quinta-feira, 10 de março de 2011

AS PESQUISAS SOBRE INSTITUIÇÕES ESCOLARES: Balanço Crítico∗

            AS PESQUISAS SOBRE INSTITUIÇÕES ESCOLARES:
Balanço Crítico 
Paolo Nosella∗∗
Ester Buffa∗∗∗ 
                        
1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS
As pesquisas sobre instituições escolares desenvolveram-se, sobretudo, a partir dos anos 1990, embora alguns estudos desse tipo tenham sido feitos antes dessa época. Com o objetivo de ilustrar como essa temática passou a fazer parte dos estudos históricos da educação, faremos um rápido retrospecto. Podemos distinguir três momentos da história da educação no Brasil a partir dos anos 1950.
No primeiro momento, situado nas décadas de 1950 e 1960, portanto, num período anterior à criação dos programas de pós-graduação, a pesquisa e a produção historiográfica da educação brasileira, em particular, da paulista, desenvolveu-se na antiga Seção de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
Em 1955, essa produção recebeu significativo impulso com a criação do CBPE e do CRPE de São Paulo, um dos cinco Centros Regionais de Pesquisa criados pelo INEP, na gestão de Anísio Teixeira. O CRPE de São Paulo funcionava num prédio situado no campus da USP, o que facilitava sua integração com a FFCL. Conseqüência importante dessa integração foi o caráter político, sociológico e histórico presente nas pesquisas em educação dessa época. Não podemos esquecer que dois fatores relevantes contribuíram para essa caracterização que se sintetizou na expressão educação e sociedade. Referimo-nos ao processo de elaboração da LDB aprovada em 1961, e à expansão do ensino superior, a partir de 1950, pelo interior do Estado, com a criação dos seis primeiros Institutos Isolados de ensino superior (futura UNESP).

 O texto foi elaborado, junto com a Professora Ester Buffa, embasado na palestra proferida pelo professor Paolo Nosella durante a Vídeo Conferência promovida pelo HISTEDBR-2Oanos, UNICAMP, em 24/11/2005, interligada com o II Colóquio sobre Pesquisa de Instituições Escolares UNINOVE, São Paulo.
∗∗ Professor Titular em Filosofia da Educação da UFSCar e Professor Visitante do Mestrado em Educação da UNINOVE/SP.
∗∗∗ Professora Titular aposentada em História da Educação da UFSCar. Professora do Mestrado em Educação da UNINOVE/SP. Os estudos sobre instituições escolares: um balanço crítico 2


Facilmente, pode-se imaginar como esses dois fatores criaram, naqueles anos, um ambiente efervescente de debates e publicações sobre a realidade educacional brasileira, com destaque para a problemática da democratização do ensino. Esses debates ecoavam em importantes cidades do interior paulista, onde os estudos educacionais eram desenvolvidos. Dessa época, são sempre lembrados os nomes de professores tais como: Laerte Ramos de Carvalho, líder do grupo, Roque Spencer Maciel de Barros, José Mário Pires Azanha, Heládio César Gonçalves Antunha, João Eduardo Rodrigues Villalobos, Maria de Lourdes Mariotto Haidar e, no interior, Casimiro dos Reis Filho (da FFCL de São José do Rio Preto) e Rivadávia Marques Júnior, Jorge Nagle e Tirsa Regazzini Peres (da FFCL de Araraquara)1.
Como já mencionamos, o grande tema de pesquisas desse primeiro período foi educação e sociedade. Mas, como lembra Leonor Tanuri, mesmo nessa época, registram-se alguns estudos sobre instituições de ensino:
José Ferreira Carrato foi um dos poucos historiadores na época a se dedicar à história cultural e educacional, pois, em 1961, apresentou tese de doutoramento sobre as origens do Colégio Caraça, intitulada As Minas Gerais e os primórdios do Caraça, e, em 1968, publicou Igreja, iluminismo e escolas mineiras coloniais”. [...] “o trabalho de Maria Aparecida Rocha Bauab, acompanhado de arrolamento de fontes escritas e de recursos iconográficos, analisou as dificuldades de implantação e as vicissitudes da única escola normal criada no período imperial em São Paulo ( Tanuri, 1999, p.159-160).
O segundo momento do desenvolvimento dos estudos históricos da educação foi marcado pela criação e expansão dos Programas de Pós-Graduação em Educação, durante os governos militares. Situa-se nas décadas de 1970 e 1980. Duas características fundamentais qualificam a pesquisa em educação nesse momento: a escolarização da produção da pesquisa e a reação à política dos governos militares.
Essas duas características têm aspectos positivos e negativos. O principal aspecto positivo da escolarização da pesquisa, determinada pela institucionalização da pós-graduação, manifesta-se no fato de que a produção do conhecimento, felizmente, associou-se às atividades de ensino. Seu aspecto negativo é representado pelo

1 na elaboração dos antecedentes históricos, utilizamos, livremente, as informações contidas no texto de Leonor Maria Tanuri publicado no livro organizado por Carlos Monarcha, intitulado História da Educação Brasileira: formação do campo, primeira edição em 1999, segunda edição em 2005. Utilizamos, também, informações da palestra proferida por Carlos Monarcha no I Colóquio sobre Pesquisa de Instituições Escolares, realizado na UNINOVE/SP, em 2004. Os estudos sobre instituições escolares: um balanço crítico 3


burocratismo acadêmico que nivela, pela priorização dos títulos e diplomas, pesquisas de qualidade com outras menos significativas.
Quanto à reação à política dos militares, propiciadora do fortalecimento do pensamento crítico, destaca-se, como ponto positivo, a leitura, pelos educadores desse momento, de importantes autores clássicos como Marx, Gramsci, Althusser, Foucault, Adorno, Bourdieu e outros que fecundaram o pensamento pedagógico com categorias até então desconhecidas. Infelizmente, porém, a linha de sombra desses estudos críticos é representada pelas visões genéricas e paradigmáticas que secundarizam os objetos específicos da educação brasileira. Tais críticas refletiam, também, um acentuado idealismo e voluntarismo político decorrente da urgência do processo de redemocratização daqueles anos. Temas como sociedade de classes, base material da sociedade, atividade ideológica, compromisso político e competência técnica, formação de professores, democratização da escola, reprodução simbólica, organização escolar, eram os mais legítimos. O tema instituições escolares, senão ausente, era um mero pretexto para ilustrar o desenho do movimento histórico geral.
O terceiro momento do desenvolvimento dos estudos históricos da educação inicia-se nos anos 1990 e caracteriza-se pela consolidação da pós-graduação. É teoricamente marcado pela chamada crise dos paradigmas. Propõe-se, então, o pluralismo epistemológico e temático e privilegia-se o estudo de objetos singulares. O aspecto positivo dessa fase, que perdura ainda hoje, é representado pela ampliação das linhas de investigação, pela diversificação teórico-metodológica e pela utilização das mais variadas fontes de pesquisa. Mas, segundo alguns estudiosos, o que está havendo é, na verdade, uma fragmentação epistemológica e temática que dificulta a compreensão da totalidade do fenômeno educacional. Mais ainda, muitos deles vêem, nessa crise paradigmática, um largo movimento anti-marxista e o abandono da perspectiva histórica. Nessa perspectiva, dizem, são privilegiados temas como cultura escolar, formação de professores, livros didáticos, disciplinas escolares, currículo, práticas educativas, questões de gênero, infância e, obviamente, as instituições escolares. A nova história, a história cultural, a nova sociologia, a sociologia francesa constituem as matrizes ou a tela de fundo teórica das pesquisas realizadas.
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2. PARA UM BALANÇO CRÍTICO

Como vimos, os estudos de instituições escolares representam, hoje, um tema de pesquisa significativo entre os educadores, particularmente no âmbito da história da educação. Tais estudos, realizados quase sempre no âmbito dos programas de pós-graduação em Educação, privilegiam a cultura escolar considerada na sua materialidade e nos seus vários aspectos. A expressão cultura escolar tem sido usada como uma categoria abrangente. Dominique Julia, muito citado pelos estudiosos da temática, assim define cultura escolar:
a cultura escolar não pode ser estudada sem a análise precisa das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período de sua história, com o conjunto das culturas que lhes são contemporâneas: cultura religiosa, cultura política ou cultura popular. Para ser breve, poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos. (Julia, 2001, p.10-11).
Essas normas e práticas complexas que variam no espaço e no tempo e que podem até coexistir mantendo suas diferenças, aninham-se na instituição escolar e é possível evidenciá-las a partir dos seguintes tópicos que funcionam como categorias de análise: o contexto histórico e as circunstâncias específicas da criação e da instalação da escola; seu processo evolutivo: origens, apogeu e situação atual; a vida da escola; o edifício escolar: organização do espaço, estilo, acabamento, implantação, reformas e eventuais descaracterizações; os alunos: origem social, destino profissional e suas organizações; os professores e administradores: origem, formação, atuação e organização; os saberes: currículo, disciplinas, livros didáticos, métodos e instrumentos de ensino; as normas disciplinares: regimentos, organização do poder, burocracia, prêmios e castigos; os eventos: festas, exposições, desfiles e outros.
Os grupos de pesquisa sobre instituições escolares multiplicam-se, a cada dia, nos vários programas de pós-graduação em educação. Citamos como exemplos, o grupo do PPGE da Universidade Federal de Uberlândia (UFU/MG); o do PPGE da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar/SP); o do Centro Universitário Nove de Julho (UNINOVE/São Paulo); o do Mestrado da Universidade de Sorocaba (UNISO/SP). Observe-se, ainda, que nos diversos eventos científicos de educadores, são
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apresentados inúmeros trabalhos de pós-graduandos sobre as mais diversas instituições escolares de todo o país: públicas, particulares, religiosas, militares etc. Quase sempre os autores desses trabalhos pertencem a um grupo ou linha de pesquisa. Seria interessante elaborar um levantamento completo de todos esses grupos. Entre eles, merece destaque, até mesmo por sua abrangência nacional, o HISTEDBR, sediado na UNICAMP, um grupo de pesquisa formado há vinte anos e que, mais recentemente, também incorporou essa temática.
Também em outros países como Portugal, França, Itália, Espanha, para citar alguns de nosso conhecimento, as pesquisas sobre instituições escolares têm se destacado. Em suma, ainda que incompleto, este levantamento permite concluir que se trata de uma linha de pesquisa em ascensão. Por isso mesmo, é oportuno e necessário efetuar um balanço crítico com o objetivo de verificar em que medida tais estudos têm contribuído para uma objetiva compreensão da escolarização brasileira e para sua transformação.
Constatamos que este tipo de pesquisa apresenta sérios perigos metodológicos, porque o envolvimento do estudioso é fácil; o difícil é produzir um resultado final crítico e proveitoso. Freqüentemente, o pesquisador resvala em reducionismos teóricos tais como particularismo, culturalismo ornamental, saudosismo, personalismo, descrição laudatória ou apologética. De fato, estudos e pesquisas que retratem, de forma curiosa, aspectos singulares da instituição escolar, em tempos diversos, são fascinantes e até sedutores. Quem não gosta de saber como eram vestidas e educadas as crianças dos séculos passados e suas brincadeiras ou como as normalistas representavam a relação diploma-casamento? Ou ainda, quem não gosta de ver enaltecidos os fundadores de uma escola significativa para sua própria cidade? Ou, finalmente, quem não gosta de ver, consagrados em livros, nomes e fotografias de seus antepassados?
Estudos como estes agradam a inúmeros leitores. No entanto, por mais sedutoras que sejam essas pesquisas, não se pode admitir que a descrição pormenorizada de uma dada instituição escolar deixe de levar o leitor à compreensão da totalidade histórica. A dificuldade principal reside exatamente aí: conseguir evidenciar, de forma conveniente, o movimento real da sociedade, como insistem os marxistas. Evidenciar essa totalidade exige a adoção do método dialético e sua aplicação habilidosa. Por outro lado, devido a essa dificuldade, não podemos ser impermeáveis às ricas contribuições de novas metodologias e, menos ainda, ignorar que a dialética pressupõe, como veremos adiante, a descrição do singular.
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O primeiro pressuposto instrumental para a realização deste balanço foi o levantamento da produção escrita sobre instituições escolares, particularmente a partir dos anos 1990, com o intuito de se verificar se os perigos metodológicos apontados estão, efetivamente, presentes. Consultamos, até agora (setembro de 2005), o acervo de dissertações e teses defendidas em Programas de Pós-Graduação em Educação das seguintes universidades: USP, UNESP, UNICAMP, PUC/SP, PUC/RJ, UFRJ, UFMG, UFSCar, UFU, UNIMEP. Consultamos, também, os arquivos da ANPEd e do INEP. Não se trata de uma lista completa, mas representa uma amostra significativa que nos permite uma sistematização preliminar.
Antes de uma análise dos métodos utilizados por esses estudos, classificamos os tipos de instituição escolar estudadas. Essa classificação considerou o grau escolar (fundamental, médio, superior), o estatuto jurídico (pública, particular, leiga, religiosa, comunitária), sua natureza (educação geral ou profissional, instituição escolar ou de pesquisa). Na classificação, pode haver diferentes interpretações, pois algumas instituições podem ser alocadas em mais de uma categoria. Tendo levantado um total de 171 títulos, chegamos ao seguinte quadro:
1. instituições particulares de ensino básico (laicas e confessionais): 48
2. instituições de ensino superior (públicas e privadas): 29
3. instituições de ensino profissional (médio e superior): 27
4. escolas normais (públicas e privadas): 21
5. instituições de referência (Exemplo: Colégio Caraça, Colégio Pedro II,
antigos colégios Jesuítas): 01
6. institutos de pesquisa (exemplo: Agronômico, Butantã, Pasteur): 11
7. ensino básico público: 09
8. grupos escolares: 05
9. estudos gerais sobre a temática de instituições escolares: 05
10. SENAI/SENAC: 02
11. outras instituições de educação, não escolares (SEE, MEC) 02
12. APAE: 01
A partir desses números e da leitura dos títulos e resumos dos textos publicados, pode-se concluir que as instituições mais antigas e socialmente mais prestigiadas são as mais estudadas, como por exemplo, as de ensino superior, as escolas normais, as escolas confessionais (principalmente, femininas) e as escolas de referência. As escolas do
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trabalho e as mais modestas destinadas á população carente são pouco representadas. Os grupos escolares tornaram-se, recentemente, objeto de vários estudos, provavelmente como reação à atual decadência do ensino fundamental público, comparado com o ensino primário das primeiras décadas do período republicano.
Além do tipo de escola estudada, há outros aspectos importantes a considerar: a motivação dos autores, a distribuição geográfica das instituições pesquisadas, o foco e as fontes das pesquisas. Quanto à motivação dos autores, no nosso levantamento, encontramos 88 trabalhos que visaram à obtenção de um título de pós-graduação (mestrado, doutorado e livre-docência); os demais 83 são relatórios de pesquisa, monografias, livros, artigos, ensaios produzidos por diferentes motivações. Quanto à distribuição geográfica das instituições estudadas, observa-se que, embora nosso levantamento privilegie os programas de pós-graduação da região sudeste e, nesse sentido, as instituições estudadas desta região sejam as mais numerosas, verificamos, também, que escolas espalhadas em outras regiões do Brasil são estudadas. Não se pode esquecer que tais programas recebem estudantes de todo o país. Quanto ao foco das pesquisas, a maioria delas objetiva estudar a história da instituição escolar escolhida. Mas, há também estudos de instituição que privilegiam certos aspectos da escola como a formação dos professores, a evolução do currículo, experiências pedagógicas inovadoras etc. Quanto às principais fontes utilizadas, podemos citar: legislação, documentos oficiais da criação da instalação da escola, recuperação da memória dos dirigentes, professores, ex-alunos, entrevistas e questionários, livros didáticos, diários de classe, currículo e programa das disciplinas, cadernos dos alunos, materiais didáticos, jornais da época, fotografias etc.
As pesquisas do nosso levantamento foram realizadas no período de 1971 a 2005, sendo que, na década de 1970, os estudos sobre instituições escolares são raros; nos anos 1980, são um pouco mais freqüentes e, nos anos 1990 e 2000, há um notável crescimento.

3. O REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
O que mais nos interessa nos estudos sobre instituições escolares é verificar o referencial teórico e os procedimentos metodológicos mais utilizados pelos pesquisadores. Isso exige, naturalmente, de nossa parte, uma leitura mais atenta dos estudos realizados. No entanto, a leitura preliminar de alguns estudos publicados e
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do resumo dos demais, revelou alguns indícios importantes relativos ao referencial teórico adotado. Freqüentemente, percebe-se uma justaposição entre o referencial teórico proclamado e o posto em prática, ou seja, a ausência de uma articulação entre o referencial teórico e os dados empíricos coletados. Assim, na consideração das particularidades de uma dada instituição escolar, indispensável etapa do processo de investigação, escapa o movimento real da história que, às vezes, foi exposto como independente da materialidade dos aspectos singulares. Em outras palavras, no texto, a sociedade que produziu a escola, fica esmaecida.
Além de um levantamento mais completo e de uma leitura mais aprofundada dos estudos publicados sobre instituição escolar, para o balanço crítico que pretendemos realizar (relativo ao projeto de pesquisa, em andamento)2, precisamos explicitar o referencial teórico que nos norteia. Defendemos uma linha metodológica que descreve o particular, explicitando suas relações com o contexto econômico, político, social e cultural, dialeticamente relacionados. Assim, no estudo da Escola Normal, tentamos ilustrar o clima cultural daquele momento, típico de uma sociedade agrária pré-industrial, alheia ao mundo do trabalho, que, em 1911, criou aquela escola. No estudo seguinte, sobre a escola Profissional, criada em 1932, quando o clima cultural era outro, tentamos mostrar como o processo de industrialização da região criou essa escola para a formação de profissionais técnicos. Também, no estudo sobre a Escola da Engenharia da USP, criada em 1948, procuramos mostrar como o processo econômico-político de então foi responsável pela produção desta escola, no interior do Estado, que necessitava de engenheiros para seu desenvolvimento tecnológico. Se, de fato, conseguimos, relacionar dialeticamente o particular e o geral não cabe a nós dizer, muito embora essa tenha sido nossa intenção.
Nos últimos anos, o debate sobre as questões teóricas e metodológicas desse tipo de pesquisa intensificou-se. Há várias posições em jogo: os que, em defesa da lógica dialética, consideram que os estudos das particularidades escolares possam se tornar um beco sem saída que, muito dificilmente, permitirão a compreensão da totalidade histórica. Nesse sentido, consideram tais estudos desperdício de tempo e energias. Outros, ao contrário, para os quais a razão humana fracassou no entendimento da totalidade do real, defendem a necessidade de se dedicar ao estudo das

2 Trata-se do projeto de pesquisa, em andamento, de nossa autoria, intitulado: História e Filosofia de Instituições Escolares: avaliação de uma linha de pesquisa, financiado pelo CNPq. Os estudos sobre instituições escolares: um balanço crítico 9


particularidades escolares. Há, finalmente, os que, como nós, insistem na importância de explicitar a relação dialética entre o particular e o geral.
Há quem entenda que essa polêmica, a da crise dos paradigmas, se resume, na verdade, num posicionamento contra o marxismo. Talvez, as coisas sejam um pouco mais complexas. É inegável que, sobretudo, a partir do fracasso do socialismo real, a crítica ao marxismo ortodoxo, dogmático e determinista generalizou-se. No entanto, nem todos os que embarcam nessa crítica são antimarxistas. Já a partir dos anos 1920, a crítica a esse determinismo era feita por vários teóricos marxistas. Ou seja, existe um marxismo investigativo que, sem recusar novas contribuições teóricas, entende que o pesquisador, antes de expor o movimento real na sua totalidade, precisa investigar os aspectos particulares do real, condizente com o que Marx escreveu, em 1873, no Posfácio à segunda edição de O Capital:
É, sem dúvida, necessário distinguir o método de exposição formalmente, do método de pesquisa. A pesquisa tem de captar detalhadamente a matéria, analisar as suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real. Caso se consiga isso, e espelhada idealmente agora a vida da matéria, talvez possa parecer que se esteja tratando de uma construção a priori. (Marx, 1983, p. 20).
Esta citação representa um sólido fundamento do chamado marxismo investigativo.
É certo que há pesquisadores que rejeitam o marxismo e se filiam a outras tendências teóricas tais como positivismo, idealismo, estruturalismo, culturalismo e outras.
Para os positivistas, o dado empírico torna-se um absoluto, um fim em si mesmo, pois a mudança da sociedade como um todo não se coloca como um objetivo do conhecimento. Assim, no estudo de uma instituição escolar, o pesquisador positivista se encanta com as fontes e acredita que os dados falam por si.
O idealismo supervaloriza a subjetividade e a intencionalidade humanas como demiurgos da história. Desse ponto de vista teórico, o pesquisador, ao retratar a história de uma instituição escolar, atribui o mérito principal das transformações econômicas e sociais, aos fundadores e às atividades formativas daquela escola.
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Para o estruturalismo, a sociedade resulta de um jogo entre estrutura e superestrutura sem direção histórica e sem riscos. Seja na Grécia clássica, na sociedade feudal ou na capitalista moderna, o jogo é o mesmo. É uma dialética em que tese e antítese respeitam as regras e os limites do jogo. Nesse sentido, todas as escolas desempenham as mesmas funções. É uma dialética conhecida a priori.
Os culturalistas, seduzidos e aprisionados pelas interessantes e variadas formas de viver dos homens, comprazem-se na descrição das mesmas. Para eles, todas as formas culturais são equivalentes, pois o que importa não é seu significado histórico, mas unicamente seu significado de distinção social. Assim, por exemplo, tanto a fotografia de alunos descalços de uma escola profissional como a de uma aluna de grupo escolar, vestida de azul e branco numa escrivaninha, tendo ao lado o globo terrestre, suscitam só encantamento, nenhuma indignação. O pesquisador culturalista não considera prioritária a desigualdade social e escolar expressas nessas imagens.

4. O MÉTODO DIALÉTICO
De forma aproximativa e sintética, sabemos que o método dialético consiste em investigar a conexão íntima entre a forma pela qual a sociedade produz sua existência material e a escola que cria. Ou seja, o fundamental do método não está na consideração dos dois termos, escola e sociedade, relacionados a posteriori, mas na relação dialética entre eles, pois esses termos só existem nessa relação. Parafraseando Gustavo Gozzi (verbete Struttura, in: Bobbio, 1990, p.1155), a dialética não é uma relação mecânica que descortina, para além da aparência (escola), uma essência metafísica (sociedade). Ao contrário, é uma condição recíproca de existência. Ou seja, assim como uma determinada sociedade foi a condição para a criação e o desenvolvimento de uma determinada instituição escolar, esta é a condição de existência daquela, porque lhe molda suas relações de produção.
Retornando à afirmação de Marx, acima citada, é preciso distinguir o método de pesquisa do método de exposição. No método de pesquisa, a totalidade histórica está presente apenas intencionalmente, porque, nesse primeiro momento do processo de investigação dialética, o que importa é “captar detalhadamente a matéria, analisar as suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima” (Marx, 1983, p.20).
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Alguém poderá objetar que o detalhamento a que Marx se refere relata dados empíricos de natureza econômica, social e política. Isso é verdade. Entretanto, não se pode esquecer que Marx é o fundador do método histórico dialético, mas este não morreu com ele. Seus mais importantes seguidores ampliaram o âmbito dos dados empíricos, sem, com isso, desistir de explicitar o movimento real da história como uma totalidade. Assim, por exemplo, nos anos 1920, Trotsky estudava a vida cotidiana do cidadão como reflexo do revolucionário processo de industrialização (Trotsky, L.D.1971); Vigotsky, na mesma década, investigava as atividades lúdicas e os jogos das crianças, no Instituto de Psicologia da Universidade de Moscou, demonstrando que se trata de atividades histórica e dialeticamente determinadas (Vigotsky,L.S.2000); Gramsci, no mesmo período, estudava as práticas populares e a influência dos pequenos intelectuais de aldeia (padres, médicos, professores, juízes, tabeliões etc.), que cimentavam política e ideologicamente o bloco histórico que ele pretendia revolucionar(Gramsci A 2000). Sabemos que, para todos esses autores, a instituição escolar, em todos os níveis e expressões, era particularmente importante para qualquer análise dialética da sociedade.
Se o detalhamento dos dados empíricos da instituição escolar constitui o primeiro passo do método dialético, o segundo consiste em “expor adequadamente o movimento real”. Para conseguir isso, é indispensável não domesticar o próprio conceito de dialética, mas entendê-lo na densidade teórica que o próprio marxismo lhe atribui. Domesticar o conceito de dialética significa confundir a lógica dialética com a lógica formal. Como não lembrar, neste momento, o apólogo citado por Gramsci para distinguir a lógica formal da lógica dialética ou do real?:
Pergunta-se a um menino: - Você tem uma maçã; se der uma metade dela a seu irmão, quanto da maçã você comerá? - O menino responde: - uma maçã. – Mas como?; você não deu meia maçã a seu irmão? – Não, não dei, etc. (Gramsci, 1999, p.293).
Obviamente, quem perguntava embasava-se na lógica formal matemática; o menino respondia pela lógica do real, carregada de desejo e vontade.
Domesticar o conceito de dialética significa, ainda, confundir o “jogo” das diferenças e dos conflitos com o jogo dos consensos e das identidades. A lógica dialética entende que a história se movimenta num processo de lutas pela hegemonia: a tese não pretende a priori se compor com a antítese, mas eliminá-la.
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No processo histórico real, o que se pode prever é tão somente que haverá muita luta, mas o resultado final é imprevisível:
Na história real a antítese tende a destruir a tese, a síntese será uma superação, mas sem que se possa a priori estabelecer o que da tese será ‘conservado’ na síntese, sem que se possa a priori ‘medir’ os golpes como ocorre num ‘ring’ convencionalmente regulado. (Gramsci, 1999, p. 292).
Um exemplo adequado ao tema deste artigo e que ilustra o que significa uma lógica dialética “domesticada”, é a perspectiva iluminista da escola unitária. A oposição histórica entre espírito e mãos, entre escola secundária clássica e escola profissional, à luz do ideal de igualdade social entre os homens e da unitariedade cultural e educacional, seria superada – acreditava o iluminismo - pelo próprio processo de industrialização que criaria, de forma natural e necessária, a escola unitária, que integra as artes liberais e as artes mecânicas. Mas, infelizmente, o otimismo iluminista foi historicamente frustrado. A persistência da dualidade escolar, mesmo sob nova roupagem, como a que marca a diferença entre técnicos e engenheiros, está comprovada, entre outros, por André Petitat no livro Produção da Escola, Produção da Sociedade (Petitat, 1994). Bourdieu vai na mesma direção:
a barreira que separa o politécnico, especialista do geral, do simples técnico, dedicado à aplicação e à execução; a barreira que separa o ‘quadro’ superior do ‘quadro’ médio é uma verdadeira fronteira cultural, análoga, na sua ordem, à que separava, até os anos 60, os que tinham passado pelo ensino secundário – com latim – dos chamados ‘primários’ definidos negativamente pela falta (como os alunos provenientes do ‘primário superior’ ou das seções ‘modernas’ do secundário).(Bourdieu, 1989, p.210-211).
De posse dos conceitos fundamentais do método dialético, o pesquisador pode estabelecer a conexão objetiva entre escola e sociedade. Essa relação dialética entre escola e sociedade será apreendida a partir do levantamento e da análise de qualquer dado empírico da instituição escolar (documentos, fotografias, plantas, cadernos, livros didáticos etc.). Talvez, dada nossa experiência, os procedimentos mais adequados para alcançar tal objetivo metodológico são a análise das trajetórias dos alunos, ex-alunos e docentes, bem como a análise dos conteúdos e das metodologias escolares utilizadas.
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Por difícil que pareça a apreensão da dialéticidade da relação entre estrutura e superestrutura, entre sociedade e escola, fica claro que seu evidenciamento é o objetivo da ciência, pela simples razão de que o homem toma consciência das condições infraestruturais somente no âmbito da superestrutura:
se os homens adquirem consciência de sua posição social e de seus deveres no terreno das superestruturas, isto significa que entre estrutura e superestrutura existe uma relação necessária e vital.(Gramsci, 1999, p.292).

5. CONCLUSÃO
Apesar dos perigos e das dificuldades mencionados que esta linha de pesquisa apresenta, insistimos na importância de investir em pesquisas sobre história de instituições escolares. Sinteticamente, elencamos os motivos principais dessa nossa insistência:
A primeira fase da pesquisa é representada pelo estudo do particular. Ou seja, antes da exposição formal, o método dialético exige o rastreamento dos dados empíricos, suas várias formas de evolução e suas mútuas conexões. Neste sentido, o estudo de instituições escolares atende plenamente a essa exigência do método dialético.
Além disso, as especificidades de uma instituição escolar conferem paixão e emoção aos discursos teóricos gerais. Sem paixão e emoção, as pessoas não têm a desejável motivação para se envolverem em projetos de mudança social, condição essencial do método dialético. Mesmo assim, temos certeza que o conhecimento dialético das particularidades de uma instituição escolar não garante o engajamento dos educadores na transformação da escola, pois não interfere no seu livre arbítrio. Tal conhecimento, porém, eleva, em qualquer hipótese, o seu nível de responsabilidade.
Finalmente, acreditamos que tais pesquisas podem sucitar em qualquer cidadão brasileiro um interesse para os estudos da história local e nacional.
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REFERÊNCIAS

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