O ranking do IGC pressupõe uma homogeneidade que não é real" | |
31/01/2011 | |
Michelle Bento michelle.bento@folhadirigida.com.br | |
Em um período de grandes mudanças na Educação, muitos se perguntam quais são as perspectivas para o setor, principalmente no ensino superior. Nos últimos anos, as universidades e o acesso dos estudantes aos cursos superiores passaram por verdadeiras alterações, motivadas por programas criados pelo governo federal, como o ProUni e o Fies. Isto ficou ainda mais visível na rede privada de ensino. Mas, mesmo com isso, o número de jovens que se profissionalizam ainda está aquém do que o mercado demanda. Para o professor Cândido Mendes de Almeida, presidente do Fórum de Reitores do Estado do Rio de Janeiro e reitor da Universidade Cândido Mendes (UCAM), ainda há muito o que fazer nos próximos quatro anos. Nesta entrevista, ele fala sobre as ações que considera prioritárias para o ensino superior, entre elas, a ampliação dos mecanismos de financiamento para estudantes com menor nível de renda. Ele também analisa os resultados do Índice Geral de Cursos (IGC), divulgado pelo MEC. Para o educador, eles podem não refletir a complexidade do ensino superior do país. Ele também vê com reservas a simples adoção de punições às instituições mal avaliadas. "É preciso que se definam ao mesmo tempo condições imediatas de recuperabilidade. Não se pode criar com uma medida nova, e que de fato é um precedente, alguma coisa que não permita a correção destes resultados com a necessária rapidez e a demonstração da boa vontade destas universidades", destacou o professor Candido Mendes. FOLHA DIRIGIDA — Quais são os desafios para o governo Dilma Rousseff no ensino superior? Candido Mendes — O governo de Dilma tem três características. A primeira é efetivamente eliminar o déficit de acesso ao ensino superior. Existe uma parcela dos estudantes que não entra no ensino superior pelo preço do ensino particular e, por outro lado, porque a universidade pública tende para a competitividade democrática, de modo que isso envolve uma inversão que vem do desiquilíbrio social de formação para chegar a esse acesso. A superação disto nos remete à questão do financiamento ao ensino superior. Evidentemente que o Fies está fazendo isso muito bem. Acredito que desta forma, o ensino possa se expandir e esta é uma das metas que, desde agora, vêm na continuação do sucesso e êxito do ministro Fernando Haddad. A segunda questão está ligada ao problema da profissionalização do mercado que requer àquilo que normalmente se chama de terceiro grau, ou seja, a maneira como vamos enfrentar o problema do ensino profissional dentro da categoria pela qual atualmente a universidade, em seu sentido restrito, deve ser apenas uma alternativa. E como organizar esse treinamento da mão de obra profissional, que resolvido, possa permitir também a seguir a complementação do ensino superior? Este problema é significativo, sobretudo tendo em vista que hoje há novas demandas de especialização, como a do pré-sal, por exemplo. O terceiro ponto trata-se do entendimento do ensino superior, respondendo ao que a lei compreende como sendo a plenitude da capacitação universitária, ou resumindo: ensino, pesquisa e extensão. Como é possível hoje fazer uma política de pesquisa em uma universidade privada no Brasil? Sabemos que a lei não define especialmente o dever de assistência da universidade privada, e isso nos leva a três paradoxos. O primeiro deles é que hoje, pela proporção da universidade privada, este ensino não tem condições de garantir a política de pesquisa. Em segundo lugar, a política de pesquisa brasileira está ligada a um domínio que nada tem a ver com o universitário e é preciso que ele volte a ser entendido dentro deste quadro. Em terceiro, como será possível, neste momento, garantir financiamento de pesquisa no Brasil? A verdade é que hoje são pouquíssimas as universidades que podem ter pesquisa e elas não têm como responder ao conselho da universidade. Evidente que este problema deve ser tratado em uma política de cooperação entre o governo e a universidade e nisto o governo ainda está muito atrasado. Eu acredito que este seja o maior desafio. Como o senhor avalia os resultados alcançados pelo ProUni, desde a sua criação? O sistema foi realmente positivo para as universidades privadas, como prega o governo federal? O ProUni é altamente produtivo no sentido da necessidade de se financiar o acesso da classe C ao programa universitário. Entretanto, o programa ainda pode ser desdobrado em outras formas de obtenção deste auxílio e desse avanço associando a própria universidade à este financiamento. As universidades estão dispostas a fazer o aval desses financiamentos, antes feitos pelos bancos, mas que evidentemente envolve um programa de passagem da doação do ensino à possibilidade de se obter um financiamento. Isto significa que o aluno receberá uma porcentagem da sua paga a partir do segundo ano de ensino, para evitar o desperdício, e só começa a pagar após o segundo ano de formado, já incentivado pela possibilidade de desconto dentro do mercado de trabalho. O grande problema de todo esse financiamento no Brasil é que a porcentagem da geração que entra na universidade é muito baixa, varia de 13% a 8%. Isso mostra a necessidade de haver uma política muito mais poderosa deste financiamento, que inclusive, se possa levar a uma forma de utilização do financiamento estudantil diante do mercado bancário privado. Uma das atividades que está se procurando na área da educação, digo como membro do Conselho Econômico e Social da Presidência da República, é exatamente que se crie um sistema de estímulos bancários e fiscais para que se possa ter um financiamento ao estudante dentro da universidade. Isso é uma tarefa fundamental, pois espero que nestes quatro anos do governo Dilma, este limite de 8% possa chegar a pelo menos à base de 18%. Outra política do governo federal para ampliar o acesso ao ensino superior, utilizando-se da estrutura do setor privado, é o Fies. Este sistema de financiamento atende à demanda ou ainda precisaria passar por mudanças? É uma medida acertada no sentido de que realmente é no ensino secundário que está o tronco da possibilidade de acesso. Não se pode ampliar o fluxo de acesso ao ensino superior sem que o ensino médio de fato tenha essa condição. O fato do Ministério Haddad ter dado esta prioridade é bastante confortável porque resolve-se a universidade do ensino médio, se é que se pode dizer isso, já que está sendo muito bem atendido pelo governo. O Fies começa a atender a demanda, mas dependendo de um número de potenciais essenciais, eu acredito que ele precise dobrar o seu incentivo para chegar lá. O MEC divulgou, este mês, os resultados do Índice Geral de Cursos (IGC) de 2009, elaborando um "ranking" entre as instituições públicas e privadas. O senhor concorda com a divulgação dos dados desta maneira? Por quê? Na minha opinião, o ranking do IGC pressupõe uma homogeneidade que não é real dentro da oferta do ensino superior. Digo isso porque no ensino privado nós entendemos a distância do ponto de vista da sua rentabilidade e da sua qualidade. O próprio ministro já foi muito enfático em dizer que as universidades chamadas comerciais são baseadas muito mais na moderação de preço que na oferta real de qualidade. Então, o que é o critério de eficiência? É o critério da rentabilidade, que no Brasil é completamente equívoca, porque tem muito pouco a ver com a oferta real da qualidade, no mesmo limite em que existindo um mercado de ensino superior e existindo grupos de mais baixa renda entrando nele, a moderação dos preços é um fenômeno de mobilização maior que a busca por qualidade. Portanto, entendo que ainda exista uma interferência excessiva da divisão mercadológica sobre aquilo que deve ser a universidade e daquilo que deve ser, sobretudo, a organização do ensino. Isto me leva a uma outra questão tão importante: O ensino deve ser uma atividade comercial? Na Universidade Cândido Mendes, aprendi como meu avó dizia, que não se pode cobrar por um copo d'agua, ou seja, o ensino é necessariamente um serviço público, ainda que no Brasil não seja, já que a constituição não define como serviço público. O ensino é uma atividade da família e do Estado, agora, isso não poderia envolver o fato de que se jogue com a escassez como uma lucratividade econômica. Em um país subdesenvolvido, a escassez cria uma superexploração e o grande problema hoje da educação é se permitir a lucratividade da sua escassez, o que nos remete à questão que é saber se no setor privado vai se manter esta divisão muito clara na rede privada: as universidades confessionais, as universidades comunitárias, as universidades filantrópicas e as universidades comerciais. Quais as implicações disto? As filantrópicas têm, como as duas primeiras, a vantagem de incentivos fiscais, de redução de impostos e também a obrigação de reinverter, na sua própria produção, tudo o que evidentemente exceder a 8% do seu coeficiente de rentabilidade. Isso não foi ainda aplicado no Brasil, este valor está apenas na lei, mas o importante é que se pode estabelecer uma correlação do valor da aula paga na universidade privada e o valor da aula privada filantrópica e o valor da aula privada comercial. A tendência é de criar uma produtividade de custos, que nada tem a ver com a qualidade do ensino. Disto, surgem três exemplos: o valor da aula dada, relação de aluno e professor em sala e terceiro e a real utilização de todo o equipamento didático necessário ao ensino. A universidade comercial geralmente não gasta mais de 50% da sua receita em pagamento dos professores, já a filantrópica gasta gasta mais de 65%, o que mostra a diferença entre um padrão e outro. Neste sentido, há muito a fazer para exigir a qualidade do ensino comercial privado e dotar o ensino filantrópico das condições para a vigência do sistema, porque o Brasil ainda está preso à lei do calote. Isso quer dizer que, no país, muitos entram na universidade e não pagam no fim do mês, só no fim do semestre, o que cria um déficit para a universidade filantrópica. Isto é muito difícil de se recompor. As universidades privadas podem chegar de 20 a 25% de desequilíbrio entre a receita mensal e o custos dos seus pagamentos definidos semestralmente. O governo Lula ficou muito cativo ainda de uma providência que vem do governo Collor e Itamar, e que até hoje não foi de fato alterada. Isso só vai mudar com o aumento das lotações do Fies e das lotações ligadas às particulares. Como o senhor avalia este indicador, o IGC, criado pelo MEC? Esta avaliação tem a consistência e a metodologia necessárias para permitir a comparação entre instituições de ensino superior de realidades e objetivos, muitas vezes bastante distintos entre si? O atual IGC tem as virtudes de ser compreensivo, apesar do número de variedades ser bastante amplo. Mas não há ainda o fluxo e a curva do tempo para que se possa fazer a comparação em séries históricas. Talvez, daqui a 10 anos isso possa efetivamente se realizar. Das notas de um a quatro, apenas 0,52% das universidades brasileiras tiveram a nota um. Cerca de 32% ficaram com nota dois, 44% obtiveram nota três e só 5,8% ficaram com a nota quatro. É interessante que, graças a Deus, a queda é muito menor do que a subida. O problema é do que se compõe essa nota dois e três e como se pode definir a condição de recuperação entre estes dois números. Junto com os dados, o MEC tirou a autonomia de 15 universidades que tiveram desempenho ruim nas últimas três avaliações, dentre as quais quatro são do Rio de Janeiro. O senhor considera que esta é uma medida acertada? Por quê? Eu considero que esta é uma medida inédita, que vai ter que entrar em um quadro da cultura brasileira e sua avaliação. Mas é preciso que se definam ao mesmo tempo condições imediatas de recuperabilidade. Não se pode criar com uma medida nova, e que de fato é um precedente, alguma coisa que não permita a correção destes resultados com a necessária rapidez e a demonstração da boa vontade destas universidades. Isto me parece bastante sério e eu acho que uma das preocupações dos colegiados do ensino superior é definir essas condições de recuperação, mesmo porque, algumas dessas organizações, sobretudo a Santa Úrsula, são organizações filantrópicas que há muito tempo estiveram sofrendo dificuldades na recuperação de custos nas suas economias de prestação devido à lei do calote. Recentemente, o MEC criou uma secretaria destinada a cuidar especificamente da regulação de cursos superiores. O professor da universidade de São Paulo (USP) Luiz Fernando Massoneto ocupará o cargo de secretário. Esta atitude demonstra a intenção do MEC de fiscalizar com mais rigor o ensino superior? Acredito que sim, mas sempre dentro do que define condicionalmente este desempenho. A educação não é uma concessão. A educação privada é uma cooperação da família com a atividade do Estado, e dentro dela há valores muito importantes a serem conjuntamente definidos, principalmente a noção da vocação universitária. Ela é necessariamente personalizada, e aí entra a questão que é saber se uma sociedade anônima pode ser mantenedora e em que termos na constituição brasileira, para se ter condição de funcionar é preciso que se mostre o que pretende a casa de ensino tendo em vista a diferença de formação. Uma sociedade democrática não pode ter educação padrão, ela vive da complexidade e das diferenças dentro da proposta de ensino da educação. As universidades comerciais estão começando a sofrer a tentação de serem dirigidas por sociedades anônimas e isso me preocupa muito. As diferenças de proposta em uma IES devem ser preservadas. Outra coisa é o cuidado dentro da formação universitária com a excelência das formas de educação. Nós não podemos ser excelentes em tudo. É preciso que dentro dos grandes ramos da educação superior: as Humanidades, Tecnológicas, Naturais e Ciências da Saúde possam, em si mesmas, ter autonomia universitária. Por isso a Universidades Cândido Mendes só faz Ciências Humanas. Eu me pergunto se as dificuldades das universidades que têm sido altamente fiscalizadas vão da ideia de querer fazer tudo ao mesmo tempo e arriscar seu desempenho. A universidade dentro dos termos da população que chegam a ela, tem uma nitidez de afluência e de regência. Por isso, não há nenhuma universidade filantrópica no Brasil com mais de 25 mil estudantes. No entanto, há pelo menos três universidades comerciais com mais de 250 mil alunos, o que mostra que há uma diferença de escala, que do ponto de vista da fiscalização, envolve o ponto reto para quem queira avançar estas duas situações que são diferentes, mas que às vezes, no Brasil, nós confundimos: fiscalização e regulação. Ainda não temos um número de normas de regulação como deveríamos ter, mas o ministro Haddad está sendo campeão nisso. Contudo, é preciso se definir o que é um padrão de desempenho da norma, dar-lhe máximos e mínimos, mas permitir a avaliação dentro dessas condições. |