quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Precisamos de uma sociedade “educógena”

 Por: Ilona Becskeházy em 
A expressão famílias educógenas foi utilizada pela primeira vez por Jean Floud, em 1961, no texto “Social Class Factors in Educational Achievement”, editado pela OCDE. A meu conhecimento, o único pesquisador brasileiro a fazer menção a ela é CASTRO (1976) que a define como famílias que se caracterizam por oferecer certo tipo de ambiente familiar favorável à educação (p. 73). Esse autor reconhece, entretanto, o caráter vago dessa noção no texto original da OCDE, mas ressalta a conclusão da autora inglesa de que esse tipo de família vai de tornando mais freqüente conforme se sobe na escala social.

NOGUEIRA, Maria Alice. A categoria “família” na pesquisa em sociologia da educação: notas preliminares sobre um processo de desenvolvimento. Revista Inter-Legere, v. 1, n. 9, 2013. (pagina 157).
Por causa da constatação de que o perfil educógeno das famílias (o qual apresenta alta correlação com a renda, mas não dependente dela, como se vê acima) pode ter um efeito no desempenho dos alunos para além das escolas, as provas padronizadas costumam submeter os alunos que as respondem a questionários de cunho sociológico para identificar este componente (família educógena) e separá-lo do efeito da escola.
Isso se dá para que possa ser feita uma avaliação mais justa das escolas e da diferenciação entre elas, inclusive nos famosos rankings. Portanto, é importante conhecer o perfil de seus alunos. Quanto mais famílias educógenas em uma escola, maior a chance de um desempenho médio mais alto, pois mais famílias dão sua contribuição material e comportamental para o sucesso acadêmico de seus filhos.
É por isso, por exemplo, que o Inep divulga o ENEM por escola por faixas de Nível Sócio Econômico (NSE).
Mas para se determinar isso em larga escala, foi preciso traduzir essa percepção em perguntas de questionário. As provas padronizadas no Brasil também adotam essa prática, embora sejam mais concentradas em avaliar a renda do que a prática educógena ou anti-educógena das famílias.
Resolvi usar os questionários do Pisa, que acho mais abrangentes e lógicos para esse propósito, e fazer uma comparação. Em primeiro lugar então, vamos ver o que é que o pessoal do Pisa resolveu perguntar aos participantes do exame, para além dos itens de conforto e conexão com o mundo que são mais comuns nos questionários brasileiros, com foco maior na determinação da renda das famílias:
Próprio quarto
Software educacional
Internet
Dicionário
Lugar tranquilo para estudar
Escrivaninha
Livros de texto
Literatura clássica
Poesia
Obras de arte
Quantos livros em casa
Instrumentos musicais
Fiz uma comparação entre países da Europa e América do Norte e os da América Latina participantes do Pisa e reforcei o que já esperava: os alunos de países desenvolvidos contam com domicílios muito melhor preparados para o bom desempenho escolar que os da América Latina. Todos esses itens estão relacionados a enormes diferenças de desempenho quando o aluno responde sim ou não sobre tê-los à disposição em casa. O que faz mais diferença é a quantidade de livros em casa: a diferença em ter poucos (0-15) e mais de 500 livros. Nos países da Europa e América do Norte a diferença é entre os dois extremos é da ordem de 100 pontos, na América Latina é bem menor, em particular no Brasil e no México, assim como é menor a proporção de famílias com muitos livros em casa, de acordo com a resposta dos alunos. É possível que famílias de renda mais alta até tenham livros em casa, mas os alunos não os lêem!
Não é só uma questão de renda, mas de cultura e valorização de hábitos acadêmicos. As famílias brasileiras precisam mudar de hábitos para poderem esperar mais de seus filhos do ponto de vista acadêmico e também para poderem exigir mais do governo!

 Fonte: Excelência & Equidade em Educação Desenvolvimento econômico e justiça social de mãos dadas
https://exequi.com/2017/01/16/precisamos-de-uma-sociedade-educogena/