de atividades burocráticas, também
se torna desgastante para muitos docentes.
O trabalho do professor do ensino médio sob a
perspectiva dos estudantes
Os adolescentes entrevistados descreveram como se percebem
como estudantes. A maioria destacou que seu papel principal
como estudante é o de “aprender”. Veem-secomo quem
ocupa uma posição de receptor do conhecimento, como conta
Alice: “Se a gente esta aqui é porque a gente quer aprender, é
para o meu futuro...”. Já a estudante Paula acrescentou: “Acho
que tem que se comportar como aluno e prestar atenção no que
os professores dizem e respeitar acima de tudo”.
Na visão dos estudantes entrevistados, as metodologias
que melhor contribuem para a aprendizagem são as que dão
oportunidade ao diálogo e à interação. O estudante Márcio
explicou que:
Uma boa aula eu não acho que é aquela que o professor escreve
no quadro, manda os alunos copiarem e depois explica, tem
que ser uma aula que os alunos interajam, que os alunos falam,
façam trabalhos em grupo ou no quadro, façam contas, e isso
tudo ajuda no aprendizado, é bem mais do que só escrever no
caderno e olhar o professor.
296a Educação & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
Esta situação é realçada por Fanfani (2000) quando afirma
que o adolescente busca um espaço para expressar seus pensamentos,
expor suas ideias, e valoriza a instituição que considera
seus interesses, expectativas e conhecimentos.
A estudante Paula complementou: “Tem que ter certa
descontração, porque uma sala só falar, falar, falar é chato, tem
que deixar os alunos falarem também”. Uma aula satisfatória,
segundo boa parte dos entrevistados, é dinâmica, quando o
professor utiliza recursos diversos em sala, tornando a aula
mais atrativa, favorecendo o aprendizado. Um exemplo disso
foi o comentário feito por Laura: “A apostila mesmo é resumo
do resumo, é ruim pra gente, eu prefiro outros livros, tem que
buscar outras referências, porque, às vezes, não consigo entender
aquele assunto”.
Atrelada à expectativa por aulas mais dinâmicas, os estudantes
entrevistados citaram algumas características que julgaram ser
essenciais aos professores: respeito, igualdade, domínio de turma
e do assunto e saber ensinar. O estudante Antonio destacou: “ter
amizade com os alunos, ser legal, não é obrigação, mas ajuda
bastante”. Enquanto que Márcio mencionou:
[...] um bom professor tem que ser um professor que ensina
bem, e também tem que ser um professor que saiba dominar
bem a turma, só que, sem usar métodos agressivos, ele tem que
saber como botar ordem meio que controlando, não agredindo
os alunos.
O adolescente espera que o professor possua um planejamento
prévio e domínio do conhecimento que pretende passar,
bem como saiba fazer a cobrança do desenvolvimento das tarefas
solicitadas. Isso é bem explicado por Alice quando exemplificou:
[...] uma boa aula tem que ter um assunto bem elaborado. Acho
que ele (professor) explicar o assunto e depois dar exercícios
para gente, ficar em cima o tempo todo cobrando, se está errado,
perguntar por que a gente errou, por que que acha que era aquilo,
para ele ir lá e corrigir.
E d u c a ç ã o & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
297
Segundo Roldão (2006, p. 13),
Exige-se, na interpretação de ensinar como fazer aprender alguma
coisa a alguém (ROLDÃO, 2000; 2003), a equilibração inteligente,
por parte do profissional, do saber conteudinal que ensina ou
que subjaz à sua acção – e que tem de dominar profundamente,
desde os primeiríssimos níveis de educação e ensino – e do modo
como o usa e mobiliza para construir a sua apropriação pelos
alunos, considerados nas suas diversas especificidades – e nessa
mobilização se joga a natureza propriamente profissional, porque
específica, do seu saber.
Uma preocupação manifestada pela estudante Alice é com
relação ao acompanhamento individual dos alunos:
[...] acho que, para melhorar, eles deveriam ser mais preocupados
com o desempenho do aluno, no sentido de, se ele não
sabe, ir lá e explicar de novo, não só deixar do jeito que “ah
tudo bem, faz recuperação e acabou”. Explicar até entender,
até todo mundo entender.
Dussel (2007, p. 10) discute uma nova cultura escolar na
qual destaca que:
[...] a escola deve oferecer tempo, paciência, lentidão, silêncio, a
possibilidade da dúvida [...]. Diante da aceleração dos tempos,
da pressão da performance, da demanda de se reinventar e se
auto-desenhar todo o tempo, a escola pode oferecer um contexto
onde se possa repousar “no outro”, numa herança acumulada,
num saber que o outro nos oferece, num espaço onde se possa
errar e voltar a provar sem maiores consequências. Tudo isso é
um dom a ser oferecido às novas gerações.
Professores e estudantes entrevistados destacaram a relação
entre eles como algo significativo, sendo a afinidade um fator
de destaque. A estudante Jenifer apontou:
298a Educação & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
a gente procura interagir bem, não para puxar saco, mas para
ter mais afinidade, até para você entender melhor o que está
passando. Acho que, se você gosta do professor, é bem mais
fácil entender o assunto.
A proximidade com os professores também é destacada
por Márcio:
A minha relação com os professores é mais do que aluno-professor.
Acho que já é também meio que uma amizade, com a maioria
dos professores, porque eu estudo na escola há bastante tempo,
faz mais de 10 anos. Eu conheço a maioria dos professores. Eu
tenho uma amizade com eles, a gente conversa, não só sobre os
assuntos da escola, sobre outros assuntos também.
Para Teixeira (1996, p. 10), a convivência escolar entre
professor e aluno, estabelecida diariamente, possibilita uma relação
de trocas e intimidades, uma circulação de conhecimentos
formais, curriculares, e também conhecimentos informais, os
saberes da vida cotidiana. A autora afirma que “a proximidade
e a convivência cotidiana fazem surgir certa liberdade e acolhimento
mútuo entre professores e alunos”.
Considerações finais
Foi possível constatar a satisfação dos professores ao trabalhar
com alunos do ensino médio. As condições de trabalho
oferecidas pela instituição são boas e justificam a permanência
dos docentes ali. A média do tempo de trabalho dos professores
entrevistados é de aproximadamente nove anos. O prazer em
lecionar é tema de destaque nas falas dos docentes. Certamente,
esse fator reflete de modo direto nas práticas pedagógicas
desenvolvidas com os alunos. Os professores anunciaram que
seus desafios no trabalho referem-se ao excesso de alunos em
sala de aula e a não remuneração pelas horas de planejamento.
Constatou-se que os professores não se restringem a realizar
aulas expositivas, mas promovem diálogo, trabalham em grupo,
fazem ligações com outras disciplinas, enfim, atendem à expectativa
dos alunos: tornar as aulas mais dinâmicas.
E d u c a ç ã o & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
299
O relacionamento estabelecido entre professor e aluno é
marcado pela proximidade e diálogo. Isso se reflete tanto na
fala dos professores, quanto dos alunos. Todos consideram a
relação boa, alguns denominam inclusive como uma amizade,
pois possuem liberdade para conversar sobre assuntos tanto de
âmbito educacional como também pessoal. Ao mesmo tempo,
conseguem delimitar o espaço e manter uma relação permeada
pelo respeito mútuo.
Boa parte dos alunos se vê como “alguém que deve aprender”,
sobretudo por pensar no futuro, na formação profissional,
e ter consciência de que a Educação é o início para um futuro
próspero. Dessa forma, esperam que o professor seja inteligente,
tenha domínio da classe e do conteúdo, mas que também seja
amigo e descontraído. Além disso, esperam que o docente tenha
preocupação com o desempenho individual do aluno, que se
interesse e o acompanhe de perto.
Os professores se veem como responsáveis nesse processo
de formação, que vai além da formação acadêmica e inclui a
formação do ser humano. Percebem a sua responsabilidade e
procuram colocar-se em questão.
A cultura da instituição também contribui para que a relação
seja mais aberta. Os professores explicitaram que se sentem
seguros e respeitados em suas atividades profissionais. Esses
dados levam-nos a contatar que esses sentimentos reverberam
pelas/nas práticas pedagógicas, bem como na relação interpessoal
com os estudantes.
Os professores atuam há muito tempo na escola e se sentem
“parceiros” no processo de escolarização dos estudantes.
Isso foi percebido tanto no discurso dos entrevistados quanto
no contato com a coordenação da instituição que, em todo momento,
demonstrou-se disponível para a viabilização da pesquisa.
Os adolescentes, em suas falas, reiteraram a existência de clima
amistoso entre eles e os professores.
Em síntese, estabelecer os aspectos da relação pedagógica
na prática docente, bem como considerar a cultura institucional
como fatores relevantes nos processos educacionais certamente
contribuem para os estudos e melhorias no campo da educa300a
Educação & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
ção e, respectivamente, do aspecto relacional entre professores
e estudantes do ensino médio ou de qualquer outra etapa ou
modalidade de ensino.

Referências
CANÁRIO, Rui. A escola: o lugar onde os professores aprendem. In: Psicologia
da Educação. São Paulo, n.6, jun., 1998, p. 9 a 27.
CHIZZOTTI, Antonio. A pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais:
evolução e desafios. In: Revista Portuguesa de Educação. Braga:
Portugal, 2003, p. 221-236. Disponível em: < http://redalyc.uaemex.mx/
pdf/374/37416210.pdf >, acesso em: 24 mar, 2010
DUSSEL, Inés. A transmissão cultural assediada: metamorfoses da cultura
comum na escola. 2007. In: Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 137, p. 351-365,
maio/ago, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/v39n137/
v39n137a02.pdf> , acesso em 20 out. 2010.
FACCI, Marilda G. D. A intervenção do psicólogo na formação de professores.
In: MARINHO-ARAUJO, Claisy Maria (org.) Psicologia Escolar: novos
cenários e; contextos de pesquisa, formação e prática. Campinas: Editora
Alínea, 2009.
FACCI, Marilda G.D. et al. Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de
“ser professor”: uma contribuição da Psicologia. In: Revista Psicologia. Rio
de Janeiro: UFF, 2000. Disponível em: http://www.uff.br/ichf/publicacoes/
revista-psi-artigos/2004-2-Cap7.pdf.>, acesso em: 08 nov, 2010.
FANFANI, Emilio Tenti. Culturas jovens e cultura escolar. Documento
apresentado no seminário “Escola Jovem: um novo olhar sobre o ensino médio”.
Ministério da Educação. Brasília. 2000. Disponível em: < http://portal.
mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/EmilioTentiF.pdf >, acesso em 23 mar, 2010.
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade : um projeto em
parceria. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1993.
GATTI, Bernadete A. Formação de Professores: condições e problemas atuais.
In: Revista Brasileira de Formação de Professores, vol. 1, n. 1, 2009.
GATTI, Bernardete; ANDRÉ, Marli. A relevância dos métodos de pesquisa
qaulitativa em Educação no Brasil. In: WELLER, Wivian; PFAFF, Nicolle
(orgs.). Metodologias da pesquisa qualitativa em educação: teoria e prática.
Petrópolis: Vozes, 2010.
HUBERMANN, Michaël. O ciclo de vida profissional dos professores. In:
NÓVOA, Antonio. Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto, 1995.
E d u c a ç ã o & Linguagem • v. 15 • n. 25 • 277-301, jan.-jun. 2012
ISSN Impress o:1415-9902 • ISSN Ele trônico: 2176-1043
301

Nenhum comentário :

Postar um comentário