quinta-feira, 7 de abril de 2011


Transdisciplinaridade - Complexidade e transdisciplinaridade em educação: cinco

O artigo discute a potencialidade de alguns princípios, elaborados por cientistas de diferentes áreas, no resgate de um sentido do conhecimento para a vida


domingo, 31 de agosto de 2008
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Akiko Santos
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Laboratório de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares


Tais princípios são: princípio holográfico (David Bohm/Edgar Morin), princípio de complementaridade dos opostos (Niels Böhr), princípio da transdisciplinaridade (Basarab Nicolescu), princípio da incerteza (Werner Heisenberg) e princípio da autopoiese (H. Maturana e F. Varela). Esses princípios estão integrados à teoria da complexidade e transdisciplinaridade.


Introdução
A teoria da complexidade e transdisciplinaridade surge em decorrência do avanço do conhecimento e do desafio que a globalidade coloca para o século XXI. Seus conceitos contrapõem-se aos princípios cartesianos de fragmentação do conhecimento e dicotomia das dualidades (Descartes, 1973) e propõem outra forma de pensar os problemas contemporâneos.
A fragmentação do conhecimento, que se generaliza e se reproduz por meio da organização social e educacional, tem também configurado o modo de ser e pensar dos sujeitos. A teoria da complexidade e transdisciplinaridade, ao propor a religação dos saberes compartimentados, oferece uma perspectiva de superação do processo de atomização.
Como uma teoria pedagógica, a complexidade e a transdisciplinaridade encontram-se ainda na fase de construção, no entanto, já se nota um grande número de educadores que recorrem a seus conceitos, como também se observam núcleos de docentes-pesquisadores nas universidades começando a se organizar nos níveis local e nacional.
Em razão tanto do surgimento de novas teorias pedagógicas como da reconfiguração das já existentes, Libâneo (1991, 2005), sempre preocupado em oferecer aos professores sínteses classificatórias das teorias pedagógicas que fundamentam as práticas docentes, elaborou uma nova classificação. Reproduz-se, a seguir, tal classificação, para que o leitor possa se situar, atentando para a dinâmica de disjunção e conjunção das teorias já conhecidas pelos professores, e as emergentes, decorrentes da transformação socioeconômica e da renovação cultural.
No interior da corrente que Libâneo classifica como "holística" está a teoria da complexidade, objeto do presente texto. A diversidade de modalidades apontada nessa corrente reflete a variedade de construções em relação ao contexto contemporâneo, o holismo propriamente dito, a teoria naturalista do conhecimento, a ecopedagogia e o conhecimento em rede. Aranha (1996) identificava suas características nomeando-as de paradigmas emergentes, e Gadotti (2003) chamou-os de paradigmas holonômicos.
A intenção do presente texto é mais pontual. Pretende-se realçar alguns dos seus princípios e discutir o potencial que eles têm para resgatar o elo perdido com a prática de fragmentação do conhecimento.
A atual estrutura educacional, sedimentada com base em princípios seculares, tem levado os docentes a uma prática de ensino insuficiente para uma compreensão significativa do conhecimento, e muitas vezes suas respostas não satisfazem aos alunos, que perguntam: "por que tenho que aprender isso?".
Embora concebidas separadamente, a complexidade (também chamada de pensamento complexo) e a transdisciplinaridade articulam-se. Se vistas separadamente, uma torna-se princípio da outra. O pensamento complexo foi sistematizado por Edgar Morin (1991), e a transdisciplinaridade, por Basarab Nicolescu (1999).
Ao servirem de instrumentos para a observação da realidade, seus princípios revelam a defasagem conceitual da prática educacional, realçando as concepções ancestrais tácitas na estrutura social, cultural-mental da sociedade moderna. A teoria da complexidade e transdisciplinaridade sugere a superação do modo de pensar dicotômico das dualidades (sujeito-objeto, parte-todo, razão-emoção etc.) proveniente da visão disseminada por Descartes (1973), estimulando um modo de pensar marcado pela articulação.
Na prática do magistério, esse novo referencial representa mudança epistemológica e vem sugerindo reconceitualizações de categorias analíticas, de vez que, pelas orientações dicotômicas das dualidades, se valorizou somente uma das dimensões de tais dualidades: pela dicotomia inicial sujeito-objeto, houve a supervalorização da objetividade e da racionalidade, como também se seguiu a orientação de descontextualização, simplificação e redução quando o fenômeno é complexo, em detrimento da dimensão oposta, igualmente integrante dos fenômenos, que compreende a subjetividade, a emoção, a articulação dos saberes disciplinares e o contexto.
Os princípios que fundamentam as organizações sociais, culturais, educacionais se apóiam, basicamente, na recomendação de Descartes (1973, p. 46), segundo a qual, quando um fenômeno é complexo, se deve "dividir cada uma das dificuldades [...] em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-la".
Esse é o princípio da fragmentação. Como conseqüência dele, a prática pedagógica tendeu a organizar-se nos moldes da disjunção dos pares binários: simples-complexo, parte-todo, local-global, unidade-diversidade, particular-universal; em contrapartida, cristalizou-se a subdivisão do conhecimento em áreas, institutos e departamentos, cada qual delimitado pelas fronteiras epistemológicas. Cada instituto ou departamento organiza seus respectivos cursos por meio de listas de diferentes disciplinas. São as grades curriculares que, na prática, funcionam como esquemas mentais ao impedirem o fluxo de relações existentes entre as disciplinas e áreas de conhecimento. Por exemplo, a didática, como disciplina, é tratada separadamente da disciplina filosofia. Vigorando o princípio da fragmentação, da divisão, da simplificação, da redução, tem-se como conseqüência a descontextualização do agir pedagógico, passando a didática a ser uma disciplina apenas técnica, por meio da qual se aprende o uso de técnicas didáticas.
Essa visão descontextualizada e simplificadora, difundida pela ciência moderna, tornou-se hegemônica ao longo dos últimos 400 anos e manteve latente a questão da complementaridade dos pares binários. A partir das últimas décadas, no entanto, o que permanecia implícito se manifesta com força significativa e se transforma em princípios científicos, evolução acontecida no próprio seio da ciência moderna. Ainda que alguns autores considerem esse novo olhar como algo exótico (Carvalho, 2003), já não se pode mais ignorar a penetração, na vida acadêmica, da articulação dos pares binários e da conectividade dos saberes (Morin, 2001).
Não há dúvida de que o princípio de fragmentação acumulou conhecimentos, ocasionando um verdadeiro boom tecnológico hoje altamente visível e vivenciado. No entanto, no cerne desse progresso vem-se praticando um outro tipo de relação com o conhecimento, na forma de rede de relações, o que sugere mudança conceitual e princípios mais adequados ao estágio atual de desenvolvimento da ciência.
Entre esses novos princípios, aquele que tem tido larga aceitação é o chamado holográfico que, ao fazer o movimento de volta à contextualização, reconhece que o todo não é somente a simples soma das partes (fatoração mecânica). Segundo Morin (1991, p. 123), a soma do conhecimento das partes não é suficiente para se conhecer as propriedades do conjunto, pois o todo é maior do que a soma de suas partes. Além disso, quando se toma o todo não se vê a riqueza das qualidades das partes, por ficarem inibidas e virtualizadas, impedidas de expressarem-se em sua plenitude. Daí que o todo é menor do que a soma de suas partes. As relações das partes com o todo são dinâmicas, portanto, o todo é, ao mesmo tempo, menor e maior que a soma das partes.

Princípio holográfico
Esse princípio afirma que a parte não somente está dentro do todo, como o próprio todo também está dentro das partes (Morin, 1991). Ressalte-se, com isso, o paradoxo do uno e do múltiplo, ou seja, da íntima relação e interdependência entre os dois termos que se polarizaram na era moderna. Assim, o princípio holográfico remete à articulação dos pares binários: parte-todo, simples-complexo, local-global, unidade-diversidade, particular-universal.
Como observou Petraglia (1995), com a disjunção desses termos na modernidade houve perda de significação do conhecimento. Os princípios da disjunção e da simplificação concretizam-se na educação por meio de uma estrutura disciplinar do conhecimento. Seguindo as orientações cartesianas, concretizadas na estruturação disciplinar do conhecimento, o professor crê que a soma das partes listadas nas grades curriculares (estruturadas por meio de uma seqüência de múltiplas disciplinas compartimentadas) significa o todo do conhecimento.
Essa norma curricular tem provocado a incapacidade de estabelecer relações entre os conhecimentos obtidos. Como conseqüência dessa estrutura curricular, os alunos saem do curso com uma cabeça bem cheia (Morin, 2000) de conhecimentos justapostos.
Segundo David Bohm (1980), muitos dos nossos problemas se devem à tendência de fragmentar o mundo e ignorar a interligação dinâmica entre todas as coisas, desconhecendo o fato de que o universo é constituído como um holograma. Ou seja, tudo no universo faz parte de um contínuo, que, por conta da sua natureza ativa e dinâmica, o autor chama de holomovimento.
Karl Pribram (apud Talbot, 1991), neurofisiologista da Universidade de Stanford, estudando o cérebro, chegou às mesmas conclusões de David Bohm, físico quântico, definindo o cérebro como um holograma envolto por um universo holográfico.
A visão holográfica abre nova perspectiva aos pesquisadores da área educacional. Não se trata somente de inverter o foco do binário parte-todo, mas de acrescentar o movimento de religação ao conjunto desmontado, à totalidade fragmentada. Trata-se de atuar em duas direções opostas: contexto e unidade simples (todo e parte), estabelecendo a interligação dinâmica.
A contextualização é necessária para explicar e conferir sentido aos fenômenos isolados. As partes só podem ser compreendidas a partir de suas inter-relações com a dinâmica do todo, ressaltando-se a multiplicidade de elementos interagentes que, na medida da sua integração, revela a existência de diversos níveis da realidade, abrindo a possibilidade de novas visões sobre a mesma realidade.
Assim, a representação de conhecimento como uma árvore, consagrada por Descartes e ainda hoje utilizada, torna-se inadequada por sua separação em ramos e pelas hierarquizações estanques que a imagem sugere. Hoje, propõe-se rizoma (Deleuze & Guattari, 1980) como representação do conhecimento implicado. Uma rede de conexões mutuamente implicadas.
Ante a nova metáfora de conhecimento em rede, representada por uma raiz, uma raiz rizomática (interconectada), o nosso modo de ensinar e a nossa atitude conceitual revelam-se desarticulados e insuficientes, por seu enfoque concentrado no racional e por ignorarem o contexto relacional entre o todo e as partes. Uma vez percebidas as relações entre o todo e as partes, revela-se o sentido do conhecimento para a vida: o elo perdido.
Assim como a imagem do cérebro como um holograma sugerida por Pribram, no processo de aprendizagem a compreensão do significado de uma frase evoca, instantaneamente, imagens, sons, vivências, conhecimentos adquiridos em diversas disciplinas, instâncias e momentos da vida, intuições, sensações, humores, sentimentos de simpatia ou antipatia, sentimentos de cooperação ou de rejeição. As realidades objetiva e subjetiva são complexas e interativas. No entanto, ignorando a dinâmica de interação, o professor prioriza determinado conteúdo na expectativa de que os alunos o absorvam recorrendo à memorização.
A construção de conhecimento, segundo Morin (1998), apóia-se nos movimentos retroativos e recursivos. O autor atenta para o fato de que não há uma única maneira de aprender. O processo cognitivo é um processo complexo, uma vez que o sujeito vê o objeto em suas relações com outros objetos ou acontecimentos. As relações cerebrais estabelecem-se entretecendo-se em teias, em redes. Como observou Machado (1999, p. 138), "a idéia de conhecer assemelha-se à de enredar".
O princípio holográfico coloca aos professores o dilema posto pelas estruturas disciplinares e fragmentárias do ensino. Dilema que os obriga a se exercitarem na transdisciplinaridade, termo cunhado por Jean Piaget, que chegou inclusive a afirmar que, um dia, a interdisciplinaridade seria superada por transdisciplinaridade (Nicolescu, 2003).




Tags: educação; complexidade; transdisciplinaridade


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