Construção de usina opõe moradores das cidades de Naturita e Telluride.
Projeto levaria à reabertura de antigas jazidas no Colorado e em Utah.
Kirk Johnson
Do NYT, em Naturita, Colorado
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O futuro da energia nuclear nos Estados Unidos está novamente em discussão, com suas vastas implicações, à medida que o aquecimento global revive a busca por fontes de energia que produzam menos gases de efeito estufa.
Mas em Naturita, no oeste do Colorado _ um dos primeiros lugares do mundo onde o urânio, principal combustível da energia nuclear, foi escavado em escala industrial _, o debate é ao mesmo tempo simples e complicado.
O projeto de uma nova usina de processamento de urânio, que levaria à reabertura de antigas minas no Colorado e em Utah, colocou as preocupações globais e locais em rota de colisão _ empregos, saúde, consciência de classes e memória histórica entre elas _ e sugere que, se o padrão daqui for mantido, haverá em breve um amargo debate nacional.
Portão lacrado de propriedade próxima a local proposto para construção de mina de urânio no Paradox Valley, em Naturita, no Colorado (Foto: Matthew Staver / The New York Times)
Telluride, a rica estação de esqui a uma hora de carro e um universo à parte em termos de dinheiro e influência, surgiu como um quartel-general da oposição à usina proposta, chamada Pinon Ridge, que seria a primeira nova instalação de processamento de urânio nos Estados Unidos em mais de 25 anos _ se aprovada pelo legislativo do Colorado, em janeiro.
Para moradores locais como Michelle Mathews, o fato de muitos opositores da usina serem de Telluride é um golpe crucial contra seus próprios argumentos.
"O povo de Telluride não tem nada a ver com nossa região", disse Mathews, de 31 anos, que trabalha como servente escolar e apoia veementemente a ideia de trazer de volta os empregos do urânio. "Nem todos querem dirigir até Telluride para limpar quartos de hotéis".
Aqui em Naturita e no conjunto de pequenas comunidades do Paradox Valley, onde a usina poderia ser construída (população total em torno de duas mil pessoas), o povo discorda não só sobre a percepção da usina, mas também sobre se o urânio, depositado aqui em tufos de cinzas vulcânicas há mais de 100 milhões de anos, era uma benção ou uma maldição. Minerais encontrados junto do urânio, especialmente o vanádio, usado no aço reforçado, desencadearam a primeira verdadeira febre, na década de 1930; o urânio para bombas e energia veio em seguida, num padrão de altos e baixos até a década de 1980 _ quando o programa de energia nuclear do país foi praticamente desativado.
Opositores dizem que a nostalgia pelos anos movimentados, nutrida por muitos moradores locais, é produto de um esquecimento intencional sobre as notórias mortes por câncer e destruições ambientais causados pelas minas de urânio. Eles também dizem que a empresa da usina está explorando cinicamente a ideia de um retorno aos bons tempos.
"Eles dizem que desta vez será diferente", afirmou Craig Pirazzi, carpinteiro que se mudou de Telluride para Naturita alguns anos atrás e hoje é membro da Associação de Sustentabilidade de Paradox Valley, contrária à usina. "Mas nossa oposição a essa proposta se baseia no desempenho da mineração de urânio na história, pois isso é tudo que temos _ e esses registros não são bons".
Os apoiadores, enquanto isso, dizem que os opositores de Pinon Ridge são culpados de propagar medos ignorantes sobre algo que não entendem. Mesmo a questão de quem tem o direito de se manifestar tornou-se um ponto de contenda. A usina seria uma preocupação puramente local de uma área pouco populosa, ou um assunto regional, mais amplo, que afetaria pessoas bem mais distantes com, digamos, partículas de poeira radioativa que poderiam ser liberadas?
"Eles estão dizendo que não querem isso em seus quintais _ agora, qual o tamanho do quintal deles?" questionou George Glasier, rancheiro local e um investidor que fundou a Energy Fuels, a empresa propondo a usina, onde é hoje acionista e conselheiro. A Energy Fuels é uma empresa de capital aberto com matriz no Canadá; uma subsidiária americana operaria a usina. Um estudo encomendado pela Aliança Sheep Mountain, o principal grupo opositor, onde Pizazzi também é membro, concluiu que o quintal para a Pinon Ridge seria realmente enorme _ muito maior do que sugerem os proponentes.
O rancheiro George Glasier, que fundou a Energy Fuels propondo a construção da usina (Foto: Matthew Staver / The New York Times)
Segundo autoridades da empresa, as minas de urânio que abasteceriam a usina de US$175 milhões, hoje fechadas, se estendem por 160 quilômetros ou mais, significando que caminhões de carga viajariam pelas estreitas estradas locais, levantando poeira que, diz o estudo, pode acabar no gelo da neve e no suprimento de água de toda a região. "Por um lado, estamos sendo hiper-zelosos ao dizer que seremos afetados pelos aspectos negativos disto", explicou Pirazzi. "Mas essa é uma preocupação válida _ nossa saúde, nosso ar, nossa água, tudo será afetado pela usina, e temos todo o direito de proteger nossos valores proprietários e nossa saúde".
Uma dinâmica oculta fundamental à discussão é que esta área quase sempre esteve fora de sintonia com a economia nacional.
Quando grande parte do país sofria com a Grande Depressão na década de 1930, por exemplo, mineiros locais e suas famílias prosperaram vendendo vanádio aos militares.
Outro pico veio nos anos 1950, durante a Guerra Fria, com o urânio para bombas. A economia se agitou mais uma vez na década de 1970, enquanto a crise de energia renovava o entusiasmo pela energia nuclear _ um período que terminou em lágrimas, com desastres envolvendo reatores em Three Mile Island, em 1979 na Pensilvânia, e Chernobyl, na Ucrânia, em 1986.
A queda depois disso foi absoluta e profunda, com projetos para usinas de reatores sendo cancelados por todo o país. Minas e usinas do oeste, vendo secar a demanda por combustíveis nucleares, também fecharam. Atualmente, apenas uma usina de urânio está totalmente operacional nos Estados Unidos, em Blanding, Utah.
Os tempos de crise, por sua vez, deixaram a economia local ainda mais escrava de Telluride, que iniciou sua ascensão como cidade de esqui na década de 1980.
"Havia provavelmente 300 homens indo a Telluride para fazer carpintaria", afirmou David Helkey, de 50 anos, mecânico que viajou diariamente à cidade vizinha durante anos.
Depois da recessão, o mercado de temporada de Telluride _ estimulado pelo setor de construção _ também não é como costumava ser e, para muitos moradores, isso tornou a usina e a ideia de reabrir as minas muito mais atraente.
"Nossa economia simplesmente estacionou", contou Helkey.
Outros residentes daqui são mais fatalistas. Com ou sem riscos, dizem eles, o urânio é o que a geologia ofereceu a esta área. A maioria dos apoiadores da usina também afirma acreditar nos funcionários da Energy Fuels, que dizem que leis mais rígidas tornariam tudo diferente.
"Hoje isso é mais seguro",disse Sherri Ross, que trabalha na recepção do Hotel Ray, em Naturita, e passou sua infância em Uravan, uma cidade usineira a 24 quilômetros daqui que foi tão contaminada por radiação quando a usina fechou, na década de 1980, que a cidade inteira foi demolida e sepultada. Ross, de 51 anos, contou que o pai morreu de câncer e que ela culpa parcialmente a exposição à poeira radioativa _ além do hábito de fumar _, mas apoia entusiasticamente o retorno do urânio.
Os cerca de 300 novos empregos estimados pelos funcionários da Energy Fuels, principalmente em minas reabertas, dariam à região um arrendamento econômico sobre a vida, disse ela.
Outros veteranos do passado do urânio são cautelosos, mas marcados pela experiência.
Reed Hayes, de 73 anos, contou ainda ser assombrado por uma noite em julho de 1967, quando ele trabalhava numa usina em Moab, Utah, e caiu de uma passarela num tanque cáustico de pastilhas de urânio refinado, chamadas de "yellowcake", e ácido. Ele se demitiu um mês depois, mas tem sofrido desde então, disse ele, com feridas em diversas partes do corpo, inclusive no interior da boca.
"Disseram para nós que o urânio nunca nos causaria mal", disse Hayes, que lutou durante anos por alguma compensação. "Mas aprendi muito sobre ele _ que ele fez mal a muita gente, e matou muita gente".
E ele também mudou cada comunidade em que esteve. Moab havia sido a principal produtora de pêssegos do país, por exemplo _ cerca de 40 mil árvores, incluindo duas mil de propriedade do pai de Hayes, agraciavam a cidade. Tudo terminou no início da década de 1950, quando os pomares foram cortados para abrigar operários do urânio.
Apontando aos três majestosos pessegueiros crescendo atrás de sua casa no Paradox Valley, Hayes disse: "Nós plantávamos pêssegos do tipo 'elbertas'. São esses que tenho aqui também".
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