Fonte: IV Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação. O Oral, o Escrito e o Digital na História da Educação, 2 a 5 de Abril de 2008. Porto Alegre, RS, Brasil.
Porto Alegre: Editora Unisinos.
ISBN 85-7431-103-0
A FOTOGRAFIA COMO FONTE E COMO OBJETO DE PESQUISA PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: QUESTÕES E PERSPECTIVAS
Autora: Rachel Duarte Abdala
Com base no trabalho desenvolvido durante a Iniciação Científica, intitulado A fonte fotográfica: novos olhares para com a documentação do Arquivo Fernando de Azevedo, e no projeto em andamento no mestrado A fotografia além da ilustração: Malta e Nicolas construindo imagens da Reforma Educacional no Distrito Federal (1927-1930), pretende-se compreender não apenas a forma pela qual a fonte fotográfica se constituiu como um instrumento de pesquisa no campo da historiografia educacional, mas também as possibilidades de sua utilização como objeto de estudo em trabalhos desenvolvidos nessa área.
Apesar desta reflexão ter surgido a partir dos trabalhos acima mencionados, neste texto, pretende-se restringir a discussão ao âmbito teórico-metodológico sobre a fotografia como fonte e objeto de pesquisa, sem abordar diretamente as fotografias geradas durante a Reforma.
Obviamente, não há aqui a pretensão de tratar o assunto proposto em toda sua extensão. Mesmo porque, apesar de recente, a preocupação com esse tipo documental, inclusive na área educacional, vem suscitando a produção de interessantes e profundos debates e reflexões, nos quais este texto se fundamenta. Além disso, novas problematizações e discussões demonstram a consolidação desse tipo documental como fonte, e sua utilização em pesquisas favorece e promove o aprimoramento teórico acerca da temática.
A fotografia brasileira oferece um campo imenso, quase inexplorado e bastante promissor para os estudiosos interessados na discussão de suas estéticas e práticas expressivas ao longo da história. Contudo, a reflexão ainda exige, por parte dos especialistas da área, um empenho para superar as lacunas existentes.
Neste sentido, este texto visa integrar-se como forma de contribuição ao conjunto dos trabalhos que têm procurado promover uma avaliação crítica da importância da fotografia como meio de expressão e comunicação e como fonte documental, acrescentando o seu emprego como objeto de pesquisa. Para o estudo da Reforma Fernando de Azevedo, propõe-se trabalhar as fotografias como fonte documental, para a compreensão dos mecanismos e das representações da renovação educacional; e como objeto de pesquisa, devido ao desenvolvimento da investigação acerca das condições de sua produção, dos fotógrafos responsáveis pelos registros e da própria história da fotografia no Brasil.
Outro objetivo é orientar a reflexão aqui exposta pela percepção da fotografia como fonte documental de grande interesse e auxílio para os estudos no campo da História da Educação. Em outras palavras, discorrer acerca das possíveis linhas de pesquisa que podem ser realizadas com base na fotografia, na área.
Nas últimas décadas verifica-se a realização de pesquisas tanto na área educacional quanto na de história, que tratam particularmente da imagem ou que fazem alusão a ela, analisando as imagens apresentadas, inserindo-as na reflexão, ao invés de utilizá-las com o intuito de embelezar o trabalho ou de simplesmente mostrar, ilustrar algum aspecto descrito no texto. Um exemplo é a dissertação de mestrado de Sônia de Oliveira Câmara que apesar de referir-se ao estudo de gênero, tendo como título: Reinventando a Escola: o ensino profissional feminino na Reforma Fernando de Azevedo de 1927 a 1930,[1] dedica todo o primeiro capítulo à questão do olhar na reforma e sobre a reforma, além disso, discorre sobre Malta, fotógrafo-funcionário da prefeitura responsável por parte dos registros das realizações renovadoras. A pesquisadora promove a inserção efetiva de fotografias em seu trabalho, remetendo o olhar a detalhes da imagem a partir do texto, estabelecendo um diálogo entre texto e imagens. Portanto, apesar de não serem numerosas as fotografias presentes além de revelar ao leitor imagens de situações ou locais mencionados (seria o papel de ilustração) cumprem a função de fonte documental.
A realização, em 1995, do Seminário Pedagogia da Imagem, imagem na pedagogia; promovido pela Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, foi muito significativa. Não só a denominação do evento como também a entidade que o promoveu chamam a atenção. Resultado do esforço de congregar os pesquisadores de várias áreas e diversas instituições do país, que estavam desenvolvendo ou que já haviam concluído trabalhos em torno dessa temática, o seminário possibilitou a troca profícua de idéias e a visibilidade desses trabalhos. Além da apresentação de estudos, houve, também a preocupação com a teorização do campo expressa sob a forma de questões, possibilidades e considerações.
Muitos trabalhos versaram especificamente sobre a relação entre imagem e educação e sobre a fotografia como fonte para a história da educação, relatando pesquisas em torno de temas pontuais ou expondo reflexões mais aprofundadas. Pela leitura dos títulos é possível vislumbrar os temas abordados nessa linha, hei-los relacionados e seus respectivos autores reunidos por ocasião do Seminário oriundos de diversas instituições:
Miriam Moreira Leite[2]: “Imagem e Educação”, Silvia Ferreira Santos Wolff[3]: “A arquitetura escolar documentada e interpretada através de imagens”, Zeila de Brito Fabri Demartini[4]: “Revisitando a história da educação através do uso de imagens”, Armando Martins de Barros[5]: “A educação como cartão-postal”, Diana Gonçalves Vidal[6]: “A imagem na Reforma educacional carioca da década de 20: fotografia, cinema e arquitetura”, Flávia Obino Correa Werle[7] e Luciana Storck de Mello: “Analise de fotografias – uma contribuição para o entendimento da Escola Complementar de Formação de Professores 1906-1946”, Sônia de Oliveira Câmara: “Revisitando a escola: considerações para uma leitura da Reforma Fernando de Azevedo”[8], Sueli Teresa de Oliveira: “Fotografia e História da Educação: busca de processos de leitura da imagem fotográfica em torno do cotidiano escolar.”[9]
O Caderno de Atividades “O sujeito da imagem e o objeto do olhar” especialmente elaborado e escrito pelo Prof. Armando Martins de Barros para os cursos de Pedagogia de Niterói e de Angra os Reis da Universidade Federal Fluminense, é um exemplo contundente da realização da intenção em inserir no âmbito educacional de forma cada vez mais sistemática e organizada o estudo da imagem e da fotografia. Englobando textos sobre a história da fotografia, sobre questões teóricas do campo, sobre aspectos polemizados por teóricos como Walter Benjamin e Roland Barthes e inserindo pensadores da educação como Paulo Freire no debate; além de textos verticalizados sobre temas específicos sobre a “prática do olhar”, como: “as cores do negro” e “imagens do trabalhador”; o objetivo explicitado na apresentação é o de contribuir para a formação de profissionais da educação. Além desses textos escritos pelo professor, o Caderno apresenta ainda textos literários e jornalísticos de autores conhecidos que versam sobre a imagem e sobre a fotografia acompanhados de comentários. Compondo o conjunto há ainda a proposta das atividades: 1) Oficinas, sugerindo experiências para demonstrar os mecanismos e processos da fotografia, e a análise de “mensagens fotográficas” contidas em fotos escolares de família, em cartões-postais; 2) Análise imagética por meio de filmes, de fotografias conhecidas e de fotografias publicitárias; 3) Convidados para debater com os alunos questões sobre a fotografia; 4) Visitas a exposições, a museus e ao laboratório fotográfico de um jornal carioca.
Expondo rapidamente o conteúdo do Caderno de Atividades, pretende-se ressaltar a importância da utilização desse tipo de material no tratamento no assunto, e o fato de ter sido desenvolvido para um curso de Pedagogia. Convidando o leitor a partilhar a co-autoria, o autor revela sua consciência de que esse é um conhecimento em formação, assim como todos os demais, portanto, esse trabalho representa um início e não um material definitivo.
A concepção e utilização da imagem fotográfica como ilustração que acompanha e torna mais agradável a leitura dos textos e mais rica a composição dos livros já foi definitivamente superada, pelo menos para esses estudiosos e outros preocupados com a questão. Entretanto, há que se considerar que a fotografia, embora tenha indiscutivelmente esse caráter, é bem mais complexa e fecunda do que essa simplista justificativa de sua utilização. Essa superação foi detectada por pesquisadores como Miriam Moreira Leite e Diana Vidal, que teceram considerações a esse respeito, em seus trabalhos.
Miriam Moreira Leite observa, em seu trabalho “Retratos de Família”, publicado em 1993, esse uso da fotografia, tornando evidente a conscientização de pesquisadores a respeito dessa verificação. “A utilização mais freqüente e antiga da fotografia, nos trabalhos de ciências humanas, é como ilustração do texto. A fotografia seria a vitrine, através da qual o leitor pode tomar um contato imediato e simplificado com o texto”[10].
Diana Vidal, além de chegar à mesma constatação, avança, afirmando que essa forma de utilização já foi banida, ou seja, mesmo que ainda seja freqüente, não há mais como realizá-la inocentemente, sem a consciência de que esse emprego da imagem implica ou pode suscitar o exame criterioso e minucioso de pesquisadores. Segundo ela, essa etapa do conhecimento, uma vez ultrapassada, pode conduzir ao próximo movimento de investigação das informações contidas nas imagens.
“Banida a interpretação das fontes visuais como mera recolha de imagens, como representação de uma realidade conferida ao ontem, elas se abrem a novas leituras. Ultrapassando a horizontalidade das informações que apresentam, oferecem-se a um estudo das sociedades, permitindo-nos indagar-lhes as formas como estas sociedades concebiam seu cotidiano, ou o imaginário coletivo informado e contraposto ao imaginário individual (do autor).” [11]
É importante ressaltar que, além dessa recente perspectiva da fotografia como fonte documental para a história educacional, abre-se também a perspectiva de seu tratamento e estudo como objeto de pesquisa.
Com a fascinante capacidade de articular beleza e informação, sua principal característica, a fotografia constitui um desafio para o pesquisador. Libertar-se da contemplação estética imposta pela imagem e superar a concepção que a considera apenas como um fragmento da realidade, são, possivelmente, dificuldades que tornam complexo o trabalho com esse tipo documental ainda pouco explorado pela historiografia, a qual procura organizar uma metodologia para o seu tratamento. Considerando esse aspecto, constata-se a necessidade de se indagar a fotografia em seu próprio código, a linguagem imagética, não verbal, limitada pelas opções por determinados recursos técnicos e estéticos de cada época.
Armando Martins de Barros inicia sua comunicação no evento acima mencionado tecendo as seguintes considerações a respeito do assunto.
“A utilização de fotografias em investigações histórico-educacionais embora fascinante não se realiza sem ônus. O recurso ao suporte nos obriga a uma constante problematização das fontes e, principalmente, da tradição positivista que a envolve. Utilizarmos em pesquisa a fotografia, implica, assim, superarmos a sedução da forma e o viés metodológico dela derivado, limitando a leitura das imagens à individualidade figurativa e à estética de cada composição.”[12]
O emprego da fotografia enquanto fonte pode ser percebido como um meio para refletir acerca da forma como os agentes sociais percebem a realidade de modos diversos a partir dos ângulos ocupados por eles na sociedade, além de oferecer elementos para a compreensão das representações. Segundo Boris Kossoy, é um produto socialmente construído pelo olhar acumulado de diversos sujeitos (o contratante, o fotógrafo, o fotografado e a sociedade), e, portanto, assim deve ser compreendida. São representações que buscam afirmar aspectos da sociedade, como exemplo, os registros realizados por Augusto Malta, que procuravam legitimar os atos da administração municipal.
Para a compreensão e utilização da fotografia como documento é preciso considerar não só a imagem em si, mas também as condições de sua produção (técnicas e referências ao fotógrafo) e os processos de circulação, divulgação e apropriação do registro fotográfico.
A análise da representação fotográfica pela perspectiva histórica torna possível vislumbrar as relações entre propostas pedagógicas e seus mecanismos de transformação e de conformação de práticas escolares. Assim, a investigação dessa fonte documental pode contribuir para a compreensão de questões relativas à fotografia como campo de conhecimento e relativas aos fatos históricos e educacionais enquadrados nas imagens.
A produção de imagens educacionais abrange amplo espectro, compondo profícuo campo para investigação, ainda não explorado em toda sua potencialidade. É inegável que a escola é um dos espaços mais significativos da vida das pessoas, no qual passam a maior parte de seu tempo e, conseqüentemente, muitos momentos passíveis de serem fixados, cristalizados para a posteridade: ingresso na escola (foto clássica, do aluno sozinho, sentado à mesa posando com elementos como o globo, o lápis, o caderno, a lousa, o mapa); eventos (como desfiles e comemorações em datas cívicas, apresentações teatrais, festas e comemorações como festa junina, festa de final de ano, aniversário da escola e a cerimônia de formatura). Fotografias produzidas por fotógrafos contratados para registrar cerimônias, grupos (de alunos, de alunos com professores e de professores) ou infra-estrutura escolar; ou pelos próprios alunos ou professores. Dessa forma, constitui-se ainda outra classificação: a de registros amadores ou profissionais. Além disso, há os registros encomendados por administrações públicas responsáveis por renovações educacionais.
Outra consideração pertinente é a de que, além do deslumbramento que toda imagem desperta, há ainda o fato de que todos nós, invariavelmente, já fomos submetidos a alguma dessas situações, ou a todas elas. Portanto, nosso olhar está impregnado pelas referências emocionais e culturais. Permitir ao olhar abrir-se às múltiplas possibilidades, sensibilizando-se por singularidades dos vários momentos históricos constitui grande desafio para o pesquisador e implica redobrado esforço. Assim, o esforço não se refere apenas a lidar com uma fonte a qual ainda se encontra imersa em processo de formação teórico-metodológica para o seu tratamento, como desavisadadamente poderia-se supor.
Conceber o registro fotográfico como um discurso e como um tipo documental implica um deslocamento em relação à tradicional análise das imagens, apresentadas como meras ilustrações dos temas pesquisados, como no caso dos trabalhos sobre história da educação. Nesse sentido, trabalhar com a fonte iconográfica tem-se constituído um desafio para a história da educação. Apesar de ser recente, a preocupação com esse tipo documental tem se consolidado devido à percepção de que a sua exploração proporciona novo e amplo campo de análise.
Na pesquisa histórica, deve-se estabelecer um diálogo com a imagem. Compreendida como representação de uma realidade, requer a articulação com outras informações, provenientes de outras fontes, procurando desconstruir analiticamente o enunciado visual.
A materialidade, as condicionantes técnicas, o olhar do fotógrafo e o objeto enfocado são os elementos internos da fotografia. Os elementos externos abrangem a contextualização histórica, a utilização, a apropriação e a representação da imagem. Ambos os conjuntos devem ser examinados, no intuito de compor uma reflexão consistente e aprofundada. Assim, a interpretação das fontes deve ser apresentada em dois níveis, o de apreciação do documento como indício histórico e o do objeto sujeito à crítica, visando analisar a maneira pela qual os discursos são constituídos, bem como as apropriações que os redefinem e rearticulam. [13].
“(...) de todas as estruturas de informação, a fotografia seria a única a ser exclusivamente constituída por uma mensagem ‘denotada’ que esgotaria totalmente seu ser; diante de uma fotografia, o sentido de ‘denotação’ ou de plenitude analógica, é tão forte, que a descrição de uma fotografia é, ao pé da letra, impossível; pois que descrever consiste precisamente em acrescentar a mensagem denotada um relais ou uma segunda mensagem, extraída de um código que é a língua, e que constitui, fatalmente, qualquer que seja o cuidado que se tenha para ser exato, uma conotação em relação ao análogo fotográfico: descrever, portanto, não é somente ser inexato ou incompleto; é mudar de estrutura, é significar uma coisa diferente daquilo que é mostrado.”[14]
Pela lógica deste trabalho, poderíamos acrescentar a essa afirmação de Roland Barthes que, apesar desses problemas inevitáveis e da dificuldade em descrever uma imagem, essa é uma operação necessária para sua interpretação e exame. Boris Kossoy[15] ressalta que uma imagem sem as referências (data, local, fotógrafo, fotografados) perde grande parte de seu potencial. Portanto, essas informações são essenciais para uma pesquisa que pretende usar fotografias como fonte e/ou objeto.
Empregar a fotografia como fonte documental para uma pesquisa não significa excluir da análise as demais fontes, pois, para a exploração das informações contidas na imagem é necessário recorrer às demais fontes, mesmo porque os trabalhos de investigação geralmente congregam um grande número de documentos de variados tipos visando compor o mais completo quadro para fundamentar a interpretação proposta. Além disso, a identificação é também um exercício realmente estimulante: rastrear localizações, identificar rostos; reconhecendo assim a substância documental das representações fotográficas.
Miriam Moreira Leite[16] afirma que, para tornar visível o invisível, ou seja, as informações circunscritas à imagem, a documentação fotográfica é submetida a diversas instâncias e níveis de interpretação e análise, para despojar-se das deformações através das quais é percebida. Gralmente temos a tendência de descrever mais pormenorizadamente uma imagem, de acordo com sua “distância” da época atual. É uma relação de constatação que se estabelece, e não de distanciamento e estranhamento, como propõe Foucault. Uma relação que, ao pretender-se totalizante, objetivando abarcar todo o figurativo, elimina, paradoxalmente, as possibilidades de interpretação e dirige o olhar e a leitura. Análise, aqui, significa descrição.
A análise desenvolvida sobre as imagens da Reforma Fernando de Azevedo foi fundamentada pela concepção que compreende a fotografia como um discurso, “(...) singular na linguagem (não-verbal) em que é constituído, e que por sua vez é instituinte de maneiras outras de representar a sociedade e seus conflitos. Uma formação discursiva que produz regras de validação e hierarquização, gestando um próprio do ato de fotografar.”[17]
Esse estudo procura verificar e demonstrar o desenvolvimento teórico e metodológico do assunto proposto. Assim, percorre os níveis pelos quais passou o tema no âmbito acadêmico e suas superações. Já descrito, o primeiro nível ao que nos referimos aqui, seria o do uso da imagem fotográfica como ilustração dos textos; superado este, os pesquisadores confrontaram-se com a dificuldade, ainda hoje observada, do tratamento da fotografia como fonte, e todas suas implicações e, mais recentemente, empenham-se em explorar a fotografia como objeto de pesquisa. É atentando para todas essas preocupações que vem se desenvolvendo minha proposta de mestrado sobre a Reforma Fernando de Azevedo.[18]
A imagem, traduzida muitas vezes na visualidade de projetos políticos e ou educacionais, tem se constituído em novo e promissor foco de análise. No caso do projeto de mestrado mencionado, o objeto de investigação é composto pelas imagens materializadas durante a Reforma Educacional promovida por Fernando de Azevedo no Distrito Federal entre os anos 1927 e 1930. As fotografias retratavam as realizações renovadoras, tais como os novos prédios escolares construídos no período, as novas práticas escolares implementadas e os novos recursos pedagógicos utilizados. Assim, a renovação educacional pôde ser visualizada pela sociedade da capital federal na aplicação dos conceitos da Escola Nova, nas práticas escolares, na função pedagógica da arte e nos registros fotográficos divulgados pelos jornais do período e por veículos como o Boletim de Educação Pública.
A fotografia é, indubitavelmente, uma forma de representação da sociedade, da arquitetura e do espaço, e, nesse caso, torna-se elemento fundamental para compreender a relação entre os projetos de novas edificações escolares e os objetivos imprimidos à sua representação fotográfica[19]. Assim, esse recurso tem sido utilizado por administrações públicas desde a descoberta desse potencial característico da fotografia, quase concomitantemente com sua invenção, no século XIX. Portanto, seu uso não foi privilégio da gestão de Fernando de Azevedo na Diretoria Geral de Instrução Pública.
O recurso fotográfico amplia a visibilidade de realizações públicas ou privadas, pois a possibilidade de a fotografia ser reproduzida em grande quantidade de cópias garante a sua veiculação em variados jornais, panfletos, cartazes, livros, etc.
Entendida como representação de uma realidade, como recurso pedagógico ou como fonte para pesquisa, a imagem, neste caso a fotográfica, possibilita a percepção de construções históricas. Assim, a análise da representação fotográfica viabiliza a compreensão da relação entre as propostas pedagógicas e a formação de práticas escolares.
Augusto Malta e Nicolas Alagemovitz foram os fotógrafos responsáveis pelos registros de imagens da renovação escolar. Entretanto, apesar do objetivo comum de documentar a gestão de Fernando de Azevedo à frente da Diretoria Geral de Instrução Pública, é perfeitamente identificável a distinção entre os dois grupos de registros, separados em função da autoria, da expressão e da temática.
A investigação das regularidades enunciativas permite perceber a alteridade entre campos de enunciação, ou seja, entre conjuntos de fotografias. Com base na problemática da produção do registro, nos motivos que a influenciaram e nas suas especificidades, há que se investigar as condicionantes históricas, estéticas e intencionais que permearam a composição das imagens que se pretendia conservar e, ao mesmo tempo, como estas foram apropriadas.
Se considerarmos que a fotografia é freqüentemente utilizada como veículo de divulgação e incorporação de ideais e concepções, teremos de considerar também o consumo dessas imagens. Certeau[20] indica uma relação entre representação e comportamento social que pode ser transposta a essa temática, pois, como nos mostra Kossoy, além do olhar do fotógrafo que recorta a imagem, também está presente a forma pela qual as pessoas se apresentavam, ao serem registradas. As fotografias oferecem-nos recortes da realidade de acordo com as formas pelas quais as sociedades se permitiram representar. A produção do registro fotográfico, portanto, obedece ao universo simbólico de cada grupo social e cultural. Por conseguinte, o universo escolar apresenta seu próprio conjunto de padrões de representações, conforme é possível constatar a partir de nossas lembranças de experiências escolares e nossos registros fotográficos dessas experiências e, a partir do exame de imagens escolares presentes em arquivos, livros, jornais, álbuns.
As pessoas criam sua própria forma de subverter o enquadramento padronizado, buscando maneiras de se sobressair. Nas fotografias de grupos escolares ou de grupos formados por ocasião de formaturas há, invariavelmente, uma ou outra pessoa que se destaca dos demais retratados de alguma forma (olhando diretamente para a câmara fotográfica, por exemplo) chamando a atenção, prendendo nosso olhar.
Na formulação de Jacques Aumont[21], as imagens são feitas para serem vistas, denotando uma intencionalidade na sua produção e a existência de um espectador presumido. Essa formulação se aplica a esta pesquisa, no sentido em que a produção e a publicação das imagens da Reforma parecem ser regidas por este princípio.
As imagens fotográficas não se esgotam em si mesmas, e nem poderiam, uma vez que são o produto de uma profusão de fatores; portanto, significam o ponto de partida da investigação. Considerando que elas nos revelam apenas um fragmento selecionado da aparência das coisas e dos fatos, não podemos tomá-las como verdades únicas e absolutas, como testemunhos do passado que procuramos reconstituir e que jamais será visto novamente da forma como foi concebido, pois está impregnado, agora, pelo olhar do historiador.
Ponderando com base no quadro aqui exposto, é possível inferir que, apesar das dificuldades inerentes ao trabalho com a imagem, mais especificamente com a imagem fotográfica, tanto como fonte documental quanto como objeto de investigação, o campo é pleno de possibilidades. Acrescentando-se a isso a particularidade do campo educacional e das imagens nele e por ele geradas, temos, de fato, variadas, numerosas e instigantes perspectivas de pesquisa.
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[1] CAMARA, Sônia de Oliveira. Reinventando a Escola: o ensino profissional feminino na Reforma Fernando de Azevedo de 1927 a 1930, Niterói – RJ, Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Dissertação de Mestrado, 1997.
[2] Da Universidade de São Paulo com diversos trabalhos publicados sobre temas concernentes à fotografia.
[3] Autora da Dissertação de mestrado intitulada: Espaço e educação: os primeiros passos da arquitetura das escolas públicas paulistas, pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo-USP, 1992.
[4] Pesquisadora do CERU/SP.
[5] Prof. de História da Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense.
[6] Professora de História da Educação da Faculdade de Educação da USP.
[7] Professora da Faculdade de Educação/Usisinos
[8] Texto referente a sua Dissertação de mestrado, pela UFF.
[9] Texto referente a sua Tese de doutorado pela Faculdade de Educação da USP.
[10] LEITE, Miriam Moreira. Retratos de Família. São Paulo: Edusp, 1993. (Coleção Texto e Arte, n. 9) p. 146.
[11]VIDAL, D. G. Fontes visuais na História: significar uma peça, In: Varia História, 1994. p.129.
[12] BARROS, Armando Martins de. “A Educação como cartão-postal”, In: Anais do Seminário Pedagogia da Imagem, Imagem na Pedagogia. Niterói, Rio de Janeiro, UFF, Faculdade de Educação, 1996. p. 151.
[13] NUNES, Clarice. “I Congresso Luso-Brasileiro de Educação - leitura escrita de Portugal e no Brasil: 1500-1970”. Modos de Ler, Formas de Escrever. FARIA Filho, Luciano Mendes de. (org.) Autêntica. Belo Horizonte, 1998. p. 13-28.
[14] BARTHES, R. “A mensagem fotográfica”, In:O óbvio e o obtuso, Ensaios críticos III. 1990 p.14.
[15] KOSSOY, Boris. Fotografia e História, São Paulo: Ática, 1989.
[16] LEITE, Miriam Moreira. Op. Cit., 1993.
[17] VIDAL, Diana. A fotografia como fonte para a historiografia educacional sobre o século XIX: uma primeira aproximação. In: FARIA Filho, Luciano M. de (org.) Educação, Modernidade e Civilização. 1998, p. 78.
[18]A tese de doutorado de Armando Martins de Barros intitulada Da pedagogia da imagem às práticas do olhar: a escola como cartão postal no Distrito Federal do início do século e a dissertação de Mirtes de Oliveira: Memória escolhida: imagem e história nas fotografias do Album Photographico da Escola Nomal – 1895, também trabalham neste perspectiva.
[19] CARVALHO, M.C.W. e WOLFF, S.F.S. “Arquitetura e fotografia no século XIX”. In: FABRIS, Annateresa (org.). Fotografia: usos e funções no século XIX., São Paulo: Edusp, 1991.
[20] CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 2a ed., Petrópolis, Vozes, 1994.
[21]AUMONT, Jacques. A imagem. Tradução Estela dos Santos Abreu e Cláudio C. Santoro, 2a. ed., Campinas, SP, Papirus, 1995 (Coleção ofício de arte e forma).
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