A infestação por piolhos é preocupação constante de pais e professores no período de volta às aulas. O pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) Julio Vianna Barbosa alerta para os cuidados que devem ser tomados ao combater o inseto que vive no couro cabeludo, esclarece mitos e verdades sobre o assunto e defende que as ações educativas são a estratégia mais importante para o tratamento eficaz. O IOC oferece à população o serviço gratuito de Disque-Piolho – que mudou de número e agora atende no (21) 2562-1578, de segunda a sexta-feira, das 10h às 16h. O serviço orienta pais e professores sobre as melhores estratégias para combater a pediculose.
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Segundo Barbosa, o método mais eficaz de combater os piolhos adultos é o uso diário de pente fino. Já para as lêndeas, a receita que mistura água e vinagre na mesma proporção, aplicada com algodão nos fios de cabelos, é a melhor estratégia (Foto: Rodrigo Ávila) |
A infestação por piolhos está relacionada à falta de higiene?
Julio Vianna Barbosa: Esta é uma visão completamente errada. O piolho não está associado a baixa renda ou falta de higiene. Pelo contrário, piolho gosta de cabelo limpo. Por isso, quem lava o cabelo diariamente também pode ter piolho. As crianças sofrem discriminação, ganham apelidos desagradáveis na escola, mas nosso papel é esclarecer que qualquer pessoa, independentemente da etnia ou da renda familiar, pode ser infestada. Prova disso é que a pediculose está descrita na Bíblia, 1.300 anos antes de Cristo.
É verdade que, ao contrário do que todos imaginam, o piolho não pula e nem voa? Como ele é transmitido?
Barbosa: Apesar de ser um inseto (artrópode), ele não tem asas e nem pernas adaptadas para o salto. A pulga pula, o mosquito voa – o piolho não voa e nem pula. Ele pode ser carregado pelo vento, porque é leve. Além disso, passa de uma cabeça para outra pelo contato direto. Isso explica a alta incidência e a prevalência em crianças em idade escolar, já que brincam juntos e compartilham os mesmos objetos, como escovas.
Por isso a preocupação aumenta com a volta às aulas?
Barbosa: Exatamente. Em escolas, com a aglomeração diária de crianças, os piolhos encontram o ambiente ideal para se reproduzir.
Não somente em sala de aula, em outras situações, o piolho pode se proliferar com maior facilidade?
Barbosa: Sim. Em período de férias, a proliferação também pode ser facilitada. Além da aglomeração em colônias de férias, em shoppings podemos presenciar filas enormes para a diversão de patinar no gelo, por exemplo, ou brincar no kart. O capacete utilizado, neste caso, é compartilhado. Com a transpiração, o local se torna extremamente agradável para o piolho, que prefere um ambiente quente, úmido e escuro. Outro exemplo está relacionado com as novas tecnologias. O uso de celulares com câmeras digitais entre os adolescente pode ser um fator facilitador: para obter uma foto entre duas amigas, elas devem ficar bem juntinhas em um mesmo espaço físico, ou seja, cabeça com cabeça. E desta forma, caso uma delas possua piolho, pode passar para a outra.
A coceira intensa é causada pela picada ou por outro motivo?
Barbosa: Os insetos têm artifícios para que o hospedeiro não perceba que está sendo parasitado. Com o piolho não é diferente. Na saliva dele existe uma substância que funciona como anestésico e outra que tem propriedades anticoagulantes. O anestésico não deixa que a pessoa sinta que está sendo picada e o anticoagulante não permite que o sangue coagule no abdômen do inseto. Como estas enzimas são estranhas ao organismo, quando ele acaba de fazer a hematofagia, que é a alimentação com sangue, acontece uma reação imunológica que causa a coceira. A coceira intensa pode causar feridas, que acabam funcionando como uma porta de entrada para infecções oportunistas, principalmente bacterianas.
Qual a eficácia de medicamentos como loções e xampus?
Barbosa: Com raríssimas exceções, os medicamentos disponíveis no mercado trazem em sua embalagem o pente fino. Se o produto funciona, por que esta cortesia? Nosso trabalho educacional tem o objetivo de mostrar que o que funciona mesmo é a velha receita da vovó. Passar o pente fino diariamente, como se escova os dentes. Este é o método mais eficaz, principalmente no caso de crianças em idade escolar devido ao contato contínuo com outras crianças infestadas. Uma boa saída é ensinar a criança a usar o pente fino durante o banho, porque neste momento o piolho é eliminado junto com a água corrente.
Antigamente, o uso de inseticidas era prática comum. Isso ainda acontece?
Barbosa: Infelizmente, o uso de inseticidas ainda está em vigor. Os inseticidas são venenos e, como já disse, não têm efeito sobre as lêndeas. Se houver uma lesão no couro cabeludo, por exemplo uma ferida causada porque a criança coça frequente e intensamente a cabeça, além de ser a porta para infecções oportunistas, esta ferida pode significar a entrada de substância tóxica na circulação se o inseticida for aplicado. Estes produtos não são recomendados sequer para uso animal.
A questão crucial dos medicamentos, então, é a ineficácia sobre as lêndeas?
Barbosa: O salto qualitativo da pediculose estaria na descoberta de um medicamento que tenha efeito sobre a lêndea. No processo evolutivo deste parasito, a fêmea desenvolveu uma substância que adere seu ovo ao fio de cabelo. Ou seja: ainda que o medicamento seja usado, ele não tem efeito sobre a lêndea. Caso exista um piolho em desenvolvimento, este vai eclodir em um espaço de uma semana. Por isso, é comum ouvir dos pais que o remédio não fez efeito.
Existe lêndea morta?
Barbosa: Também é comum ouvir dos pais que seu filho não tem piolho, tem lêndea morta. Isso é um mito. Quando uma lêndea aberta é encontrada, é sinal de que tem um piolho no couro cabeludo. Para complementar, é importante dizer que uma fêmea pode viver entre 30 a 45 dias e durante o seu período de vida faz uma postura de cerca de dez ovos por dia.
Muitas pessoas acreditam que a tintura de cabelo funciona como repelente para os piolhos e que, no caso de já existir uma infestação, pode eliminá-los. Isto é correto?
Barbosa: É claro que na tintura existem componentes tóxicos que podem realmente matar os piolhos. Mas, novamente, não têm efeito sobre a lêndea. Como prevenção, estes produtos têm um odor muito forte, por isso podem ter efeito repelente. Por estes mesmos motivos, não devem ser usados em crianças.
Como surgiu a ideia de criar o Disque-Piolho?
Barbosa: A ideia surgiu em função da grande demanda da população, que não sabia a quem recorrer. Nosso papel é fazer pesquisa e atender a população. Queremos mostrar que é possível acabar com uma parasitose milenar por meio de um trabalho educacional.
Como funciona o atendimento?
Barbosa: As pessoas ligam para o Disque-Piolho e recebem orientação em uma linguagem simples. O que é o piolho, que doenças ele pode transmitir e como tratar. Não prescrevemos nenhum tipo de medicamento. Sinalizamos para a população que, se realmente houver um caso de infestação, é preciso recorrer ao médico. É uma prestação de serviço que o IOC faz à população.
Publicado em 13/8/2010.
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