Inteligência artificial está entre os destaques de feira de educação que acontece em São Paulo
Evento ocorreu entre os dias 10 e 13 de maio
Grupos de cientistas e grandes corporações de todo o mundo têm buscado desenvolver sistemas computacionais inteligentes capazes de ajudar as pessoas a aprender. As possibilidades, os efeitos e as implicações éticas da aplicação da chamada Inteligência Artificial (IA) na educação são temas que vêm ganhando espaço nos debates na área de tecnologia educacional em todo o mundo. No Brasil, a discussão aparece com força este ano durante a feira e congresso Bett Educar, evento de educação e tecnologia para a América Latina.
Quando um sistema computacional é capaz de processar constantemente novos dados e alterar suas respostas de forma a obter melhores resultados é considerado um sistema de Inteligência Artificial. É dito inteligente porque, como os humanos – ao menos alguns deles – aprende ao interagir com o ambiente e, pela experiência, passa a tomar decisões mais eficazes. A diferença é que a velocidade do aprendizado das máquinas é muito superior àquela das pessoas.
A primeira mudança da IA na área educacional é uma mudança cultural. Ainda que sejam programadas para ajudar na aprendizagem, agora que as próprias máquinas são capazes de aprender, o que devem aprender os estudantes? Com certeza, só será relevante algo que os diferencie dos computadores. “Cada vez mais passam a ser valorizadas características como a criatividade e a capacidade de solucionar problemas. A atividade humana vai ser mais qualificada, vamos fazer apenas o que uma máquina não puder”, afirma Vera Cabral, diretora de conteúdo da Bett Educar e professora visitante da Columbia University.
Segundo Vera, o ensino superior já vem sofrendo um forte impacto sobre o perfil de formação do aluno. “Há um grande banco no Brasil que substituiu seu telemarketing pelo sistema de inteligência artificial da IBM. Mas até em atividades bastante especializadas há aplicações que substituem o profissional”, diz ela. Há exemplos no direito, em que o sistema inteligente faz petições e recursos com mais sucesso que os advogados humanos, e na medicina, com etapas do diagnóstico em que a IA acerta mais do que os médicos. “Isso impacta o perfil dos alunos de nível superior e vem numa cadeia para toda a educação”, diz.
Outra transformação que atinge os estudantes de forma indireta é o uso da IA na gestão de escolas e redes de ensino. “Com a análise de uma enorme quantidade de dados, é possível fazer análises de perfis de inadimplência ou dar previsões de evasão”, cita Vera. Atualmente já há sistemas que fazem esse tipo de análise, mas a aplicação de inteligência artificial tende a deixar os resultados cada vez mais precisos. Um diretor ou professor atento também conseguem fazer essas previsões, mas em escala reduzida. “Quando falamos em uma rede como a do Estado de São Paulo, com 250 mil professores, 4,5 milhões de alunos, as análises de IA podem ajudar o gestor a tomar decisões estratégicas.”
Risco de novas bolhas
Os gestores também podem aproveitar os sistemas com IA para reunir turmas ideais. Um algoritmo passaria a decidir que colegas são mais indicados para trabalhar juntos, sob a supervisão de qual professor, e com que tipo de atividades, de forma a favorecer o aprendizado.
“Há centenas de indicadores possíveis para descrever uma pessoa: gostos, classe social, perfil psicológico, tendência de atuação profissional. Todas as combinações seriam analisadas com base em estatísticas históricas e o sistema seguiria com um acompanhamento constante para se desenvolver ainda mais”, descreve Ricardo Santos, gerente de desenvolvimento em educação da Cisco, uma das empresas presentes na Bett Educar. “E cada disciplina ou projeto pode ter um agrupamento diferente: certas pessoas funcionam bem para aprender juntas sobre matemática, mas não geografia.”
De acordo com Santos, a tecnologia atual já está disponível para esse tipo de uso. O único empecilho do momento é de ordem ética. “É interessante olhar em perspectiva. Alunos em fase de formação estão desenvolvendo sua personalidade, e o mundo lá fora é o mundo da diversidade, um lugar onde você não vai se relacionar só com pessoas que são fáceis para você”, lembra ele. O questionamento que os educadores fazem é: será que essas divisões são benéficas, pois fazem os estudantes aprenderem mais rapidamente, ou acabam sendo ruins por criarem um novo tipo de bolha?
Santos defende que é possível criar grupos homogêneos em determinadas situações, mas em outras permitir que os estudantes trabalhem em meio à diversidade. “Talvez para projetos de pesquisa, para dar uma maior velocidade em certos aprendizados, valha a pena montar esses grupos. Mas tem de ser usado a serviço do projeto pedagógico; é ele que vai ditar quando é apropriado.”
Ainda que a IA não tenha chegado efetivamente às salas de aula, o gerente da Cisco defende que os educadores devem conhecer e debater o tema. “A sociedade brasileira ainda está no estágio muito anterior, estamos discutindo a Base Nacional Comum Curricular. Mas a tendência é o processo se acelerar. Quanto mais disponíveis ficam as tecnologias, mais rápidas as transformações. Não faz muitos anos enfrentávamos a falta de linhas de telefone e a realidade mudou drasticamente: todos se comunicam porque a tecnologia está disponível. Temos de estar conectados a estas discussões também.”
Adaptar e personalizar
Na interação direta com o aluno, a principal função da IA é adaptação do currículo de acordo com os interesses e facilidades de cada um. Para o professor com classes com 40, às vezes 50 alunos, a IA pode dar suporte para que trabalhe de forma mais individualizada. “O sistema percebe o aluno, percebe no que ele é diferente dos outros, e adapta um plano de estudos para aquele indivíduo. Para fazer isso, precisa de informações específicas. Assim, vai perceber que certo aluno prefere ler, outro vai melhor se fizer exercícios, e muda a forma de oferecer o conteúdo”, explica a professora da Universidade Federal de Uberlândia Márcia Aparecida Fernandes, pesquisadora na área de inteligência artificial aplicada à educação.
A IA ainda não é usada em larga escala para fins pedagógicos; o que se têm são experiências e pesquisas sobre processos pontuais. De forma geral, as pesquisas até o momento indicam que as interferências da IA são benéficas para o aprendizado.
Na educação a distância (EAD), a IA tem potencial de promover transformações em menor prazo, porque o aluno está em um ambiente virtual, onde é mais fácil colher dados. E nessa modalidade, há uma grande plataforma que usa o recurso: o Coursera. “Toda a experiência de aprendizado do estudante (palestras assistidas, tarefas realizadas etc.) é registrada e, com base na análise de uma grande quantidade de dados de alunos que já realizaram cursos pela plataforma, é possível identificar padrões de comportamento e dar recomendações (de novos cursos) baseadas em tais padrões históricos identificados”, relata Marcelo Cosentino, vice-presidente de Professional Services da Totvs, outra companhia que levará o tema à Bett Educar.
Mas, para além de recomendar determinada trilha de conhecimento de acordo com o perfil do estudante, há a possibilidade de mudar o próprio processo de aprendizagem, avalia a professora Márcia. “A IA pode tornar o sistema mais interativo entre os vários estudantes, ajudar para que ele não se sinta tão solitário. Mas vai ajudar na motivação de forma individualizada – e não de acordo com um padrão”, afirma.
Para quem está estudando em frente a um computador, pode-se usar também a chamada computação afetiva, ou seja, o sistema detecta emoções captadas pela câmera e apresenta o conteúdo ideal para aquele momento. Se o estudante bocejou, é hora de passar para uma atividade mais desafiadora, por exemplo. “A computação afetiva é usada em sites de banco, de empreendimentos caros, que leem as expressões do visitante para reagir de acordo com o que foi captado. E vai armazenando o histórico de emoções e respostas para poder tomar decisões diferentes no futuro”, relata a professora.
A computação afetiva é possível atualmente porque há câmeras que captam a face em praticamente qualquer modelo de aparelho digital e também porque o poder de processamento dos computadores é muito rápido, permitindo uma resposta em tempo real. Mas os avanços tecnológicos são capazes de “ler” nossas emoções graças a conclusões de um estudo da área das humanidades. “A avaliação das expressões só é possível porque tem como base uma teoria psicológica (do americano Paul Ekman) sobre as mudanças nos músculos da face de acordo com seis emoções básicas”, lembra Márcia.
Para a IA ser efetiva na promoção do aprendizado, uma boa modelagem é essencial. “Primeiro, deve-se definir quais características observar do aluno para fazer o sistema se adaptar. Então, seguimos teorias pedagógicas e psicológicas para oferecer a personalização. Mas mesmo extrair informações de personalidade, gostos e dificuldades não é trivial”, conta Márcia. Por isso, a pesquisadora não acredita que a máquina seja capaz de substituir o ser humano – ao menos não no curto prazo. “O ser humano tem características que vão além da nossa própria compreensão – e se eu não consigo modelar, não consigo fazer a máquina entender.”
Apesar disso, nunca é demais estar atento com relação ao excessivo entusiasmo que os admiráveis mundos novos parecem causar. A eles, muitas vezes, estão ligados devaneios de resolutividade total de questões complexas, num namoro muito próximo com visões totalitárias.
Inteligência artificial x sistema inteligente
Sistemas computacionais ditos “inteligentes” já são amplamente utilizados pela população, mas são diferentes dos sistemas com inteligência artificial. Marcelo Cosentino, vice-presidente de Professional Services da Totvs, usa o exemplo de um carro para mostrar o que significa na prática cada um dos conceitos. No painel, existe uma série de instrumentos que ajudam na condução e manutenção do veículo. Quando acender a luz do combustível, você sabe que precisa abastecer – é um retrato atual do momento e foi preciso acontecer algo (diminuir o nível de combustível) para acionar um alerta. Isso é um sistema inteligente”, diz.
Agora imagine que você colocou no GPS do carro um destino e pediu para ele traçar uma rota, sugere Cosentino. Além de desenhar o caminho, seu carro analisa uma série de informações e sugere um roteiro que inclui passar em um posto de gasolina determinado, recomenda calibrar os pneus, completar o tanque com etanol, trocar a luz de ré que está perto do fim da vida útil. E ainda avisa que no km 120 da viagem a loja de comidas típicas onde você sempre para estará aberta e, caso você fique lá 30 minutos como de costume, chegará ao destino às 18h. Isso é inteligência artificial. “A IA analisa uma série de dados históricos, monitora situações de momento, encontra padrões de comportamento e recomenda ações com base na probabilidade de esses padrões se repetirem. Para isso, utiliza diversas técnicas de estatísticas e alto poder de processamento”, explica o executivo.