Habilidade desempenha papel fundamental na resolução de problemas, tanto os do cotidiano, como encontrar o carro no estacionamento, quanto os altamente específicos, como desenhar um satélite
Por Eloisa Neri de Oliveira e Guilherme Brockington, da revista Neuroeducação
Você já percebeu que quando pensa em um objeto já possui alguma referência sobre as suas formas? Por exemplo, ao ouvir a palavra “cadeira”, você já imagina um objeto com quatro partes iguais ou semelhantes que apoiam um assento e um encosto. Essa maneira de pensar e raciocinar de maneira visual, com formas e disposição no espaço, é chamada de pensamento espacial pela ciência cognitiva.
Dizer que determinado objeto é uma cadeira faz parte de um processo de categorização em uma classe de objetos, e esse processo é chamado de generalização. Ele consiste em reconhecer qualidades e propriedades similares em objetos de uma mesma classe/tipo, que, nesse caso, são as suas propriedades espaciais.
Esse processo não é imediato em nossa vida. Primeiramente, reconhecemos as qualidades dos objetos e só depois vamos encontrando semelhanças entre eles e fazendo categorizações. A ideia é a busca por uma invariante no universo em que vivemos.
Mas como pensamos o mundo em que estamos imersos? O pensamento espacial é desenvolvido por meio da nossa vivência cotidiana. Há diversas evidências científicas de que as nossas experiências sensoriais podem ser a base do conhecimento humano, pois é por meio delas que possuímos referências sobre o mundo.
O pensamento espacial é a maneira pela qual nos orientamos e manipulamos o espaço que nos rodeia. A ciência cognitiva e as neurociências apontam cada vez mais o quanto essa habilidade é imprescindível na resolução de problemas, tanto aqueles do cotidiano, como encontrar o carro no estacionamento, quanto aqueles mais específicos, como desenhar um satélite espacial ou acertar um arremesso em um jogo de basquete. Mas, muito mais importante do que essa ligação com situações mais práticas da vida, o pensamento espacial parece estar profundamente ligado com a estrutura do pensamento como um todo e desempenha um papel fundamental no curso de sua vida. Ele pode contribuir para a determinação de uma carreira bem-sucedida, bem como significar a diferença entre a clareza mental e o declínio cognitivo.
Uma das manifestações do pensamento espacial ocorre quando queremos expressar algo abstrato por meio de alguma ação. Dessa forma, misturamos alguma ideia de ação física com alguma sensação. Por exemplo, comumente utilizamos a expressão “isso está fora do meu alcance” para expressar alguma tarefa que não somos capazes de executar. Claramente estamos fazendo uso de uma ideia relacionada a uma ação ligada a uma localização no espaço (fora do meu alcance) ainda que o sentido que desejamos atribuir seja outro, mas podemos dizer que nossa estrutura de pensamento, nesse caso e em diversos outros semelhantes, está diretamente associada à disposição espacial.
Além disso, há evidências de que o pensamento espacial desempenha um papel fundamental tanto na atividade científica quanto na aprendizagem de ciências. Há diversos episódios na história das ciências nos quais a resolução de problemas esteve diretamente relacionada a algum tipo de pensamento espacial.
Um exemplo histórico ocorreu em 1865, quando August Kekulé descreveu a molécula de benzeno na forma de um anel depois de “ter visto” uma cobra engolindo a própria cauda. Nesse caso, foi por meio das relações com o mundo (imaginar os movimentos de uma cobra) que Kekulé conseguiu transpor algo real para algo inteiramente abstrato.
Com relação ao pensamento espacial, é bastante conhecido o papel central da construção de um modelo espacial tridimensional de imagens planas por James Watson e Francis Crick na descoberta da estrutura do DNA.
Fenômenos similares acontecem na aprendizagem de ciências. Os biólogos descrevem em detalhes os processos que ocorrem no interior das células utilizando com frequência palavras como “entra”, “se movimenta”, “abre” etc. Para a ciência, essa habilidade de fazermos diversas representações espaciais é absurdamente importante e pode ser materializada em seus diagramas, gráficos e modelos para representar os mais diferentes construtos científicos e os dados mais abstratos corriqueiramente coletados.
Na educação em ciências, não parece ser diferente. Diversas pesquisas apontam para a relação entre o pensamento espacial e a aprendizagem de conceitos científicos. Talvez a que mais chame atenção seja uma série de estudos longitudinais conduzidos de 1950 até 2009, nos Estados Unidos. Mais de 400 mil crianças foram acompanhadas desde o ensino médio até o final da vida adulta, e os resultados revelaram que aquelas que tiveram altas pontuações em testes de pensamento espacial na escola tinham, ao longo da vida acadêmica, um desempenho muito melhor em ciências e matemática do que aquelas que tiveram pontuações baixas nos testes espaciais.
Além disso, nessa mesma pesquisa, os alunos que apresentaram, no ensino médio, notas altas em pensamento espacial eram muito mais propensos a seguir carreiras científicas do que aqueles com pontuações mais baixas. Assim, essas evidências revelam que o desenvolvimento de habilidades espaciais parece ser tão importante para o sucesso em ciências quanto as habilidades verbais ou matemáticas.
Também, com o objetivo de investigar a relação entre o pensamento espacial e as habilidades científicas, pesquisadores analisaram o cérebro de Albert Einstein após sua morte. Os resultados revelaram que seu córtex parietal, região do cérebro associada ao pensamento espacial e matemático, tinha um tamanho surpreendentemente maior do que o da maioria das pessoas, além de possuir uma configuração estrutural pouco usual. Atualmente, diversas pesquisas com o uso de imagens por ressonância magnética funcional trazem resultados que apontam uma forte correlação entre pensamento espacial e matemática, processados principalmente no córtex parietal.
Esses resultados, advindos das novas tecnologias com tomografia cerebral, sugerem que o pensamento espacial não é um tipo único de “inteligência” ou habilidade cognitiva. Pelo contrário, o pensamento espacial parece ser um conjunto complexo de processos paralelos que envolvem uma série de estruturas especializadas em diferentes partes do cérebro humano, o que revela o quão imbricado ele está com nossa estrutura de pensamento.
Assim, se o pensamento espacial é mesmo tão fundamental para os processos cognitivos, como podemos promover seu desenvolvimento? Ao considerarmos as evidências de pesquisas, como devemos tratá-lo nas escolas e no contexto educacional?
Como estimular na escola?
Acreditamos que a melhor forma de começar, como pesquisadores e educadores, a responder a essa pergunta é despertar o interesse das pessoas pelo pensamento espacial. É preciso que a sociedade, pais e professores saibam a importância de trabalhar essa habilidade cognitiva nas crianças, tanto em casa como nas escolas. Ao pensar a educação formal, seria ideal que o pensamento espacial fosse reconhecido como uma parte essencial do ensino fundamental. E isso deve ser feito de maneira tal que ele estivesse integrado em todo o currículo, como em cursos de português, matemática, história e ciência.
Por exemplo, um tipo de pensamento espacial que desperta um interesse particular nos cientistas é a rotação mental. Esse é um aspecto muito estudado e há fortes evidências de sua relação com o desenvolvimento do pensamento espacial e de sua ligação direta com a aprendizagem do raciocínio matemático. Assim, a rotação mental não só pode estar integrada ao ensino de matemática, como também ser largamente usada em aulas de geografia ou história, com discussões acerca de formações rochosas ou a leitura de mapas antigos e suas relações topográficas com os desenvolvimentos sociais. Isso porque parece crucial ser capaz de visualizar o que não se pode ver ou tocar.
Com uma abordagem assim, os alunos podem deduzir o que aconteceu há milhões ou centenas de anos, levando-os a compreender a vida de forma que, sem pensar de maneira espacial, seria absurdamente empobrecida ou até mesmo impossível.
É imprescindível o enriquecimento das aulas com experiências sensoriais e visuais, pois o domínio do conhecimento, que é abstrato, ocorre proporcionalmente ao enriquecimento do concreto-sensorial do aluno. É preciso um envolvimento ativo do estudante durante a aula para que o pensamento espacial possa se concretizar, auxiliando na aprendizagem de conceitos escolares.
Isso significa que é muito importante professores e pesquisadores mostrarem que é necessário garantir que os alunos tenham, desde o mais cedo possível, garantido o desenvolvimento de suas habilidades de raciocínio espacial.
No âmbito familiar, seria muito interessante levar os pais a perceber que o pensamento espacial deve ser incentivado em casa. Quando uma criança vai em uma viagem, eles precisam saber que tipo de recurso estão olhando, de modo que ela possa olhar para cima, para baixo, a seu redor. Quando se considera o mundo atual, o celular comanda a vida, de maneira que usualmente se olha apenas para sua tela… Imagine a diferença cognitiva entre se guiar por um mapa ou por um GPS. Ou seja, grande parte do tempo, não se incentiva as crianças a se localizarem no espaço, tampouco a saber o que estão vendo. E isso precisa mudar.
A grande mensagem que as evidências das ciências cognitivas e neurociências nos dão é que, se você está mudando espacialmente, ainda pode aprender. No instante em que se tornar passivo, você certamente diminui ou para de aprender.
Habilidade desempenha papel fundamental na resolução de problemas, tanto os do cotidiano, como encontrar o carro no estacionamento, quanto os altamente específicos, como desenhar um satélite
Por Eloisa Neri de Oliveira e Guilherme Brockington, da revista Neuroeducação
Você já percebeu que quando pensa em um objeto já possui alguma referência sobre as suas formas? Por exemplo, ao ouvir a palavra “cadeira”, você já imagina um objeto com quatro partes iguais ou semelhantes que apoiam um assento e um encosto. Essa maneira de pensar e raciocinar de maneira visual, com formas e disposição no espaço, é chamada de pensamento espacial pela ciência cognitiva.
Dizer que determinado objeto é uma cadeira faz parte de um processo de categorização em uma classe de objetos, e esse processo é chamado de generalização. Ele consiste em reconhecer qualidades e propriedades similares em objetos de uma mesma classe/tipo, que, nesse caso, são as suas propriedades espaciais.
Esse processo não é imediato em nossa vida. Primeiramente, reconhecemos as qualidades dos objetos e só depois vamos encontrando semelhanças entre eles e fazendo categorizações. A ideia é a busca por uma invariante no universo em que vivemos.
Mas como pensamos o mundo em que estamos imersos? O pensamento espacial é desenvolvido por meio da nossa vivência cotidiana. Há diversas evidências científicas de que as nossas experiências sensoriais podem ser a base do conhecimento humano, pois é por meio delas que possuímos referências sobre o mundo.
O pensamento espacial é a maneira pela qual nos orientamos e manipulamos o espaço que nos rodeia. A ciência cognitiva e as neurociências apontam cada vez mais o quanto essa habilidade é imprescindível na resolução de problemas, tanto aqueles do cotidiano, como encontrar o carro no estacionamento, quanto aqueles mais específicos, como desenhar um satélite espacial ou acertar um arremesso em um jogo de basquete. Mas, muito mais importante do que essa ligação com situações mais práticas da vida, o pensamento espacial parece estar profundamente ligado com a estrutura do pensamento como um todo e desempenha um papel fundamental no curso de sua vida. Ele pode contribuir para a determinação de uma carreira bem-sucedida, bem como significar a diferença entre a clareza mental e o declínio cognitivo.
Uma das manifestações do pensamento espacial ocorre quando queremos expressar algo abstrato por meio de alguma ação. Dessa forma, misturamos alguma ideia de ação física com alguma sensação. Por exemplo, comumente utilizamos a expressão “isso está fora do meu alcance” para expressar alguma tarefa que não somos capazes de executar. Claramente estamos fazendo uso de uma ideia relacionada a uma ação ligada a uma localização no espaço (fora do meu alcance) ainda que o sentido que desejamos atribuir seja outro, mas podemos dizer que nossa estrutura de pensamento, nesse caso e em diversos outros semelhantes, está diretamente associada à disposição espacial.
Além disso, há evidências de que o pensamento espacial desempenha um papel fundamental tanto na atividade científica quanto na aprendizagem de ciências. Há diversos episódios na história das ciências nos quais a resolução de problemas esteve diretamente relacionada a algum tipo de pensamento espacial.
Um exemplo histórico ocorreu em 1865, quando August Kekulé descreveu a molécula de benzeno na forma de um anel depois de “ter visto” uma cobra engolindo a própria cauda. Nesse caso, foi por meio das relações com o mundo (imaginar os movimentos de uma cobra) que Kekulé conseguiu transpor algo real para algo inteiramente abstrato.
Com relação ao pensamento espacial, é bastante conhecido o papel central da construção de um modelo espacial tridimensional de imagens planas por James Watson e Francis Crick na descoberta da estrutura do DNA.
Fenômenos similares acontecem na aprendizagem de ciências. Os biólogos descrevem em detalhes os processos que ocorrem no interior das células utilizando com frequência palavras como “entra”, “se movimenta”, “abre” etc. Para a ciência, essa habilidade de fazermos diversas representações espaciais é absurdamente importante e pode ser materializada em seus diagramas, gráficos e modelos para representar os mais diferentes construtos científicos e os dados mais abstratos corriqueiramente coletados.
Na educação em ciências, não parece ser diferente. Diversas pesquisas apontam para a relação entre o pensamento espacial e a aprendizagem de conceitos científicos. Talvez a que mais chame atenção seja uma série de estudos longitudinais conduzidos de 1950 até 2009, nos Estados Unidos. Mais de 400 mil crianças foram acompanhadas desde o ensino médio até o final da vida adulta, e os resultados revelaram que aquelas que tiveram altas pontuações em testes de pensamento espacial na escola tinham, ao longo da vida acadêmica, um desempenho muito melhor em ciências e matemática do que aquelas que tiveram pontuações baixas nos testes espaciais.
Além disso, nessa mesma pesquisa, os alunos que apresentaram, no ensino médio, notas altas em pensamento espacial eram muito mais propensos a seguir carreiras científicas do que aqueles com pontuações mais baixas. Assim, essas evidências revelam que o desenvolvimento de habilidades espaciais parece ser tão importante para o sucesso em ciências quanto as habilidades verbais ou matemáticas.
Também, com o objetivo de investigar a relação entre o pensamento espacial e as habilidades científicas, pesquisadores analisaram o cérebro de Albert Einstein após sua morte. Os resultados revelaram que seu córtex parietal, região do cérebro associada ao pensamento espacial e matemático, tinha um tamanho surpreendentemente maior do que o da maioria das pessoas, além de possuir uma configuração estrutural pouco usual. Atualmente, diversas pesquisas com o uso de imagens por ressonância magnética funcional trazem resultados que apontam uma forte correlação entre pensamento espacial e matemática, processados principalmente no córtex parietal.
Esses resultados, advindos das novas tecnologias com tomografia cerebral, sugerem que o pensamento espacial não é um tipo único de “inteligência” ou habilidade cognitiva. Pelo contrário, o pensamento espacial parece ser um conjunto complexo de processos paralelos que envolvem uma série de estruturas especializadas em diferentes partes do cérebro humano, o que revela o quão imbricado ele está com nossa estrutura de pensamento.
Assim, se o pensamento espacial é mesmo tão fundamental para os processos cognitivos, como podemos promover seu desenvolvimento? Ao considerarmos as evidências de pesquisas, como devemos tratá-lo nas escolas e no contexto educacional?
Como estimular na escola?
Acreditamos que a melhor forma de começar, como pesquisadores e educadores, a responder a essa pergunta é despertar o interesse das pessoas pelo pensamento espacial. É preciso que a sociedade, pais e professores saibam a importância de trabalhar essa habilidade cognitiva nas crianças, tanto em casa como nas escolas. Ao pensar a educação formal, seria ideal que o pensamento espacial fosse reconhecido como uma parte essencial do ensino fundamental. E isso deve ser feito de maneira tal que ele estivesse integrado em todo o currículo, como em cursos de português, matemática, história e ciência.
Por exemplo, um tipo de pensamento espacial que desperta um interesse particular nos cientistas é a rotação mental. Esse é um aspecto muito estudado e há fortes evidências de sua relação com o desenvolvimento do pensamento espacial e de sua ligação direta com a aprendizagem do raciocínio matemático. Assim, a rotação mental não só pode estar integrada ao ensino de matemática, como também ser largamente usada em aulas de geografia ou história, com discussões acerca de formações rochosas ou a leitura de mapas antigos e suas relações topográficas com os desenvolvimentos sociais. Isso porque parece crucial ser capaz de visualizar o que não se pode ver ou tocar.
Com uma abordagem assim, os alunos podem deduzir o que aconteceu há milhões ou centenas de anos, levando-os a compreender a vida de forma que, sem pensar de maneira espacial, seria absurdamente empobrecida ou até mesmo impossível.
É imprescindível o enriquecimento das aulas com experiências sensoriais e visuais, pois o domínio do conhecimento, que é abstrato, ocorre proporcionalmente ao enriquecimento do concreto-sensorial do aluno. É preciso um envolvimento ativo do estudante durante a aula para que o pensamento espacial possa se concretizar, auxiliando na aprendizagem de conceitos escolares.
Isso significa que é muito importante professores e pesquisadores mostrarem que é necessário garantir que os alunos tenham, desde o mais cedo possível, garantido o desenvolvimento de suas habilidades de raciocínio espacial.
No âmbito familiar, seria muito interessante levar os pais a perceber que o pensamento espacial deve ser incentivado em casa. Quando uma criança vai em uma viagem, eles precisam saber que tipo de recurso estão olhando, de modo que ela possa olhar para cima, para baixo, a seu redor. Quando se considera o mundo atual, o celular comanda a vida, de maneira que usualmente se olha apenas para sua tela… Imagine a diferença cognitiva entre se guiar por um mapa ou por um GPS. Ou seja, grande parte do tempo, não se incentiva as crianças a se localizarem no espaço, tampouco a saber o que estão vendo. E isso precisa mudar.
A grande mensagem que as evidências das ciências cognitivas e neurociências nos dão é que, se você está mudando espacialmente, ainda pode aprender. No instante em que se tornar passivo, você certamente diminui ou para de aprender.
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