quarta-feira, 17 de maio de 2017

Inteligência artificial está entre os destaques de feira de educação que acontece em São Paulo

Inteligência artificial está entre os destaques de feira de educação que acontece em São Paulo

Evento ocorreu entre os dias 10 e 13 de maio
Grupos de cientistas e grandes corporações de todo o mundo têm buscado desenvolver sistemas computacionais inteligentes capazes de ajudar as pessoas a aprender. As possibilidades, os efeitos e as implicações éticas da aplicação da chamada Inteligência Artificial (IA) na educação são temas que vêm ganhando espaço nos debates na área de tecnologia educacional em todo o mundo. No Brasil, a discussão aparece com força este ano durante a feira e congresso Bett Educar, evento de educação e tecnologia para a América Latina.
Quando um sistema computacional é capaz de processar constantemente novos dados e alterar suas respostas de forma a obter melhores resultados é considerado um sistema de Inteligência Artificial. É dito inteligente porque, como os humanos – ao menos alguns deles – aprende ao interagir com o ambiente e, pela experiência, passa a tomar decisões mais eficazes. A diferença é que a velocidade do aprendizado das máquinas é muito superior àquela das pessoas.
A primeira mudança da IA na área educacional é uma mudança cultural. Ainda que sejam programadas para ajudar na aprendizagem, agora que as próprias máquinas são capazes de aprender, o que devem aprender os estudantes? Com certeza, só será relevante algo que os diferencie dos computadores. “Cada vez mais passam a ser valorizadas características como a criatividade e a capacidade de solucionar problemas. A atividade humana vai ser mais qualificada, vamos fazer apenas o que uma máquina não puder”, afirma Vera Cabral, diretora de conteúdo da Bett Educar e professora visitante da Columbia University.
Segundo Vera, o ensino superior já vem sofrendo um forte impacto sobre o perfil de formação do aluno. “Há um grande banco no Brasil que substituiu seu telemarketing pelo sistema de inteligência artificial da IBM. Mas até em atividades bastante especializadas há aplicações que substituem o profissional”, diz ela. Há exemplos no direito, em que o sistema inteligente faz petições e recursos com mais sucesso que os advogados humanos, e na medicina, com etapas do diagnóstico em que a IA acerta mais do que os médicos. “Isso impacta o perfil dos alunos de nível superior e vem numa cadeia para toda a educação”, diz.
Outra transformação que atinge os estudantes de forma indireta é o uso da IA na gestão de escolas e redes de ensino. “Com a análise de uma enorme quantidade de dados, é possível fazer análises de perfis de inadimplência ou dar previsões de evasão”, cita Vera. Atualmente já há sistemas que fazem esse tipo de análise, mas a aplicação de inteligência artificial tende a deixar os resultados cada vez mais precisos. Um diretor ou professor atento também conseguem fazer essas previsões, mas em escala reduzida. “Quando falamos em uma rede como a do Estado de São Paulo, com 250 mil professores, 4,5 milhões de alunos, as análises de IA podem ajudar o gestor a tomar decisões estratégicas.”
Risco de novas bolhas
Os gestores também podem aproveitar os sistemas com IA para reunir turmas ideais. Um algoritmo passaria a decidir que colegas são mais indicados para trabalhar juntos, sob a supervisão de qual professor, e com que tipo de atividades, de forma a favorecer o aprendizado.

“Há centenas de indicadores possíveis para descrever uma pessoa: gostos, classe social, perfil psicológico, tendência de atuação profissional. Todas as combinações seriam analisadas com base em estatísticas históricas e o sistema seguiria com um acompanhamento constante para se desenvolver ainda mais”, descreve Ricardo Santos, gerente de desenvolvimento em educação da Cisco, uma das empresas presentes na Bett Educar. “E cada disciplina ou projeto pode ter um agrupamento diferente: certas pessoas funcionam bem para aprender juntas sobre matemática, mas não geografia.”
De acordo com Santos, a tecnologia atual já está disponível para esse tipo de uso. O único empecilho do momento é de ordem ética. “É interessante olhar em perspectiva. Alunos em fase de formação estão desenvolvendo sua personalidade, e o mundo lá fora é o mundo da diversidade, um lugar onde você não vai se relacionar só com pessoas que são fáceis para você”, lembra ele. O questionamento que os educadores fazem é: será que essas divisões são benéficas, pois fazem os estudantes aprenderem mais rapidamente, ou acabam sendo ruins por criarem um novo tipo de bolha?
Santos defende que é possível criar grupos homogêneos em determinadas situações, mas em outras permitir que os estudantes trabalhem em meio à diversidade. “Talvez para projetos de pesquisa, para dar uma maior velocidade em certos aprendizados, valha a pena montar esses grupos. Mas tem de ser usado a serviço do projeto pedagógico; é ele que vai ditar quando é apropriado.”
Ainda que a IA não tenha chegado efetivamente às salas de aula, o gerente da Cisco defende que os educadores devem conhecer e debater o tema. “A sociedade brasileira ainda está no estágio muito anterior, estamos discutindo a Base Nacional Comum Curricular. Mas a tendência é o processo se acelerar. Quanto mais disponíveis ficam as tecnologias, mais rápidas as transformações. Não faz muitos anos enfrentávamos a falta de linhas de telefone e a realidade mudou drasticamente: todos se comunicam porque a tecnologia está disponível. Temos de estar conectados a estas discussões também.”
Adaptar e personalizar
Na interação direta com o aluno, a principal função da IA é adaptação do currículo de acordo com os interesses e facilidades de cada um. Para o professor com classes com 40, às vezes 50 alunos, a IA pode dar suporte para que trabalhe de forma mais individualizada. “O sistema percebe o aluno, percebe no que ele é diferente dos outros, e adapta um plano de estudos para aquele indivíduo. Para fazer isso, precisa de informações específicas. Assim, vai perceber que certo aluno prefere ler, outro vai melhor se fizer exercícios, e muda a forma de oferecer o conteúdo”, explica a professora da Universidade Federal de Uberlândia Márcia Aparecida Fernandes, pesquisadora na área de inteligência artificial aplicada à educação.

A IA ainda não é usada em larga escala para fins pedagógicos; o que se têm são experiências e pesquisas sobre processos pontuais. De forma geral, as pesquisas até o momento indicam que as interferências da IA são benéficas para o aprendizado.
Na educação a distância (EAD), a IA tem potencial de promover transformações em menor prazo, porque o aluno está em um ambiente virtual, onde é mais fácil colher dados. E nessa modalidade, há uma grande plataforma que usa o recurso: o Coursera. “Toda a experiência de aprendizado do estudante (palestras assistidas, tarefas realizadas etc.) é registrada e, com base na análise de uma grande quantidade de dados de alunos que já realizaram cursos pela plataforma, é possível identificar padrões de comportamento e dar recomendações (de novos cursos) baseadas em tais padrões históricos identificados”, relata Marcelo Cosentino, vice-presidente de Professional Services da Totvs, outra companhia que levará o tema à Bett Educar.
Mas, para além de recomendar determinada trilha de conhecimento de acordo com o perfil do estudante, há a possibilidade de mudar o próprio processo de aprendizagem, avalia a professora Márcia. “A IA pode tornar o sistema mais interativo entre os vários estudantes, ajudar para que ele não se sinta tão solitário. Mas vai ajudar na motivação de forma individualizada – e não de acordo com um padrão”, afirma.
Para quem está estudando em frente a um computador, pode-se usar também a chamada computação afetiva, ou seja, o sistema detecta emoções captadas pela câmera e apresenta o conteúdo ideal para aquele momento. Se o estudante bocejou, é hora de passar para uma atividade mais desafiadora, por exemplo. “A computação afetiva é usada em sites de banco, de empreendimentos caros, que leem as expressões do visitante para reagir de acordo com o que foi captado. E vai armazenando o histórico de emoções e respostas para poder tomar decisões diferentes no futuro”, relata a professora.
A computação afetiva é possível atualmente porque há câmeras que captam a face em praticamente qualquer modelo de aparelho digital e também porque o poder de processamento dos computadores é muito rápido, permitindo uma resposta em tempo real. Mas os avanços tecnológicos são capazes de “ler” nossas emoções graças a conclusões de um estudo da área das humanidades. “A avaliação das expressões só é possível porque tem como base uma teoria psicológica (do americano Paul Ekman) sobre as mudanças nos músculos da face de acordo com seis emoções básicas”, lembra Márcia.
Para a IA ser efetiva na promoção do aprendizado, uma boa modelagem é essencial. “Primeiro, deve-se definir quais características observar do aluno para fazer o sistema se adaptar. Então, seguimos teorias pedagógicas e psicológicas para oferecer a personalização. Mas mesmo extrair informações de personalidade, gostos e dificuldades não é trivial”, conta Márcia. Por isso, a pesquisadora não acredita que a máquina seja capaz de substituir o ser humano – ao menos não no curto prazo. “O ser humano tem características que vão além da nossa própria compreensão – e se eu não consigo modelar, não consigo fazer a máquina entender.”
Apesar disso, nunca é demais estar atento com relação ao excessivo entusiasmo que os admiráveis mundos novos parecem causar. A eles, muitas vezes, estão ligados devaneios de resolutividade total de questões complexas, num namoro muito próximo com visões totalitárias.

Inteligência artificial x sistema inteligente

Sistemas computacionais ditos “inteligentes” já são amplamente utilizados pela população, mas são diferentes dos sistemas com inteligência artificial. Marcelo Cosentino, vice-presidente de Professional Services da Totvs, usa o exemplo de um carro para mostrar o que significa na prática cada um dos conceitos. No painel, existe uma série de instrumentos que ajudam na condução e manutenção do veículo. Quando acender a luz do combustível, você sabe que precisa abastecer – é um retrato atual do momento e foi preciso acontecer algo (diminuir o nível de combustível) para acionar um alerta. Isso é um sistema inteligente”, diz.
Agora imagine que você colocou no GPS do carro um destino e pediu para ele traçar uma rota, sugere Cosentino. Além de desenhar o caminho, seu carro analisa uma série de informações e sugere um roteiro que inclui passar em um posto de gasolina determinado, recomenda calibrar os pneus, completar o tanque com etanol, trocar a luz de ré que está perto do fim da vida útil. E ainda avisa que no km 120 da viagem a loja de comidas típicas onde você sempre para estará aberta e, caso você fique lá 30 minutos como de costume, chegará ao destino às 18h. Isso é inteligência artificial. “A IA analisa uma série de dados históricos, monitora situações de momento, encontra padrões de comportamento e recomenda ações com base na probabilidade de esses padrões se repetirem. Para isso, utiliza diversas técnicas de estatísticas e alto poder de processamento”, explica o executivo.

A importância do pensamento espacial



Habilidade desempenha papel fundamental na resolução de problemas, tanto os do cotidiano, como encontrar o carro no estacionamento, quanto os altamente específicos, como desenhar um satélite
Por Eloisa Neri de Oliveira e Guilherme Brockington, da revista Neuroeducação
Você já percebeu que quando pensa em um objeto já possui alguma referência sobre as suas formas? Por exemplo, ao ouvir a palavra “cadeira”, você já imagina um objeto com quatro partes iguais ou semelhantes que apoiam um assento e um encosto. Essa maneira de pensar e raciocinar de maneira visual, com formas e disposição no espaço, é chamada de pensamento espacial pela ciência cognitiva.
Dizer que determinado objeto é uma cadeira faz parte de um processo de categorização em uma classe de objetos, e esse processo é chamado de generalização. Ele consiste em reconhecer qualidades e propriedades similares em objetos de uma mesma classe/tipo, que, nesse caso, são as suas propriedades espaciais.
Esse processo não é imediato em nossa vida. Primeiramente, reconhecemos as qualidades dos objetos e só depois vamos encontrando semelhanças entre eles e fazendo categorizações. A ideia é a busca por uma invariante no universo em que vivemos.


Mas como pensamos o mundo em que estamos imersos? O pensamento espacial é desenvolvido por meio da nossa vivência cotidiana. Há diversas evidências científicas de que as nossas experiências sensoriais podem ser a base do conhecimento humano, pois é por meio delas que possuímos referências sobre o mundo.
O pensamento espacial é a maneira pela qual nos orientamos e manipulamos o espaço que nos rodeia. A ciência cognitiva e as neurociências apontam cada vez mais o quanto essa habilidade é imprescindível na resolução de problemas, tanto aqueles do cotidiano, como encontrar o carro no estacionamento, quanto aqueles mais específicos, como desenhar um satélite espacial ou acertar um arremesso em um jogo de basquete. Mas, muito mais importante do que essa ligação com situações mais práticas da vida, o pensamento espacial parece estar profundamente ligado com a estrutura do pensamento como um todo e desempenha um papel fundamental no curso de sua vida. Ele pode contribuir para a determinação de uma carreira bem-sucedida, bem como significar a diferença entre a clareza mental e o declínio cognitivo.
Uma das manifestações do pensamento espacial ocorre quando queremos expressar algo abstrato por meio de alguma ação. Dessa forma, misturamos alguma ideia de ação física com alguma sensação. Por exemplo, comumente utilizamos a expressão “isso está fora do meu alcance” para expressar alguma tarefa que não somos capazes de executar. Claramente estamos fazendo uso de uma ideia relacionada a uma ação ligada a uma localização no espaço (fora do meu alcance) ainda que o sentido que desejamos atribuir seja outro, mas podemos dizer que nossa estrutura de pensamento, nesse caso e em diversos outros semelhantes, está diretamente associada à disposição espacial.
Além disso, há evidências de que o pensamento espacial desempenha um papel fundamental tanto na atividade científica quanto na aprendizagem de ciências. Há diversos episódios na história das ciências nos quais a resolução de problemas esteve diretamente relacionada a algum tipo de pensamento espacial.
Um exemplo histórico ocorreu em 1865, quando August Kekulé descreveu a molécula de benzeno na forma de um anel depois de “ter visto” uma cobra engolindo a própria cauda. Nesse caso, foi por meio das relações com o mundo (imaginar os movimentos de uma cobra) que Kekulé conseguiu transpor algo real para algo inteiramente abstrato.
Com relação ao pensamento espacial, é bastante conhecido o papel central da construção de um modelo espacial tridimensional de imagens planas por James Watson e Francis Crick na descoberta da estrutura do DNA.


Fenômenos similares acontecem na aprendizagem de ciências. Os biólogos descrevem em detalhes os processos que ocorrem no interior das células utilizando com frequência palavras como “entra”, “se movimenta”, “abre” etc. Para a ciência, essa habilidade de fazermos diversas representações espaciais é absurdamente importante e pode ser materializada em seus diagramas, gráficos e modelos para representar os mais diferentes construtos científicos e os dados mais abstratos corriqueiramente coletados.
Na educação em ciências, não parece ser diferente. Diversas pesquisas apontam para a relação entre o pensamento espacial e a aprendizagem de conceitos científicos. Talvez a que mais chame atenção seja uma série de estudos longitudinais conduzidos de 1950 até 2009, nos Estados Unidos. Mais de 400 mil crianças foram acompanhadas desde o ensino médio até o final da vida adulta, e os resultados revelaram que aquelas que tiveram altas pontuações em testes de pensamento espacial na escola tinham, ao longo da vida acadêmica, um desempenho muito melhor em ciências e matemática do que aquelas que tiveram pontuações baixas nos testes espaciais.
Além disso, nessa mesma pesquisa, os alunos que apresentaram, no ensino médio, notas altas em pensamento espacial eram muito mais propensos a seguir carreiras científicas do que aqueles com pontuações mais baixas. Assim, essas evidências revelam que o desenvolvimento de habilidades espaciais parece ser tão importante para o sucesso em ciências quanto as habilidades verbais ou matemáticas.
Também, com o objetivo de investigar a relação entre o pensamento espacial e as habilidades científicas, pesquisadores analisaram o cérebro de Albert Einstein após sua morte. Os resultados revelaram que seu córtex parietal, região do cérebro associada ao pensamento espacial e matemático, tinha um tamanho surpreendentemente maior do que o da maioria das pessoas, além de possuir uma configuração estrutural pouco usual. Atualmente, diversas pesquisas com o uso de imagens por ressonância magnética funcional trazem resultados que apontam uma forte correlação entre pensamento espacial e matemática, processados principalmente no córtex parietal.
Esses resultados, advindos das novas tecnologias com tomografia cerebral, sugerem que o pensamento espacial não é um tipo único de “inteligência” ou habilidade cognitiva. Pelo contrário, o pensamento espacial parece ser um conjunto complexo de processos paralelos que envolvem uma série de estruturas especializadas em diferentes partes do cérebro humano, o que revela o quão imbricado ele está com nossa estrutura de pensamento.
Assim, se o pensamento espacial é mesmo tão fundamental para os processos cognitivos, como podemos promover seu desenvolvimento? Ao considerarmos as evidências de pesquisas, como devemos tratá-lo nas escolas e no contexto educacional?
Como estimular na escola?


Acreditamos que a melhor forma de começar, como pesquisadores e educadores, a responder a essa pergunta é despertar o interesse das pessoas pelo pensamento espacial. É preciso que a sociedade, pais e professores saibam a importância de trabalhar essa habilidade cognitiva nas crianças, tanto em casa como nas escolas. Ao pensar a educação formal, seria ideal que o pensamento espacial fosse reconhecido como uma parte essencial do ensino fundamental. E isso deve ser feito de maneira tal que ele estivesse integrado em todo o currículo, como em cursos de português, matemática, história e ciência.
Por exemplo, um tipo de pensamento espacial que desperta um interesse particular nos cientistas é a rotação mental. Esse é um aspecto muito estudado e há fortes evidências de sua relação com o desenvolvimento do pensamento espacial e de sua ligação direta com a aprendizagem do raciocínio matemático. Assim, a rotação mental não só pode estar integrada ao ensino de matemática, como também ser largamente usada em aulas de geografia ou história, com discussões acerca de formações rochosas ou a leitura de mapas antigos e suas relações topográficas com os desenvolvimentos sociais. Isso porque parece crucial ser capaz de visualizar o que não se pode ver ou tocar.
Com uma abordagem assim, os alunos podem deduzir o que aconteceu há milhões ou centenas de anos, levando-os a compreender a vida de forma que, sem pensar de maneira espacial, seria absurdamente empobrecida ou até mesmo impossível.
É imprescindível o enriquecimento das aulas com experiências sensoriais e visuais, pois o domínio do conhecimento, que é abstrato, ocorre proporcionalmente ao enriquecimento do concreto-sensorial do aluno. É preciso um envolvimento ativo do estudante durante a aula para que o pensamento espacial possa se concretizar, auxiliando na aprendizagem de conceitos escolares.
Isso significa que é muito importante professores e pesquisadores mostrarem que é necessário garantir que os alunos tenham, desde o mais cedo possível, garantido o desenvolvimento de suas habilidades de raciocínio espacial.
No âmbito familiar, seria muito interessante levar os pais a perceber que o pensamento espacial deve ser incentivado em casa. Quando uma criança vai em uma viagem, eles precisam saber que tipo de recurso estão olhando, de modo que ela possa olhar para cima, para baixo, a seu redor. Quando se considera o mundo atual, o celular comanda a vida, de maneira que usualmente se olha apenas para sua tela… Imagine a diferença cognitiva entre se guiar por um mapa ou por um GPS. Ou seja, grande parte do tempo, não se incentiva as crianças a se localizarem no espaço, tampouco a saber o que estão vendo. E isso precisa mudar.
A grande mensagem que as evidências das ciências cognitivas e neurociências nos dão é que, se você está mudando espacialmente, ainda pode aprender. No instante em que se tornar passivo, você certamente diminui ou para de aprender.

As principais contribuições de Jacques Lacan para a educação

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Entenda alguns dos conceitos desenvolvidos pelo médico e psicanalista francês



Na Paris dos anos 1920, o psiquiatra e psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981) frequentava livrarias e se reunia com os surrealistas, assistia com entusiasmo à leitura pública de Ulisses, de James Joyce (1882-1941), ligando-se a escritores, poetas, artistas plásticos, filósofos. Formado em medicina, Lacan orientou-se desde o começo de sua vida profissional para a psiquiatria e a psicanálise. Mas, por seus interesses e suas práticas mais abrangentes que os da psicanálise da primeira geração, nunca foi reconhecido pela Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), para a qual apresentava trabalhos que não eram levados em conta.
Seu anticonformismo parecia causar irritação em seus pares na psicanálise de então. No entanto, fora dos círculos psicanalíticos, era considerado brilhante intelectual. Foi o único, entre os grandes intérpretes da história do freudismo, a dar à obra freudiana uma estrutura filosófica e a tirá-la de suas bases biológicas, sem com isso cair no “espiritualismo”.
A partir de 1936, Lacan iniciou-se na filosofia hegeliana, quando assistia ao seminário de Alexandre Kojève (1902-1968). Frequenta­va sedes de revistas culturais e participava de reuniões no Collège de Sociologie, onde conviveu com diversos intelectuais, entre os quais o escritor Georges Bataille (1897-1962), cuja esposa viria a ser a segunda mulher de Lacan. Desses anos de grande ebulição intelectual e teórica tirou a certeza de que a obra freudiana devia ser relida “ao pé da letra” e à luz da tradição filosófica alemã.
Em 1938, a pedido de Henri Wallon (1879-1962) e do historiador Lucien Febvre (1878-1956), Lacan fez um balanço sombrio das violências psíquicas próprias da família burguesa em um verbete da Encyclopédie française. Constatando que a psicanálise nasceu do declínio do patriarcado, passou a apelar para a revalorização da função simbólica da psicanálise no mundo cada vez mais ameaçado pelo fascismo.
Lacan sempre manteve fortes relações intelectuais fora do meio psicanalítico: com o linguista Roman Jakobson (1896-1982), com o antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908-2009), com os filósofos Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) e Martin Heidegger (1889-1976), com os surrealistas, entre outros. Sob influência desses pensadores, adotou um questionamento profundo sobre o estatuto da verdade, do ser e do que significa considerar-se “sujeito” diante da complexidade do mundo contemporâneo. Da linguística, extraiu sua concepção de significante e de um inconsciente organizado como linguagem; da antropologia, deduziu a noção de simbólico, que utilizou na tópica SIR (simbólico, imaginário, real), assim como sua releitura universalista da interdição do incesto e do complexo de Édipo.
Durante dez anos, duas vezes por mês, Lacan realizou seu seminário público, aberto a quaisquer interessados, comentando sistematicamente todos os grandes textos do corpus freudiano e dando origem a uma nova corrente de pensamento: o lacanismo, cujos preceitos seriam discutidos não apenas por psicanalistas, mas por intelectuais de peso como Michel Foucault (1926-1984) e Gilles Deleuze (1925-1995).
Em seus seminários, atraiu muitos alunos, fascinados por seu ensino e desejosos de romper com o freudismo acadêmico da primeira geração francesa de psicanalistas. Começou então a ser reconhecido ao mesmo tempo como didata e como clínico, fundando duas escolas de psicanálise, que se dissolveram por divergências internas. Seu senso agudo da lógica da loucura, sua abordagem original do campo das psicoses e seu talento discursivo lhe valeram, ao lado de Françoise Dolto (1908-1988), um lugar especial aos olhos da jovem geração psiquiátrica e psicanalítica.
Em 1951, comprou uma casa de campo a cerca de cem quilômetros de Paris. Retirava-se para lá aos domingos, onde recebia seus pacientes e dava recepções. Ao lado de sua segunda esposa, Sylvia Bataille, que era atriz, fazia teatro para os amigos, fantasiava-se, dançava, divertia-se e às vezes usava roupas extravagantes. Nessa casa colecionava um número considerável de livros que, ao longo dos anos, formaram uma imensa biblioteca que demonstrava o tamanho de sua paixão pelo trabalho intelectual. Em um cômodo que dava para o jardim, organizou um escritório repleto de objetos de arte. Nessa casa, pendurou o famoso quadro de Gustave Courbet (1819-1877) A origem do mundo.
Depois da morte de Lacan, em 1981, o lacanismo fragmentou-se numa multiplicidade de tendências, grupos, correntes e escolas, sendo implantado de maneiras diversas em muitos países, tendo o Brasil e a Argentina alguns de seus representantes mais férteis. Entre as contribuições mais importantes de Lacan para o campo da educação estão as noções de estádio do espelho e de eu ideal.
O estádio do espelho e o eu ideal


Segundo Lacan, nos primeiros meses de vida de uma criança, não há nada parecido a um eu, com suas funções de individualização e de síntese da experiência. Falta ao bebê o esquema mental de unidade do corpo próprio que lhe permite constituir esse corpo como totalidade, assim como distinguir interno e externo, individualidade e alteridade.

É só entre o sexto e o décimo oitavo mês de vida que tal esquema mental será desenvolvido. Para tanto, faz-se necessário o reconhecimento de si na imagem do espelho ou na identificação com a imagem de outro bebê. Ao reconhecer pela primeira vez sua imagem no espelho, a criança tem uma apreensão global e unificada de seu corpo. Assim, essa unidade do corpo será primeiramente visual e é condição fundamental para o desenvolvimento psíquico do bebê.
As imagens determinam a vida do indivíduo, representam um dispositivo fundamental de socialização e individuação, fazem parte da realidade psíquica. A partir delas, nasce a fantasia. Nesse processo, surge um conceito reelaborado por Lacan, a partir de Freud: o eu ideal, que representa a ideia que o indivíduo tem de si mesmo na forma arcaica e que delimitará suas identificações posteriores.
O eu arcaico, segundo Freud, expulsa o insatisfatório e internaliza as experiências satisfatórias. Para Freud, a constituição do eu se dá de dentro para fora; para Lacan, ao contrário, se dá de fora para dentro. Segundo o francês, para orientar-se no pensar, no sentir e no agir, para aprender a desejar, para ter um lugar na estrutura familiar e social, a criança precisa inicialmente raciocinar por analogia (no sentido da mimesis grega): imitar uma imagem na posição de tipo ideal, adotando, assim, a perspectiva de um Outro. Tais operações de imitação são importantes para a orientação das funções cognitivas e afetivas, e têm valor fundamental na constituição e no desenvolvimento subsequentes do eu em outros momentos da vida madura.
Na alienação do sujeito ao Outro, o infans (o “sem palavras”) se identifica e se experimenta. Começa então a circulação do desejo: fazer-se reconhecer, ser desejado e desejar o desejo do Outro. Imagem, palavra, alimento e cuidados são expressões dos rumos da pulsão, em suas diferentes modalidades: oral, anal, visual e vocal. Esse processo vai inscrevendo as representações no inconsciente, o que dará espaço ao processo de estruturação psíquica do sujeito sustentado pelo desejo do Outro.
Depois de reconhecer-se no espelho, as imagens dos irmãos, do pai, da mãe e de seus substitutos sociais farão parte da “imagem ideal”, necessária para a socialização. Esse dispositivo permitirá a entrada da criança numa trama sócio-simbólica, cujo núcleo é a família, mas que se compõe de outras figuras com função de autoridade. Entre esses personagens, o professor tem papel fundamental.
Dessa forma, a criança introjeta uma imagem que vem de fora (do espelho e dos humanos que a cercam). Por meio do olhar, da linguagem, do toque, da entonação da voz do Outro e de outros aspectos da comunicação inconsciente, se estabelece uma intensa troca (ou uma falha também imensa) entre a criança e a cultura.
Assim nasce o sujeito lacaniano, aquela estrutura com a função de ser o lugar em que o eu pode reconhecer-se, mas onde sua autonomia total se quebra diante da dependência do externo.

Outros conceitos desenvolvidos por Lacan

Gozo e perversão


Para Lacan, o conceito de gozo implica a ideia de transgressão da lei: desafio, insubmissão ou escárnio. O gozo, portanto, participa da perversão, teorizada por Lacan como um dos componentes estruturais do funcionamento psíquico. Na perversão, o sujeito só encontra prazer quando a lei é transgredida.

Simbólico, Imaginário, Real


Essa tríade de conceitos, a partir de 1953, forma uma estrutura que, segundo Lacan, passaria a determinar e equilibrar as relações intrapsíquicas:
– O simbólico designa a ordem civilizatória a que o sujeito está ligado, como um lugar psíquico em que são reconhecidos os discursos produtores de “verdades”.
– O imaginário se define como um lugar no eu onde são acolhidos os fenômenos de representações ilusórias, utilizados para aplacar as vivências angustiantes advindas do real.
– O real designa qualquer fenômeno, aquilo que ainda não tem representações ou simbolizações no eu, que está no plano das vivências corporais ou emocionais e que, em geral, causa angústia ou sofrimento.

Significante


Esse termo foi introduzido por Ferdinand de Saussure (1857-1913) para designar a parte do signo linguístico que remete à representação psíquica do som (ou imagem acústica), em oposição à outra parte, ou significado, que remete ao conceito.

Retomado por Lacan como um conceito central em seu sistema de pensamento, o significante transformou-se, em psicanálise, no elemento do discurso (consciente ou inconsciente) que fará parte de uma série que, por sua vez, determinará os atos, as palavras e o destino do sujeito, à sua revelia e de acordo com uma nomeação que vem do simbólico.

Evolução nas práticas pedagógicas é o grande desafio para a educação especial, diz professora da USP

Em entrevista à Educação, Karina Pagnez, docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, destaca importância de discutir inclusão escolar na graduação e preparar melhor o professor para receber o aluno público-alvo da educação especial nas classes comuns


O número de matrículas de alunos público-alvo da educação especial (com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades) em classes comuns cresceu significativamente nos últimos anos. Segundo dados do Censo Escolar, entre 2008 e 2015, a porcentagem de escolas que incluem esses alunos em classes comuns aumentou de 31% para 57,8%.
Esses dados, no entanto, não significam que a inclusão escolar seja realmente efetiva. Isso porque, apesar do estudante frequentar classes comuns e ter direito ao acompanhamento de um especialista que ofereça atendimento educacional especializado (AEE), não raro a inclusão esbarra em um problema que ainda representa um grande desafio para o Brasil: a formação de professores. É o que afirma Karina Pagnez, especialista em educação especial e professora na Faculdade de Educação da USP (Feusp). “No caso de uma pessoa com deficiência intelectual profunda, mais efetiva, a escola no padrão de hoje, da forma que existe, não está dando conta. E os professores não estão preparados, não são formados para isso.”
Em entrevista à revista Educação, Pagnez deu um panorama de como está a inclusão escolar no Brasil e falou sobre a importância de investir na formação inicial de professores para atender aos alunos da educação especial – algo que, hoje, tem sido feito apenas na formação continuada. “Muitas vezes, quando falamos em formação continuada, temos o seguinte problema: ou depende da pessoa fazer essa formação, ou depende das redes, como a municipal e estadual, que acabam assumindo essa responsabilidade e oferecendo cursos”, explica. “Infelizmente, a formação inicial não está dando conta disso.” Confira a entrevista a seguir:
Qual a diferença entre educação especial e educação inclusiva?
No Brasil, a educação especial é uma modalidade de ensino, então ela perpassa da educação infantil até o ensino superior. A educação especial é uma área de pesquisa, uma área de estudo. Isso é a área de educação especial. A educação inclusiva se consolida como uma proposta, uma perspectiva que a educação deveria assumir a partir da Declaração de Salamanca (1994), que espera que a educação em todos os países dê conta de discutir as necessidades específicas dos estudantes. Entre essas necessidades, a questão da deficiência, transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades. A educação inclusiva é muito mais ampla.
Em que momento, no Brasil, começou-se a matricular os alunos da educação especial nas escolas regulares, em classes comuns?
Isso é produto da política nacional [Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva], de 2007, que começa efetivamente em 2008. A partir de 2008, a gente tem um movimento de inclusão escolar do público-alvo da educação especial. É a partir daí que começam as matrículas.
Qual o panorama da inclusão escolar hoje no Brasil? O país avançou?
Desde 2007, o número de estudantes com deficiência nas escolas aumentou. Olhando dados do IBGE, é expressiva a mudança. Mas a grande questão, foco das minhas pesquisas, é o que está sendo feito na prática pedagógica. Tem avançado sim, mas não o que seria necessário. Precisamos investir fortemente em formação de professores, para que eles tenham uma formação que, como diz a política nacional e a LDB (Lei de Diretrizes e Bases), termos os professores capacitados e os especialistas. Capacitado é todo professor que se forma professor e tem o mínimo de conhecimento da área de educação especial e do público-alvo que ela atende. E os especialistas são os profissionais responsáveis pelo atendimento educacional especializado, um direito das pessoas com deficiência, transtorno global de desenvolvimento, altas habilidades e superdotação. Agora, com a lei de inclusão da pessoa com deficiência, de 2015, constitui-se o direito das pessoas com deficiência.
Como é a formação hoje nas universidades em relação ao preparo para questões como receber, ensinar e avaliar a aprendizagem do aluno com deficiência?
Em 2016, terminei um projeto que investigava o atendimento educacional especializado, e discutia muito essa questão de formação. Hoje, na universidade, há uma garantia nos cursos de licenciatura, incluindo a pedagogia, que é a disciplina de libras. Ela é obrigatória pelo decreto 5.626, de 2005. A questão da educação inclusiva também tem aparecido em algumas grades como conteúdo de uma disciplina ou duas, mas não é muito estudado nem explorado. Temos a realidade da pedagogia, que tem algumas disciplinas que discutem esse tema; e a realidade dos outros cursos de licenciatura, que, em sua maioria, não discutem as outras condições de deficiências, só oferecem libras. Aqui na USP, por exemplo, fizemos um movimento a partir de 2011 para que todas as licenciaturas tivessem uma disciplina que aborda tanto educação especial quanto a educação de surdos e libras. Essa disciplina é oferecida para todos os cursos. Mas é algo muito novo. Até então, não havia disciplina alguma que discutisse essa temática nas licenciaturas.
Fora a graduação, o que o professor pode buscar para melhorar essa formação?
O curso de pedagogia teve mudanças nas suas diretrizes curriculares em 1996. Até então, oferecia habilitações. Tinha habilitação em surdez, em cegueira… Algumas instituições ofereciam esses cursos. Aqui na Feusp foi oferecido para deficiência intelectual e deficiência visual. Com a mudança das diretrizes e a proposta de ter um curso de pedagogia mais generalista, essas habilitações foram extintas. Então, você não tem mais a formação de especialistas na graduação. Isso passou a ser uma responsabilidade da pós-graduação. Há várias pós-graduações sendo oferecidas, presencial ou virtualmente. Mas você não oferece uma formação inicial que capacite as pessoas para trabalhar. E, muitas vezes, quando falamos em formação continuada, temos o seguinte problema: ou depende da pessoa fazer essa formação, ou das redes municipais e estadual, que acabam assumindo essa responsabilidade e oferecendo cursos. Em São Paulo, o município oferece muito mais cursos de formação para os seus professores do que o estado. E não estou falando em política, porque as propostas são diferentes, mas bastante interessantes. O Brasil tem a melhor legislação em relação à educação especial. Mas isso não implica implementação e práticas que condigam com isso. Essa formação para lidar com educação especial vem como formação continuada e é assumida como responsabilidade pelo professor ou pela rede.
E as escolas, estão preparadas para receber o aluno da educação especial?
A partir da lei da inclusão de 2015, todo prédio, privado ou público, tem de ter acessibilidade arquitetônica. As escolas têm sido modificadas, recebido rampas, elevadores. Em alguns casos, as rampas estão fora dos padrões da ABNT, mas existe o movimento da acessibilidade arquitetônica. Na lei da inclusão, fala-se em barreiras, porque a condição de deficiência se constitui no encontro entre uma limitação biológica e física de um indivíduo e as barreiras construídas socialmente.  A condição de deficiência não é uma responsabilidade do indivíduo, é fruto do encontro da condição desse indivíduo com as barreiras sociais. Essas barreiras podem ser pedagógicas, físicas, de comunicação. Quando se fala em arquitetura, se fala em acessibilidade, condições físicas. Agora, quando se fala de questões pedagógicas, ainda precisamos investir muito. A deficiência intelectual tem diferentes comprometimentos. Há estudantes que têm uma deficiência intelectual extremamente leve, que vai passar como uma dificuldade de aprendizagem. Mas, no caso de uma pessoa com deficiência intelectual profunda, mais efetiva, a escola no padrão de hoje, da forma que existe, não está dando conta. E os professores não são formados para isso. Um grande problema na formação de professores é a questão da avaliação. Seja do estudante com deficiência, seja do estudante sem deficiência. Hoje, no Brasil, precisamos investir muito e discutir muito sobre formação de professores. O maior desafio para a escola não é a pessoa com deficiência física, com deficiência auditiva; é a pessoa com deficiência intelectual. A escola pensa e se volta apenas para o cognitivo. E essa pessoa tem comprometimentos, que a gente sabe que existem. Mas o que a escola espera dela e o que ela espera da escola?


Com relação à prática pedagógica, de sala de aula, em especial no caso das deficiências intelectuais e transtornos cognitivos, existe alguma orientação ao professor quanto à metodologia, à avaliação?


O Município de São Paulo fez um investimento grande num documento, num material que consiste numa proposta de análise e avaliação de pessoas com deficiência intelectual, e isso acabou não sendo usado da forma que deveria. Mas não é preciso ter uma aula ou uma disciplina de 80 horas que discuta a avaliação para a pessoa com deficiência intelectual. Se houver uma boa disciplina que discuta avaliação, vai dar conta de qualquer avaliação. Não é um conteúdo separado. O maior desafio que temos hoje é que formamos professores para lidar com o sujeito epistêmico do [Jean] Piaget, ou seja, um indivíduo criado, que não existe. A gente precisa colocar um pouco mais o pé no chão e fazer uma formação que dê condições para essa pessoa pensar a avaliação não como uma balança em que eu vou dizer quem fica, quem vai, quem continua; mas muito mais a avaliação como um processo que vai fazer uma retroalimentação do processo de ensino. Outra coisa fundamental falando em prática pedagógica, em avaliação, é que, quando um professor tem uma pessoa com deficiência em sala, as metodologias, as alternativas que ele utiliza, não beneficiam apenas esse aluno – beneficiam a classe como um todo. Ter um estudante com deficiência é uma possibilidade de reconstruir e remodelar o ser professor. É um desafio que não sei se todas as pessoas estão dispostas a viver.
Os alunos, futuros professores, se interessam por esse tema?
Sim. Em pedagogia, temos várias disciplinas eletivas, e os estudantes pedem cada vez mais. Essas eletivas para pedagogia são optativas livres para as outras licenciaturas, então também temos alunos de outros cursos nessas disciplinas. Desde 2015, dou a disciplina de educação especial, educação de surdos e libras para as licenciaturas, e vejo estudantes muito motivados. Abro a disciplina e, para duas turmas, tenho inscrição de cerca de 250 estudantes – e são selecionados apenas 120. A procura pelo conteúdo é interessante, quando a gente desenvolve o conteúdo é interessante, e tem gente falando em fazer mestrado na área.
Quais as maiores dúvidas e inseguranças dos futuros professores e daqueles que já atuam na docência com relação a esse tema?
Todos os aspectos, porque é um campo que eles conhecem. Primeiro, para os graduandos, é saber o que é isso. Muitas vezes, não sabem o que é uma condição de deficiência intelectual, o que implica uma cegueira, o que implica uma surdocegueira. Temos de fazer o destaque também que tivemos a questão da zika, do chikungunya, e haverá, daqui a alguns anos, vários alunos com microcefalia e com surdocegueira. Essas crianças não são completamente surdocegas, mas têm um funcionamento cerebral surdocego. É interessante parar para pensar que é uma realidade que exige conhecimento do professor. As demandas são, primeiro, saber o que impacta cada uma dessas condições; e, segundo, pensar metodologias. Nesses 23 anos de docência, comecei pensando que era importante ensinar metodologias específicas para cada deficiência. Mas, se a pessoa tiver um bom curso de metodologia, terá condição de pensar as diferenças. Não é conhecer as diferenças para conseguir adaptar a metodologia, mas sim ter um vasto e sólido conhecimento em metodologias para, então, pensar isso para os públicos específicos.
O que é preciso melhorar na formação inicial dos professores?
Pensar os cursos e a realidade da educação brasileira. Como a educação especial é transversal, é preciso pensar transversalmente isso nos conteúdos da formação dos cursos de licenciatura. Repensar os cursos de formação de forma efetiva.

O impacto na pedagogia

FORMAÇÃO DOCENTE  
Como as novas abordagens pedagógicas surgidas a partir do uso tecnológico estão alterando o processo de ensino-aprendizagem nas salas de aula brasileiras
Em recente pesquisa realizada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), pais e alunos declararam acreditar que a tecnologia pode ser uma das ferramentas para melhorar a qualidade da educação no Brasil. Também é cada vez mais comum que os estudantes cheguem com seus dispositivos móveis no ambiente escolar. Em inegável momento de pressão pelo uso de ferramentas digitais em sala de aula, cabe perguntar: até que ponto a tecnologia está influenciando a pedagogia? As novas abordagens que começam a aparecer como “modas” no processo ensino-aprendizagem vão realmente alterar a relação professor-aluno?
Em um cenário onde o uso desses dispositivos em sala de aula é incipiente, e as pesquisas de avaliação de impacto ainda estão em estágio inicial, questões como essas estão sendo formuladas e suscitam todo tipo de reação, inclusive a resistência. Se por um lado a tecnologia parece uma “onda” invadindo a escola, por outro a instituição escolar tem natural receio de mudanças. Mesmo assim, especialistas, professores e gestores podem pressentir que elas estão acontecendo. É o que Alexandre Barbosa, gerente do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETICbr.), chama de “revolução silenciosa”. “Há um movimento de mudança, é claro que não na velocidade que gostaríamos, mas as escolas estão nesse movimento muitas vezes silencioso.”
Para Alexandre, o principal impacto na ciência da educação será a passagem para a construção coletiva do conhecimento – um desafio atual que afeta a escola, quer ela queira, quer não. “A escola certamente vai ser reinventada. Passará de uma escola menos focada na aquisição de conhecimento individual para uma conhecimento mais coletivo”, exemplifica.
Para a professora em Educação, Comunicação e Tecnologia, da Universidade de Brasília (UnB), Laura Maria Coutinho, os alunos são os principais agentes dessa transformação em curso. “Minha hipótese é a de que os alunos já trazem para a sala de aula seus equipamentos conectados [e isso contribui para as mudanças].” Para ela, esse é um movimento em ascensão. “Cada vez mais, vamos ter acesso aos meios digitais. E vamos ter de lutar para que isso ocorra porque é parte da democratização da educação.”
Uma teoria alternativa
Em dezembro de 2004, o canadense George Siemens, juntamente com Stephen Downes, lançou um novo conceito de aprendizagem no texto intitulado Conectivismo: Uma teoria de aprendizagem para a idade digital. No texto, Siemens critica o behaviorismo, o cognitivismo e o construtivismo como as três grandes teorias da aprendizagem mais frequentemente usadas na criação de ambientes instrucionais, sendo que as três foram desenvolvidas em um tempo em que a aprendizagem não sofria o impacto da tecnologia – que hoje realiza muitas das operações cognitivas anteriormente realizadas pelos aprendizes, como armazenamento e recuperação de informação.

Siemens reflete que um dogma central da maioria das teorias de aprendizagem é a ideia de que a aprendizagem ocorre dentro da pessoa. “Mesmo a visão construtivista social, que defende que a aprendizagem é um processo rea­lizado socialmente, promove a primazia da pessoa (e sua presença física – i.e. baseado no cérebro) na aprendizagem. Estas teorias não abordam a aprendizagem que ocorre fora da pessoa (i.e. aprendizagem que é armazenada e manipulada através da tecnologia). Elas também falham em descrever como a aprendizagem acontece dentro das organizações”, escreve.
Segundo a nova teoria, posteriormente sistematizada no livro Knowing Knowledge (2006), o conhecimento não é um objetivo ou um estado que pode ser alcançado ou através do raciocínio ou das experiências. Considerando que a produção do conhecimento cresceu exponencialmente, os indivíduos devem aprender a acessá-los. “Não podemos mais, pessoalmente, experimentar e adquirir a aprendizagem de que necessitamos para agir. (…) Para aprender, em nossa economia do conhecimento, é necessário ter a capacidade de formar conexões entre fontes de informação e daí criar padrões de informação úteis. (…) Este ciclo de desenvolvimento do conhecimento (da pessoa para a rede para a organização) permite que os aprendizes se mantenham atualizados em seus campos, através das conexões que formaram”, descreve.
Para o professor aposentado da USP e especialista em inovação na educação, José Moran, a teoria de Siemens e Downes ainda são estudos parciais acerca da nova realidade, muito recente. As mudanças pelas quais passa o campo educacional, entretanto, não desvalidam as teorias interacionistas idealizadas por pensadores como J. Piaget, Lev Vigotski e Paulo Freire, que defendem que a aprendizagem é fruto da interação do aprendiz com as pessoas do mundo. “As teorias continuam válidas, mas começam a ser adaptadas a um mundo conectado, no qual podemos aprender em espaços, tempos e de formas muito diferentes, num contínuo entre o encontro físico e digital, impensável décadas atrás”, avalia.
Mudanças em curso
Há mais de três décadas, o antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin tem pensado as mudanças globais da contemporaneidade, entre elas o avanço da tecnologia da informação. Longe de citar a tecnologia como reformadora da educação, sua aposta é no pensamento complexo (aquilo que é pensado em conjunto), e na ideia de totalidade (contra a fragmentação dos saberes). Sua teoria, indicada, entre outros, no livro Os sete saberes necessários à educação do futuro (Cortez Editora), aponta para a necessidade de os professores religarem os seres e os saberes. Seriam as novas tecnologias instrumentos propulsores – e não veículos – para o professor se apoiar em tais mudanças?

“Vejo para o futuro uma educação integral, com níveis distintos de qualidade e intencionalidade pedagógica. O ensino ficará menos teórico. Será mais vivencial”, diz Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare. Para ela, na prática isso se manifestará em menos aulas expositivas. “Haverá mais projetos, mais experiências em laboratórios. Serão criadas coisas a partir do conhecimento, do teste de hipóteses. O conhecimento será mais vivido e a ênfase na teoria diminuirá.”
Por ora, o impacto desse pensamento se dá em diversas abordagens que, em comum, têm no uso da tecnologia o cerne para promover práticas que se coadunam em eixos similares: ensino personalizado (ou aprendizado adaptativo), compartilhamento de saberes e descentralização da sala de aula como único ambiente de aprendizagem. Entretanto, elas não devem ser vistas separadamente – o importante é que o recurso escolhido esteja adequado ao planejamento e aos objetivos pedagógicos traçados pelo professor, e não o contrário (a aula planejada para a utilização da ferramenta).
No mundo real
As opções que se apresentam aos professores são cada vez mais globais, e normalmente vindas de países imersos na cultural digital. Em 2012, o editor da revista Wired­ e autor do best-seller A cauda longa, Chris Anderson, lançou o livro Makers – A nova revolução industrial (Elsevier). Segundo sua teoria, “os últimos dez anos foram de descobertas de novas maneiras de criar, de inventar e de colaborar na web. Os próximos dez anos serão de aplicações desses ensinamentos no mundo real”. Já aportado no campo educacional, o movimento “maker” ou “faça você mesmo” preconiza que alunos e professores desenvolvam os projetos que desejarem (leia mais na página 42).

“Devemos repensar a divisão em disciplinas, aulas, conteúdos programáticos e a ideia da sala de aula como único espaço da aprendizagem”, acredita Adolfo Tanzi Neto, consultor pedagógico e de pesquisas da Fundação Lemann.
A mudança, porém, é ampla e afeta a concepção da própria escola e do trabalho docente. Em meados de 2009, o educador português António Nóvoa publicou o livro Professores: Imagens do futuro presente (Lisboa: Educa). Para ele, desenha-se neste momento um novo espaço público da educação, onde deverá ser firmado um novo contrato entre os professores e a sociedade, no qual os professores devem assumir uma nova capacidade de comunicação e um reforço da sua presença pública. Neste contexto, o “bom professor” ganha relevância, definindo-se em função de cinco características: conhecimento, cultura profissional, tato pedagógico, trabalho em equipe e compromisso social.
Educação em rede
A tarefa de religar diretores, coordenadores e professores em torno de um mesmo projeto tem se materializado em currículos desenvolvidos a partir da integração de mídias e tecnologias digitais de informação e comunicação, chamado de “webcurrículo” por alguns especialistas. Segundo a pesquisa TIC Educação 2013, os professores já estão ligados nesse movimento: 96% dos docentes de escolas públicas usam ferramentas on-line para preparar aulas ou atividades do dia a dia. Mas a maior prova dessa mudança talvez seja o crescente compartilhamento de conteúdos, chamados de Recursos Educacionais Abertos (REA) (leia mais na página 54).

“O grupo de professores terá de se valorizar, trocar ideias, falar sobre seus dilemas. E tudo isso em rede, conectado, para aprender com outras realidades e trazer para a sua os exemplos que estão dando certo”, diz Priscila Gonsales, diretora-executiva do Instituto Educadigital. Para Priscila, um dos impactos na relação professor-aluno é o compartilhamento de experiências. “O professor não precisa aprender primeiro para depois passar o conhecimento. Todos podem aprender juntos”, acredita.
Quando contemplam diversos recursos multimídia – vídeo, som e imagem –, os materiais didáticos começam a responder a uma das demandas mais contemporâneas da educação: o ritmo e a forma de aprendizagem de cada aluno. “A principal vantagem do uso desses materiais está no fato de promover autonomia e protagonismo de maneira efetiva para os alunos, pois eles têm controle do objeto analisado, desde o horário até o local e a forma com que irão desenvolver o conteúdo”, diz Ailton Luiz Camargo, professor de história do Colégio Objetivo Sorocaba e da rede municipal de Iperó (SP).
Nesse sentido, uma das fortes tendências apontadas por especialistas é o ensino híbrido, em que se mesclam aulas presenciais com atividades virtuais personalizadas: pode ser uma videoaula sobre um tópico em que o aluno está com dificuldade, um jogo pedagógico para aprofundar um conteúdo ou um curso on-line inteiro. “A ideia é que educadores e estudantes ensinem e aprendam em tempos e locais variados”, explica Lilian Bacich, que pesquisa o tema no seu doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento na Universidade de São Paulo (USP).
Princípios do conectivismo
* Aprendizagem e conhecimento apoiam-se na diversidade de opiniões;
* Aprendizagem é um processo de conectar nós especializados ou fontes de informação;
* Aprendizagem pode residir em dispositivos não humanos;
* A capacidade de saber mais é mais crítica do que aquilo que é conhecido atualmente;
* É necessário cultivar e manter conexões para facilitar a aprendizagem contínua;
* A habilidade de enxergar conexões entre áreas, ideias e conceitos é fundamental;
* Atualização (currency – conhecimento acurado e em dia) é a intenção de todas as atividades de aprendizagem conectivistas;
* A tomada de decisão é, por si só, um processo de aprendizagem. Escolher o que aprender e o significado das informações que chegam é enxergar através das lentes de uma realidade em mudança. Apesar de haver uma resposta certa agora, ela pode ser errada amanhã devido a mudanças nas condições que cercam a informação e que afetam a decisão.
Independentemente da abordagem utilizada, as questões levantadas por pensadores e professores em sua prática diária ainda precisarão de tempo para obter respostas duradouras. Em momentos de mudanças, é natural que as tentativas de adaptação sejam permeadas pelo erro-acerto. Mas, assim como estão ocorrendo transformações nas relações pessoais no espaço social, elas parecem irreversíveis no ambiente educacional. Resta saber como serão processadas.
Veja algumas dessas possibilidades.