segunda-feira, 25 de abril de 2011


25/04/2011 09h22 - Atualizado em 25/04/2011 12h14

Brasil ainda enriquece no exterior 95% do urânio usado em Angra 1 e 2

Gasto anual com conversão e enriquecimento fora é de R$ 70 milhões.
Apesar de riscos, indústria nuclear seguirá existindo, diz especialista.

Darlan AlvarengaDo G1, em São Paulo
Dono de uma das maiores reservas de urânio do mundo e detentor de uma tecnologia com reconhecimento internacional para produzir combustível para usinas nucleares, o Brasil continua enriquecendo no exterior cerca de 95% do urânio usado em Angra 1 e Angra 2.

“A capacidade atualmente instalada permite atender a aproximadamente 5% da demanda das centrais nucleares”, afirma Humberto Ruivo, diretor das Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, responsável pela implantação da primeira unidade de enriquecimento de urânio do país, inaugurada em 2006, em Resende (RJ), a partir de tecnologia de ultracentrifugação, desenvolvida pela Marinha.
O Brasil tem hoje apenas 3% de sua energia originada de fontes nucleares. Mas, com a expansão econômica do país e as dificuldades enfrentadas para criar mais fontes de energia renovável, esse percentual pode aumentar: o Plano Nacional de Energia prevê a construção de até oito novas usinas até 2030. Esse plano, no entanto, pode ser afetado depois que do acidente na usina nuclear de Fukushima, no Japão, após o terremoto seguido de tsunami no último dia 11 de março. Ainda não se sabe em que medida o acidente poderá influenciar no redirecionamento do programa nuclear brasileiro.
O Brasil gasta anualmente cerca de R$ 70 milhões com os serviços de conversão e de enriquecimento de urânio contratados no exterior pela INB. Os gastos com essas etapas representam cerca de 35% do custo total de fabricação do combustível nuclear.
Inicialmente prevista para 2008, a conclusão da primeira etapa do projeto, que atenderá 100% da demanda de Angra 1 e 20 % de Angra 2, já tinha sido adiada para 2012 e agora está prevista só para 2016. O custo total está estimado em R$ 545 milhões, dos quais apenas R$ 265 milhões foram investidos até o momento. Para 2011, o orçamento original de R$ 40 milhões foi contingenciado para R$ 35 milhões.
 Autoclave da INB, em Resende. Daqui, o urânio é enviado às centrífugas para ser enriquecido. (Foto: Arquivo/Divulgação/INB)Autoclave da INB, em Resende. Daqui, o urânio é enviado às centrífugas (Foto: Divulgação/INB)
“Em função do projeto não ter sido historicamente contemplado com a integralidade dos recursos necessários, a INB está revendo o cronograma, prevendo a alocação anual média de cerca de R$ 50 milhões para os próximos 5 anos”, afirma Ruivo.

O investimento total necessário para o que todo o ciclo do combustível nuclear passe a ser feito no país em escala para atender toda a demanda das usinas nucleares brasileiras, inclusive Angra 3, está estimado em cerca de R$ 3 bilhões, com previsão de término em 2019 ou 2020. “Se os recursos planejados vierem e forem implementados, teríamos um horizonte de atingir a autossuficiência em mais 8 ou 9 anos”, diz o diretor da INB.

Segundo a INB, o prazo poderá ser reduzido caso uma nova fábrica de ultracentrífugas seja implantada durante este período e caso sejam destinados mais recursos para o programa.
O cronograma de investimentos para o Plano Plurianual (2012-2015) ainda está em fase de discussão no governo e terá que ser aprovado pelo Congresso Nacional. Atualmente, o principal projeto do governo na área é a construção da usina de Angra 3, prevista para ser concluída no final de 2015, com custo estimado em R$ 9,9 bilhões. A obra está em fase inicial e tem previsão orçamentária para o ano de R$ 1,965 bilhão.
Pastilhas de urânio (Foto: Marcelo Côrrea/Divulgação/INB)Urânio enriquecido é transformado em pastilhas
pela INB (Foto: Marcelo Côrrea/Divulgação/INB)
Segurança
O engenheiro nuclear Aquilino Senra, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) acredita que o acidente do Japão irá aumentar os questionamentos em torno da opção da energia nuclear. “A indústria terá que aperfeiçoar seus projetos de segurança e os planos de remoção em caso de emergência”, afirma. Segundo ele, porém, tanto o Brasil como os outros países não podem abrir mão dessa opção.
“Não tenho dúvida de que a indústria nuclear irá continuar a existir. Hoje, são 440 reatores nucleares em todo mundo, responsáveis pela geração de 17% da eletricidade do planeta. A substituição não vai ocorrer de uma hora pra outra”, afirma.
Para o presidente da Aben, o Brasil não pode abrir mão do uso de combustíveis não fósseis que geram energia em grande escala, principalmente em um cenário de aquecimento global. “Nosso potencial hidráulico se esgota a partir de 2025. Temos a vantagem de ter o urânio em grande quantidade e de dominar a tecnologia de enriquecimento, não dá para desprezar a energia nuclear como opção energética”, diz Kuramoto.
Os países do Brics, grupo formado pelos emergentes Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, divulgaram na última reunião de cúpula comunicado conjunto defendendo o uso da energia nuclear na composição da matriz energética dos países. “A cooperação internacional no desenvolvimento seguro da energia nuclear para fins pacíficos deve ter continuidade em condições de estrita observância dos pertinentes requisitos e padrões no que se refere ao desenho, construção e operação de usinas nucleares”, afirmaram.
Gastos no exterior
Embora polêmico, o enriquecimento de urânio para produção de combustível é considerado vantajoso e estratégico, porque agrega valor ao minério. Estudo recente realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a pedido do governo apontou, inclusive, a viabilidade econômica de exportação de eventual excedente da produção, ainda que a posição política, a princípio, seja de não vender as reservas.

Atualmente, duas etapas do ciclo do combustível dependem de serviços contratados no exterior. O minério utilizado em Angra 1 e 2 sai da mina de Caetité, na Bahia, na forma de um sal amarelo (yellowcake) e vai para a França, onde é purificado e convertido para o estado gasoso (hexafluoreto de urânio). Depois, segue para unidades da Urenco, consórcio europeu contratado para enriquecer o urânio, e só então volta para o Brasil, onde é transformado em pequenas pastilhas, formando o elemento combustível. Em 2010, foram enviados para o exterior 400 toneladas de urânio na forma de pó, que retornaram na forma de hexafluoreto enriquecido.
Embora já enriqueça no país parte do urânio usado nas usinas, a operação de conversão do mineral para o estado gasoso ainda é totalmente feita no exterior. O projeto da INB prevê a construção de dois módulos com capacidade para as demandas de Angra 1, 2 e 3, e mais uma nova central nuclear, num investimento estimado de R$ 461 milhões.
Quando atingir a autossuficiência no ciclo de produção de combustível nuclear, a INB será a única fabricante no mundo com enriquecimento e fabricação no mesmo local. A unidade em Resende aumenta a concentração do isótopo para cerca de 4%. A operação embora complexa, é considerada de baixo risco, uma vez que não ocorre mistura com água. As instalações foram aprovadas em 2004 pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Mas as autoridades brasileiras continuam mantendo 'a sete chaves' o acesso às centrífugas que produzem o urânio enriquecido como 'forma de proteger' a tecnologia desenvolvida pelo país.
Potencial para exportar urânio enriquecido
Embora o custo da contratação dos serviços de conversão e de enriquecimento no exterior não seja considerado alto, as divisas transferidas poderiam estar gerando empregos e desenvolvimento tecnológico no Brasil, sem contar que o transporte desse tipo de material exige sempre uma logística complexa.
Elemento combustível para usinas (Foto: Marcelo Côrrea/Divulgação/INB)Elemento combustível que abastece usinas 
(Foto: Marcelo Côrrea/Divulgação/INB)
Para o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Edson Kuramoto, mais do que gerar uma economia de divisas, a autossuficiência na fabricação do combustível nuclear representaria uma conquista estratégica.
“O maior benefício seria não depender mais da contratação de serviços no exterior, com os quais a gente nunca sabe até quando poderá contar”, afirma. “Energia nuclear é uma questão estratégica. O Brasil, ao lado dos Estados Unidos e da Rússia, são os únicos países que dominam a tecnologia do ciclo como um todo e que têm reservas de urânio”.

Kuramoto destaca que o Brasil, com apenas de 30% do território prospectado, possui atualmente a sexta maior reserva de urânio do mundo, com cerca de 600 mil toneladas. “O valor estratégico dessas reservas equivale ao do pré-sal”, afirma.

Hoje, a extração de urânio é monopólio do estado e a única mina em atividade é a de Caetité. Para atender as demandas de Angra 3, está prevista para entrar em atividade até 2014 uma segunda jazida em Santa Quitéria (CE), em parceria com o setor privado.

O engenheiro nuclear Aquilino Senra ressalta que o Brasil foi o 9º país a dominar a técnica de enriquecimento de urânio e que precisa manter a sua capacidade de aperfeiçoar a tecnologia para almejar competir internacionalmente no mercado de fornecimento de urânio.

“O Brasil já poderia ser um player no mercado mundial, só falta vontade política”, afirma. “Se formos exportar urânio, não pode ser em minério puro, precisa ser beneficiado, cujo valor se multiplica em até 30 vezes”.

O governo ainda não tomou a decisão de vai ou não se tornar exportador de urânio ou de serviços na área nuclear. “No momento, não há planejamento para atender o mercado externo”, afirma o diretor da INB.

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