quarta-feira, 17 de maio de 2017

As principais contribuições de Jacques Lacan para a educação

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Entenda alguns dos conceitos desenvolvidos pelo médico e psicanalista francês



Na Paris dos anos 1920, o psiquiatra e psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981) frequentava livrarias e se reunia com os surrealistas, assistia com entusiasmo à leitura pública de Ulisses, de James Joyce (1882-1941), ligando-se a escritores, poetas, artistas plásticos, filósofos. Formado em medicina, Lacan orientou-se desde o começo de sua vida profissional para a psiquiatria e a psicanálise. Mas, por seus interesses e suas práticas mais abrangentes que os da psicanálise da primeira geração, nunca foi reconhecido pela Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), para a qual apresentava trabalhos que não eram levados em conta.
Seu anticonformismo parecia causar irritação em seus pares na psicanálise de então. No entanto, fora dos círculos psicanalíticos, era considerado brilhante intelectual. Foi o único, entre os grandes intérpretes da história do freudismo, a dar à obra freudiana uma estrutura filosófica e a tirá-la de suas bases biológicas, sem com isso cair no “espiritualismo”.
A partir de 1936, Lacan iniciou-se na filosofia hegeliana, quando assistia ao seminário de Alexandre Kojève (1902-1968). Frequenta­va sedes de revistas culturais e participava de reuniões no Collège de Sociologie, onde conviveu com diversos intelectuais, entre os quais o escritor Georges Bataille (1897-1962), cuja esposa viria a ser a segunda mulher de Lacan. Desses anos de grande ebulição intelectual e teórica tirou a certeza de que a obra freudiana devia ser relida “ao pé da letra” e à luz da tradição filosófica alemã.
Em 1938, a pedido de Henri Wallon (1879-1962) e do historiador Lucien Febvre (1878-1956), Lacan fez um balanço sombrio das violências psíquicas próprias da família burguesa em um verbete da Encyclopédie française. Constatando que a psicanálise nasceu do declínio do patriarcado, passou a apelar para a revalorização da função simbólica da psicanálise no mundo cada vez mais ameaçado pelo fascismo.
Lacan sempre manteve fortes relações intelectuais fora do meio psicanalítico: com o linguista Roman Jakobson (1896-1982), com o antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908-2009), com os filósofos Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) e Martin Heidegger (1889-1976), com os surrealistas, entre outros. Sob influência desses pensadores, adotou um questionamento profundo sobre o estatuto da verdade, do ser e do que significa considerar-se “sujeito” diante da complexidade do mundo contemporâneo. Da linguística, extraiu sua concepção de significante e de um inconsciente organizado como linguagem; da antropologia, deduziu a noção de simbólico, que utilizou na tópica SIR (simbólico, imaginário, real), assim como sua releitura universalista da interdição do incesto e do complexo de Édipo.
Durante dez anos, duas vezes por mês, Lacan realizou seu seminário público, aberto a quaisquer interessados, comentando sistematicamente todos os grandes textos do corpus freudiano e dando origem a uma nova corrente de pensamento: o lacanismo, cujos preceitos seriam discutidos não apenas por psicanalistas, mas por intelectuais de peso como Michel Foucault (1926-1984) e Gilles Deleuze (1925-1995).
Em seus seminários, atraiu muitos alunos, fascinados por seu ensino e desejosos de romper com o freudismo acadêmico da primeira geração francesa de psicanalistas. Começou então a ser reconhecido ao mesmo tempo como didata e como clínico, fundando duas escolas de psicanálise, que se dissolveram por divergências internas. Seu senso agudo da lógica da loucura, sua abordagem original do campo das psicoses e seu talento discursivo lhe valeram, ao lado de Françoise Dolto (1908-1988), um lugar especial aos olhos da jovem geração psiquiátrica e psicanalítica.
Em 1951, comprou uma casa de campo a cerca de cem quilômetros de Paris. Retirava-se para lá aos domingos, onde recebia seus pacientes e dava recepções. Ao lado de sua segunda esposa, Sylvia Bataille, que era atriz, fazia teatro para os amigos, fantasiava-se, dançava, divertia-se e às vezes usava roupas extravagantes. Nessa casa colecionava um número considerável de livros que, ao longo dos anos, formaram uma imensa biblioteca que demonstrava o tamanho de sua paixão pelo trabalho intelectual. Em um cômodo que dava para o jardim, organizou um escritório repleto de objetos de arte. Nessa casa, pendurou o famoso quadro de Gustave Courbet (1819-1877) A origem do mundo.
Depois da morte de Lacan, em 1981, o lacanismo fragmentou-se numa multiplicidade de tendências, grupos, correntes e escolas, sendo implantado de maneiras diversas em muitos países, tendo o Brasil e a Argentina alguns de seus representantes mais férteis. Entre as contribuições mais importantes de Lacan para o campo da educação estão as noções de estádio do espelho e de eu ideal.
O estádio do espelho e o eu ideal


Segundo Lacan, nos primeiros meses de vida de uma criança, não há nada parecido a um eu, com suas funções de individualização e de síntese da experiência. Falta ao bebê o esquema mental de unidade do corpo próprio que lhe permite constituir esse corpo como totalidade, assim como distinguir interno e externo, individualidade e alteridade.

É só entre o sexto e o décimo oitavo mês de vida que tal esquema mental será desenvolvido. Para tanto, faz-se necessário o reconhecimento de si na imagem do espelho ou na identificação com a imagem de outro bebê. Ao reconhecer pela primeira vez sua imagem no espelho, a criança tem uma apreensão global e unificada de seu corpo. Assim, essa unidade do corpo será primeiramente visual e é condição fundamental para o desenvolvimento psíquico do bebê.
As imagens determinam a vida do indivíduo, representam um dispositivo fundamental de socialização e individuação, fazem parte da realidade psíquica. A partir delas, nasce a fantasia. Nesse processo, surge um conceito reelaborado por Lacan, a partir de Freud: o eu ideal, que representa a ideia que o indivíduo tem de si mesmo na forma arcaica e que delimitará suas identificações posteriores.
O eu arcaico, segundo Freud, expulsa o insatisfatório e internaliza as experiências satisfatórias. Para Freud, a constituição do eu se dá de dentro para fora; para Lacan, ao contrário, se dá de fora para dentro. Segundo o francês, para orientar-se no pensar, no sentir e no agir, para aprender a desejar, para ter um lugar na estrutura familiar e social, a criança precisa inicialmente raciocinar por analogia (no sentido da mimesis grega): imitar uma imagem na posição de tipo ideal, adotando, assim, a perspectiva de um Outro. Tais operações de imitação são importantes para a orientação das funções cognitivas e afetivas, e têm valor fundamental na constituição e no desenvolvimento subsequentes do eu em outros momentos da vida madura.
Na alienação do sujeito ao Outro, o infans (o “sem palavras”) se identifica e se experimenta. Começa então a circulação do desejo: fazer-se reconhecer, ser desejado e desejar o desejo do Outro. Imagem, palavra, alimento e cuidados são expressões dos rumos da pulsão, em suas diferentes modalidades: oral, anal, visual e vocal. Esse processo vai inscrevendo as representações no inconsciente, o que dará espaço ao processo de estruturação psíquica do sujeito sustentado pelo desejo do Outro.
Depois de reconhecer-se no espelho, as imagens dos irmãos, do pai, da mãe e de seus substitutos sociais farão parte da “imagem ideal”, necessária para a socialização. Esse dispositivo permitirá a entrada da criança numa trama sócio-simbólica, cujo núcleo é a família, mas que se compõe de outras figuras com função de autoridade. Entre esses personagens, o professor tem papel fundamental.
Dessa forma, a criança introjeta uma imagem que vem de fora (do espelho e dos humanos que a cercam). Por meio do olhar, da linguagem, do toque, da entonação da voz do Outro e de outros aspectos da comunicação inconsciente, se estabelece uma intensa troca (ou uma falha também imensa) entre a criança e a cultura.
Assim nasce o sujeito lacaniano, aquela estrutura com a função de ser o lugar em que o eu pode reconhecer-se, mas onde sua autonomia total se quebra diante da dependência do externo.

Outros conceitos desenvolvidos por Lacan

Gozo e perversão


Para Lacan, o conceito de gozo implica a ideia de transgressão da lei: desafio, insubmissão ou escárnio. O gozo, portanto, participa da perversão, teorizada por Lacan como um dos componentes estruturais do funcionamento psíquico. Na perversão, o sujeito só encontra prazer quando a lei é transgredida.

Simbólico, Imaginário, Real


Essa tríade de conceitos, a partir de 1953, forma uma estrutura que, segundo Lacan, passaria a determinar e equilibrar as relações intrapsíquicas:
– O simbólico designa a ordem civilizatória a que o sujeito está ligado, como um lugar psíquico em que são reconhecidos os discursos produtores de “verdades”.
– O imaginário se define como um lugar no eu onde são acolhidos os fenômenos de representações ilusórias, utilizados para aplacar as vivências angustiantes advindas do real.
– O real designa qualquer fenômeno, aquilo que ainda não tem representações ou simbolizações no eu, que está no plano das vivências corporais ou emocionais e que, em geral, causa angústia ou sofrimento.

Significante


Esse termo foi introduzido por Ferdinand de Saussure (1857-1913) para designar a parte do signo linguístico que remete à representação psíquica do som (ou imagem acústica), em oposição à outra parte, ou significado, que remete ao conceito.

Retomado por Lacan como um conceito central em seu sistema de pensamento, o significante transformou-se, em psicanálise, no elemento do discurso (consciente ou inconsciente) que fará parte de uma série que, por sua vez, determinará os atos, as palavras e o destino do sujeito, à sua revelia e de acordo com uma nomeação que vem do simbólico.

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