quinta-feira, 10 de março de 2011

Vacina contra meningite C será testada!

Vacina contra meningite C será testada em crianças de Manguinhos

Informe Ensp
Cerca de 360 crianças com idade entre 1 e 9 anos, moradoras de Manguinhos, o bairro em que está situada a Fiocruz, e atendidas por equipes de Saúde da Família da iniciativa Teias - Escola Manguinhos - Território Integrado de Atenção à Saúde, participarão da fase 2 do ensaio clínico que testará a imunogenicidade e a segurança da vacina contra meningite C. A vacina tem tecnologia avançada e está sendo desenvolvida há mais de dez anos pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos/Fiocruz). O estudo, em parceria com o Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), tem como responsáveis o consultor científico de Biomanguinhos Reinaldo de Menezes Martins e a pesquisadora Elyne Engstrom. Ela falou ao Informe Ensp sobre a importância da pesquisa e sobre o processo de desenvolvimento da vacina e a participação da comunidade.
Por que é necessário desenvolver uma nova vacina contra o meningococo C? Já não existe uma vacina nos postos de saúde?
Elyne Engstrom:
 A vacina produzida por Biomanguinhos será testada em crianças de Manguinhos, em ensaio clínico com controle de várias condições da intervenção para garantir qualidade das informações e segurança aos sujeitos do estudo. O projeto Vacina Meningocócica C conjugada tem como objetivo testar a imunogenicidade (capacidade protetora) e a reatogenicidade (segurança) da vacina meningocócica C conjugada de Biomanguinhos em crianças saudáveis de 1 a 9 anos de idade. Não existe, por enquanto, vacina de produção nacional. A disponível hoje é adquirida de laboratório comercial. Indivíduos de qualquer idade são susceptíveis, mas crianças e adolescentes são mais vulneráveis ao meningococo, com risco de adoecimento, sequelas e mortes que poderiam ser evitáveis com a vacina. Futuramente, se houver dois produtores nacionais de vacina contra o meningococo C, será benéfico para o país porque garantirá o fornecimento contínuo, pois a faixa de utilização abrange desde os 2 meses de idade até os 20 anos. Isso é, o público alvo é imenso.
Por que os testes dessa nova vacina serão realizados com a população de Manguinhos?
Elyne Engstron:
 Quando é desenvolvida, uma vacina passa por várias fases de teste antes de ir para o mercado. Esta, de meningite para crianças, já passou pela fase pré-clínica, com testes em animais de experimentação, e pela fase clínica inicial, testada em adultos. Na fase dois ela será testada na sua população alvo para uso no futuro, que são crianças. Haverá, ainda, um estudo de fase 2/3 abrangendo adolescentes, que precederá o registro. Os testes serão feitos com crianças, moradoras de Manguinhos. A pesquisa será desenvolvida no Espaço de Pesquisa Clínica do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria, no período de novembro a março de 2011.
Vamos discutir detalhes do trabalho de campo com os profissionais envolvidos em sessões e reuniões específicas com as equipes de saúde da família. Os agentes de saúde serão responsáveis pela identificação dos voluntários em suas áreas, mas todos os demais procedimentos serão realizados no local do estudo, por pesquisadores treinados - pediatras, enfermeiros, técnicos de laboratório e enfermagem contratados para o estudo. Ao todo, as crianças selecionadas farão três visitas em um mês para a realização de exames e análises. Na primeira visita de recrutamento, em data previamente agendada, serão realizadas entrevistas com os seguintes procedimentos: avaliação dos critérios de elegibilidade (a criança deve estar saudável), apresentação do estudo, assinatura do termo de consentimento; aplicação de questionário, coleta de sangue para dosagem de anticorpos contra meningococo e aplicação da vacina. Após a inclusão, será realizada ainda uma segunda visita, após quatro dias, para avaliação de possíveis eventos adversos. A terceira visita acontecerá 30 dias após a aplicação da vacina.
Depois disso, o acompanhamento se encerra, e teremos os dados necessários para análises visando saber melhor o valor protetor e a segurança da vacina. Poderemos avaliar o aumento de anticorpos, contribuindo para decidir sobre a necessidade de dose de reforço, e verificaremos a segurança no que se refere à presença e natureza (gravidade) de eventos adversos.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Ensp e pela Anvisa. Para minimizar os possíveis riscos relacionados aos procedimentos do estudo, haverá treinamento da equipe para garantir Boas Práticas Clínicas, assim como suporte clínico em tempo integral (24 horas) aos participantes, durante a permanência no estudo, e um comitê de monitoramento dos dados externo e independente acompanhará todo o estudo. Há benefícios individuais, como a proteção dos voluntários ao meningococo e cuidado à saúde diferenciado, benefícios futuros para a coletividade, pela proteção coletiva contra o meningoco propiciada pela vacina, e benefícios para o país, com o desenvolvimento da vacina meningocócica brasileira..
Esta vacina vai entrar no calendário nacional ainda em 2010?
Elyne Engstron:
 Não. A vacina que entrará no calendário é a que o Ministério da Saúde vai comprar de um laboratório comercial internacional, com perspectiva de transferência de tecnologia. Mas, assim que os estudos forem concluídos, e sendo os resultados positivos, o imunizante fabricado por Biomanguinhos poderá ser aprovado pelas instâncias reguladoras para comercialização, e o Brasil tem a chance de, num futuro breve, contar com duas vacinas ótimas contra o meningococo C, a causa mais importante de meningite no Brasil.
O que é a meningite, como pode ser evitada e como pode ser tratada?
Elyne Engstron:
 A meningite é a inflamação das meninges, membranas que envolvem o cérebro. A doença pode ser causada por vários tipos de micróbios, entre eles o meningococo, principal agente durante as epidemias. Trata-se de uma doença grave, que envolve o sistema nervoso central e pode levar à morte. Os principais sintomas são: febre alta, dor de cabeça intensa, náuseas, vômitos, rigidez de nuca e, algumas vezes, manchas na pele (tipo picada de mosquito). Em crianças menores de 1 ano, há também o abaulamento de fontanela (moleira inchada). Apesar de grave e de deixar sequelas, a meningite bacteriana tem cura, desde que diagnosticada rapidamente e tratada com antibiótico apropriado.
Sua transmissão pode ocorrer da garganta de uma pessoa a outra, por gotículas da tosse, espirro e beijo. A meningite nem sempre é transmitida por indivíduos doentes. Algumas pessoas (geralmente adultas) que abrigam o meningococo na garganta podem retransmiti-lo, mesmo sem estarem doentes: são os chamados portadores sãos. A meningite atinge pessoas de todas as idades, sendo as crianças menores de 5 anos as mais afetadas.
Diversas medidas de controle são essenciais para prevenir epidemias de meningite. As principais são: o diagnóstico precoce com a internação de pacientes com sintomas da doença; a vacinação das pessoas em contato muito próximo com enfermos (especialmente dentro do mesmo domicílio); e a vacinação das pessoas com maior risco de adquirir a doença, como as submetidas à retirada cirúrgica do baço (esplenectomizados), as portadoras de disfunção do baço (asplenia funcional da anemia falciforme, da talassemia) ou aquelas com deficiências de imunoglobulinas e do complemento.
No Ministério da Saúde, a meningite é monitorada pela Secretaria de Vigilância em Saúde. Ela é uma doença de notificação compulsória e deve sempre ser notificada em até 24h, pois quando detectada, é necessário tomar todas as medidas de prevenção.
Além do meningococo, existem vários outras bactérias causadoras de meningite, como o hemófilo B e o pneumococo. Biomanguinhos produz a vacina contra o hemófilo B que é utilizada no Programa Nacional de Imunizações, tendo sido os estudos clínicos realizados em Postos de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Biomanguinhos também produzirá a vacina contra o pneumococo, que está sendo distribuída para os Postos de Saúde.
O desenvolvimento da vacina no Brasil
A doença meningocócica tem elevada taxa de letalidade e há muitos sorogrupos de meningococos (A, B, C, Y, W135, etc) que causam doença grave, em especial meningites. No Brasil, atualmente, predomina o sorogrupo C e em segundo lugar, o B. Hoje, a vacina contra meningite em crianças existe apenas no mercado internacional e é desenvolvida por laboratório comercial. Em outubro de 2010, este vacina comprada pelo Ministério da Saúde, entrou no calendário vacinal de menores de 2 anos, segundo normatização do Programa Nacional de Imunização.
Biomanguinhos vem produzindo a vacina contra meningite A e C desde a década de 70 depois que, em 1974, uma epidemia de meningite meningocócica assolou o país. Procurando se preparar para novos surtos da doença, em 1976 o governo brasileiro implantou em Biomanguinhos um centro de produção de vacinas contra meningite A e C. Esta foi a primeira vacina brasileira com polissacarídeo, substância que compõe a cápsula do meningococo. Esta tecnologia utiliza apenas partes do microorganismo, em vez da bactéria inteira.
Embora tenha algumas limitações, como ineficácia abaixo dos 2 anos de idade e proteção por tempo relativamente curto, sua utilização possibilitou ao país a capacitação em modernos métodos de fermentação e purificação, aplicáveis a outros imunizantes bacterianos. A atual vacina contra o meningococo C chama-se conjugada, pois associou-se quimicamente uma proteína ao polissacarídeo (açúcar da cápsula), tornando-a muito mais eficaz.
Publicado em 22/10/2010.

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