domingo, 7 de novembro de 2010

José Rodrigues Coura costumava frequentar a Biblioteca de Manguinhos na década de 1950, enquanto cursava Medicina. Professor da UFRJ, em 1972 foi convidado pelo Ministério da Saúde a fazer um diagnóstico da Fiocruz, criada havia dois anos por meio de um decreto do governo militar. Sua história como membro da Fundação, porém, começaria sete anos mais tarde, quando outro convite o trouxe para assumir a vice-presidência de Pesquisa da Fundação e a diretoria do IOC. Reconhecido como um dos mais importantes tropicalistas do país, Coura dirigiria o Instituto mais uma vez, entre 1997 e 2001. “Conheço o Instituto Oswaldo Cruz “por dentro” desde o início de 1952, quando entrei para a então Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil, hoje Faculdade de Medicina da UFRJ. No curso básico tive como mestres, oriundos de Manguinhos, Carlos Chagas Filho, Professor de Biofísica, de quem comemoramos o centenário de nascimento este ano, Olympio da Fonseca Filho, Professor de Parasitologia, e Thales Martins, Professor de Fisiologia. Todos falavam com orgulho e carinho de suas origens científicas – o Instituto Oswaldo Cruz ou “Manguinhos”, como habitualmente chamavam o IOC. O deslumbramento daqueles mestres quando falavam das suas origens, de seus trabalhos ou de outros feitos na Casa de Oswaldo Cruz, como às vezes referiam-se ao Instituto, nos contagiava e nos induzia a visitar o Castelo, que de longe, quando passávamos pela Avenida Brasil, povoava as nossas mentes com o sonho de visitá-lo, mesmo que nos parecesse difícil ou inatingível. Lembro-me bem, era uma sexta-feira à tarde em março de 1952, quando, livre de aulas, decidi visitar “Manguinhos”. No almoço, no restaurante ao lado da Faculdade, onde hoje localiza-se a Escola Superior de Guerra Naval, na Praia Vermelha, convidei alguns colegas para irmos visitar o Instituto. Em resposta alguns disseram: “Você está maluco, ir naquele fim de mundo”. Não desisti. Tomei o bonde Praia Vermelha-Centro e de lá tomei outro bonde para São Cristóvão, de onde acho que fui de ônibus até perto do portão principal de Manguinhos. De fato era “o fim do mundo”. A Avenida Brasil era bem mais estreita, não tinha passarela e tínhamos que atravessar entre os poucos carros e ônibus até o portão do Instituto. Identifiquei-me e disse que gostaria de ir à biblioteca. Subi a ladeira e parei um pouco no topo para olhar os bustos de Carlos Chagas e Oswaldo Cruz. Em seguida, subi a escadaria até o primeiro andar do Castelo, quando começa o meu deslumbramento: os lustres coloridos, as paredes com os seus desenhos, as placas comemorativas, o “pé-direito” alto e as enormes portas laterais, que davam, no passado, entrada para os laboratórios de Carlos Chagas, à direita, e Adolpho Lutz, à esquerda. Subi ao terceiro andar onde fiquei encantado pela biblioteca, com uma grande mesa central com as revistas da semana, expostas em fileiras, e várias mesinhas laterais onde estavam sentados alguns pesquisadores, com seus aventais brancos e pilhas de livros e revistas. Concentrados em suas leituras, através de suas lentes espessas e arredondadas, exalavam ciência naquele silêncio, quebrado apenas pelo tilintar dos pendentes dos lustres açoitados pelos ventos constantes naquele andar. Entrei sem ser notado, peguei uma das revistas expostas e, fingindo que a lia, admirava aquele cenário que me encantou na juventude e que ainda hoje me encanta após mais de meio século. Fiz amizade com a chefe da Biblioteca de Manguinhos, Emília Bustamante, e com alguns dos seus funcionários e me tornei seu assíduo frequentador. Ali preparei muitos dos seminários que tive que fazer quando estudante, obtive as referências para as minhas Teses de Doutorado e Livre Docência, para duas teses de cátedras e diversos trabalhos científicos. Emília Bustamante conseguia trabalhos para mim que eu não conseguia em outras bibliotecas do Rio de Janeiro. Aquela biblioteca foi uma inesquecível fonte de saber na minha formação e no que transmiti a centenas de alunos nos últimos 50 anos. Como exposto, convivo no Instituto Oswaldo Cruz há mais de 58 anos, portanto, mais da metade de sua existência, e espero continuar aqui convivendo até o final da minha vida, se assim os seus dirigentes me permitirem. O meu contato mais direto com o Instituto Oswaldo Cruz ocorreu em 1972. Como Professor Titular e Chefe do Departamento de Medicina Preventiva da UFRJ, fui convidado pelo então Ministro da Saúde, Mario Lemos, para que fizesse um diagnóstico da situação da Fiocruz (na época Fundação Instituto Oswaldo Cruz) que, criada pelo Decreto nº 66.624 do Governo Militar, de 22 de maio de 1970, não se desenvolvia. Me licenciei por três meses da UFRJ e solicitei ao Ministro um economista para fazer um plano orçamentário e um especialista em pessoal para fazer um plano de carreira para a instituição. Percorremos todas as unidades incorporadas à Fiocruz. O primeiro contato foi com o presidente da Fundação na época, Oswaldo Cruz Filho, que nos perguntou se éramos os “interventores do Governo Federal”. Respondi que não, estávamos apenas fazendo um diagnóstico da situação para um plano de recuperação. Após visitarmos todas as unidades, chegamos à conclusão de que a Fiocruz era uma ficção, um verdadeiro caos. Não havia uma carreira profissional, não tinha orçamento, os salários eram miseráveis e poucos trabalhavam. Apresentei o relatório ao Ministro e disse-lhe que havia duas opções: ou ele fechava a Fiocruz e fazia do Castelo o Museu Oswaldo Cruz ou implementava um plano audacioso de recuperação. Ele convidou-me para implementar esse plano, mas não aceitei. Estava bem na UFRJ. Antes de ingressar como servidor do Instituto Oswaldo Cruz me tornei amigo de vários dos seus pesquisadores, entre os quais Olympio da Fonseca Filho, Lobato Paraense, Herman Lent, Mario Vianna Dias, Gobert Araújo Costa, Ernesto Hofer, Hermann Schatzmayr e vários outros entre os mais jovens. No livro que organizei com Luiz Fernando Ferreira e Lobato Paraense, em comemoração ao centenário do Instituto Oswaldo Cruz, no ano 2000, quando eu era seu diretor, constam a história e as principais realizações do Instituto até aquela data. Este livro contém uma breve biografia de Oswaldo Cruz, que intitulei “Oswaldo Gonçalves Cruz: uma vida, uma obra, uma escola”, retirado do capítulo “Notícia histórica sobre a Fundação do Instituto Oswaldo Cruz (Instituto de Manguinhos)”, de autoria de Henrique Beaurepaire Aragão (pesquisador e ex-diretor do Instituto), que compõe o volume 48 das Memórias do Instituto, editadas em comemoração ao cinquentenário da fundação do IOC. O livro contém, ainda, uma extensa descrição da “Escola de Manguinhos”, de autoria de Olympio da Fonseca Filho, transcrita da coletânea Oswaldo Cruz Monumenta Histórico (Volume II), 12 trabalhos de pesquisadores de Manguinhos que julgamos de grande importância, além de um resumo do histórico, das linhas de pesquisa e das perspectivas para os 16 departamentos que compunham o IOC na época, estrutura que criamos em 1980, e que foram extintos em 2005, substituídos por áreas de pesquisa que, até hoje, em sua maioria, não funcionam adequadamente. Minha chegada ao Instituto Oswaldo Cruz data de março de 1979, a convite do então Ministro da Saúde Mario Augusto de Castro Lima, para exercer os cargos de Vice-Presidente de Pesquisa da Fiocruz e Diretor do Instituto Oswaldo Cruz. Encontrei o Instituto – e a Fiocruz como um todo – em péssimas condições de organização e baixíssima produção científica. Visitei as unidades pelas quais iria ser responsável: os centros de pesquisa Aggeu Magalhães, em Recife, Gonçalo Moniz, em Salvador, René Rachou, em Belo Horizonte, e o Instituto Fernandes Figueira, no Rio de Janeiro. Analisei, também, os poucos grupos de pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz, que desenvolviam os chamados “projetos prioritários”, instituídos pela Presidência anterior da Fiocruz. Havia um desestímulo total e um quase abandono daqueles que não tinham “projetos prioritários”, ou seja, projetos de aplicação imediata. Levantamos as necessidades de todas as unidades e fizemos um relatório enviado ao novo Presidente da Fiocruz, Guilardo Martins Alves, e ao próprio Ministro, que me perguntou: “Dr. Coura, o que podemos fazer para reerguer Manguinhos?”. Respondi que era muito fácil. Precisávamos contratar “boas cabeças” e colocar os “meninos” junto a elas para aprenderem. E assim foi feito. Contratamos diversos líderes de pesquisa que estavam disponíveis no Brasil ou no exterior, entre os quais Leonidas e Maria Deane, que estavam desterrados na Venezuela, Luis Rey, que estava se aposentando da OMS, Helio e Peggy Pereira, que estavam se aposentando na Inglaterra, Zigman Brener, que aposentou-se na UFMG para ficar em tempo integral no René Rachou, Zilton e Sonia Andrade, que se aposentaram na UFBA para ficarem no Gonçalo Moniz, Eloi Garcia, que saiu da UFF para se integrar ao grupo de Carlos Morel no IOC, Henrique e Jane Lenzi, que vieram da Harvard nos Estados Unidos, Samuel Goldenberg, que veio para se integrar ao grupo do Morel, e tantos outros que repovoaram o IOC e a Fiocruz. Criamos os cursos de pós-graduação em Biologia Parasitária e Medicina Tropical, além do Curso de Técnico de Pesquisa, para colocarmos os “meninos” junto às “boas cabeças”, como prometemos ao Ministro. Recuperamos as Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, que estavam com três anos de atraso, e instituímos os Conselhos Deliberativos do IOC e das outras unidades. No final da minha gestão, em março de 1985, o IOC e a Fiocruz eram outras instituições: produtivas e respeitadas no Brasil e no exterior. Quando convidado para vir para Manguinhos, coloquei como única condição ocupar o Pavilhão Arthur Neiva (que estava abandonado na época) com os meus projetos de pesquisa e instalar os cursos de pós-graduação aos quais já me referi. Aquele Pavilhão, como alguns pensam, não foi construído especificamente para o ensino. Foi construído por Henrique de Beaurepaire Aragão para albergar os laboratórios de fisiologia e bacteriologia e o setor de fotografias do IOC. Paralelamente, foram construídos um anfiteatro para aulas teóricas e duas salas para aulas práticas do Curso de Aplicação de Manguinhos. As instituições brasileiras vivem de avanços e recuos. O Instituto Oswaldo Cruz nos seus primeiros 15 anos teve o seu maior avanço. Nos primeiros anos da gestão de Carlos Chagas como diretor, de 1917 a 1934, teve um bom período de estabilidade. Mas, a partir de 1920 até o final da década de 1930, teve um grande recuo devido a disputas internas, seguido de estagnação. Nas décadas de 1940/1950, principalmente na administração de Henrique Aragão, o Instituto teve um importante avanço, com a construção de novos laboratórios e renovação dos seus quadros. Foi a segunda Instituição do mundo a produzir a penicilina, em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial. A partir de 1964, com intrigas internas, cassações e perseguição de pesquisadores, o IOC decaiu de forma dramática, inclusive interrompendo em 1969 o seu Curso de Aplicação, que era o celeiro de sua renovação. Esse recuo durou até 1980, quando começou a se recuperar e progrediu durante os próximos 25 anos. Desde então, a Fiocruz como um todo e o IOC em particular estão sofrendo uma “crise de crescimento”, com disputas internas e excesso de burocratização muito perigosa, inclusive notada pela comunidade científica interna e externa. Isso não é uma crítica, que jamais faria à minha instituição, e sim uma constatação de um pesquisador experiente, inserido em várias instituições brasileiras e estrangeiras, que, como bom ouvidor, espera ser ouvido pelos nossos dirigentes, em prol da nossa instituição que amamos como parte de nossas vidas.”

Couracoura

José Rodrigues Coura costumava frequentar a Biblioteca de Manguinhos na década de 1950, enquanto cursava Medicina. Professor da UFRJ, em 1972 foi convidado pelo Ministério da Saúde a fazer um diagnóstico da Fiocruz, criada havia dois anos por meio de um decreto do governo militar. Sua história como membro da Fundação, porém, começaria sete anos mais tarde, quando outro convite o trouxe para assumir a vice-presidência de Pesquisa da Fundação e a diretoria do IOC. Reconhecido como um dos mais importantes tropicalistas do país, Coura dirigiria o Instituto mais uma vez, entre 1997 e 2001.

“Conheço o Instituto Oswaldo Cruz “por dentro” desde o início de 1952, quando entrei para a então Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil, hoje Faculdade de Medicina da UFRJ. No curso básico tive como mestres, oriundos de Manguinhos, Carlos Chagas Filho, Professor de Biofísica, de quem comemoramos o centenário de nascimento este ano, Olympio da Fonseca Filho, Professor de Parasitologia, e Thales Martins, Professor de Fisiologia. Todos falavam com orgulho e carinho de suas origens científicas – o Instituto Oswaldo Cruz ou “Manguinhos”, como habitualmente chamavam o IOC. O deslumbramento daqueles mestres quando falavam das suas origens, de seus trabalhos ou de outros feitos na Casa de Oswaldo Cruz, como às vezes referiam-se ao Instituto, nos contagiava e nos induzia a visitar o Castelo, que de longe, quando passávamos pela Avenida Brasil, povoava as nossas mentes com o sonho de visitá-lo, mesmo que nos parecesse difícil ou inatingível.
Lembro-me bem, era uma sexta-feira à tarde em março de 1952, quando, livre de aulas, decidi visitar “Manguinhos”. No almoço, no restaurante ao lado da Faculdade, onde hoje localiza-se a Escola Superior de Guerra Naval, na Praia Vermelha, convidei alguns colegas para irmos visitar o Instituto. Em resposta alguns disseram: “Você está maluco, ir naquele fim de mundo”. Não desisti. Tomei o bonde Praia Vermelha-Centro e de lá tomei outro bonde para São Cristóvão, de onde acho que fui de ônibus até perto do portão principal de Manguinhos.
De fato era “o fim do mundo”. A Avenida Brasil era bem mais estreita, não tinha passarela e tínhamos que atravessar entre os poucos carros e ônibus até o portão do Instituto. Identifiquei-me e disse que gostaria de ir à biblioteca. Subi a ladeira e parei um pouco no topo para olhar os bustos de Carlos Chagas e Oswaldo Cruz. Em seguida, subi a escadaria até o primeiro andar do Castelo, quando começa o meu deslumbramento: os lustres coloridos, as paredes com os seus desenhos, as placas comemorativas, o “pé-direito” alto e as enormes portas laterais, que davam, no passado, entrada para os laboratórios de Carlos Chagas, à direita, e Adolpho Lutz, à esquerda.
Subi ao terceiro andar onde fiquei encantado pela biblioteca, com uma grande mesa central com as revistas da semana, expostas em fileiras, e várias mesinhas laterais onde estavam sentados alguns pesquisadores, com seus aventais brancos e pilhas de livros e revistas. Concentrados em suas leituras, através de suas lentes espessas e arredondadas, exalavam ciência naquele silêncio, quebrado apenas pelo tilintar dos pendentes dos lustres açoitados pelos ventos constantes naquele andar. Entrei sem ser notado, peguei uma das revistas expostas e, fingindo que a lia, admirava aquele cenário que me encantou na juventude e que ainda hoje me encanta após mais de meio século.
Fiz amizade com a chefe da Biblioteca de Manguinhos, Emília Bustamante, e com alguns dos seus funcionários e me tornei seu assíduo frequentador. Ali preparei muitos dos seminários que tive que fazer quando estudante, obtive as referências para as minhas Teses de Doutorado e Livre Docência, para duas teses de cátedras e diversos trabalhos científicos. Emília Bustamante conseguia trabalhos para mim que eu não conseguia em outras bibliotecas do Rio de Janeiro. Aquela biblioteca foi uma inesquecível fonte de saber na minha formação e no que transmiti a centenas de alunos nos últimos 50 anos. Como exposto, convivo no Instituto Oswaldo Cruz há mais de 58 anos, portanto, mais da metade de sua existência, e espero continuar aqui convivendo até o final da minha vida, se assim os seus dirigentes me permitirem.
O meu contato mais direto com o Instituto Oswaldo Cruz ocorreu em 1972. Como Professor Titular e Chefe do Departamento de Medicina Preventiva da UFRJ, fui convidado pelo então Ministro da Saúde, Mario Lemos, para que fizesse um diagnóstico da situação da Fiocruz (na época Fundação Instituto Oswaldo Cruz) que, criada pelo Decreto nº 66.624 do Governo Militar, de 22 de maio de 1970, não se desenvolvia. Me licenciei por três meses da UFRJ e solicitei ao Ministro um economista para fazer um plano orçamentário e um especialista em pessoal para fazer um plano de carreira para a instituição. Percorremos todas as unidades incorporadas à Fiocruz. O primeiro contato foi com o presidente da Fundação na época, Oswaldo Cruz Filho, que nos perguntou se éramos os “interventores do Governo Federal”. Respondi que não, estávamos apenas fazendo um diagnóstico da situação para um plano de recuperação.
Após visitarmos todas as unidades, chegamos à conclusão de que a Fiocruz era uma ficção, um verdadeiro caos. Não havia uma carreira profissional, não tinha orçamento, os salários eram miseráveis e poucos trabalhavam. Apresentei o relatório ao Ministro e disse-lhe que havia duas opções: ou ele fechava a Fiocruz e fazia do Castelo o Museu Oswaldo Cruz ou implementava um plano audacioso de recuperação. Ele convidou-me para implementar esse plano, mas não aceitei. Estava bem na UFRJ.
Antes de ingressar como servidor do Instituto Oswaldo Cruz me tornei amigo de vários dos seus pesquisadores, entre os quais Olympio da Fonseca Filho, Lobato Paraense, Herman Lent, Mario Vianna Dias, Gobert Araújo Costa, Ernesto Hofer, Hermann Schatzmayr e vários outros entre os mais jovens. No livro que organizei com Luiz Fernando Ferreira e Lobato Paraense, em comemoração ao centenário do Instituto Oswaldo Cruz, no ano 2000, quando eu era seu diretor, constam a história e as principais realizações do Instituto até aquela data. Este livro contém uma breve biografia de Oswaldo Cruz, que intitulei “Oswaldo Gonçalves Cruz: uma vida, uma obra, uma escola”, retirado do capítulo “Notícia histórica sobre a Fundação do Instituto Oswaldo Cruz (Instituto de Manguinhos)”, de autoria de Henrique Beaurepaire Aragão (pesquisador e ex-diretor do Instituto), que compõe o volume 48 das Memórias do Instituto, editadas em comemoração ao cinquentenário da fundação do IOC. O livro contém, ainda, uma extensa descrição da “Escola de Manguinhos”, de autoria de Olympio da Fonseca Filho, transcrita da coletânea Oswaldo Cruz Monumenta Histórico (Volume II), 12 trabalhos de pesquisadores de Manguinhos que julgamos de grande importância, além de um resumo do histórico, das linhas de pesquisa e das perspectivas para os 16 departamentos que compunham o IOC na época, estrutura que criamos em 1980, e que foram extintos em 2005, substituídos por áreas de pesquisa que, até hoje, em sua maioria, não funcionam adequadamente.
Minha chegada ao Instituto Oswaldo Cruz data de março de 1979, a convite do então Ministro da Saúde Mario Augusto de Castro Lima, para exercer os cargos de Vice-Presidente de Pesquisa da Fiocruz e Diretor do Instituto Oswaldo Cruz. Encontrei o Instituto – e a Fiocruz como um todo – em péssimas condições de organização e baixíssima produção científica. Visitei as unidades pelas quais iria ser responsável: os centros de pesquisa Aggeu Magalhães, em Recife, Gonçalo Moniz, em Salvador, René Rachou, em Belo Horizonte, e o Instituto Fernandes Figueira, no Rio de Janeiro. Analisei, também, os poucos grupos de pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz, que desenvolviam os chamados “projetos prioritários”, instituídos pela Presidência anterior da Fiocruz. Havia um desestímulo total e um quase abandono daqueles que não tinham “projetos prioritários”, ou seja, projetos de aplicação imediata.
Levantamos as necessidades de todas as unidades e fizemos um relatório enviado ao novo Presidente da Fiocruz, Guilardo Martins Alves, e ao próprio Ministro, que me perguntou: “Dr. Coura, o que podemos fazer para reerguer Manguinhos?”. Respondi que era muito fácil. Precisávamos contratar “boas cabeças” e colocar os “meninos” junto a elas para aprenderem. E assim foi feito. Contratamos diversos líderes de pesquisa que estavam disponíveis no Brasil ou no exterior, entre os quais Leonidas e Maria Deane, que estavam desterrados na Venezuela, Luis Rey, que estava se aposentando da OMS, Helio e Peggy Pereira, que estavam se aposentando na Inglaterra, Zigman Brener, que aposentou-se na UFMG para ficar em tempo integral no René Rachou, Zilton e Sonia Andrade, que se aposentaram na UFBA para ficarem no Gonçalo Moniz, Eloi Garcia, que saiu da UFF para se integrar ao grupo de Carlos Morel no IOC, Henrique e Jane Lenzi, que vieram da Harvard nos Estados Unidos, Samuel Goldenberg, que veio para se integrar ao grupo do Morel, e tantos outros que repovoaram o IOC e a Fiocruz. Criamos os cursos de pós-graduação em Biologia Parasitária e Medicina Tropical, além do Curso de Técnico de Pesquisa, para colocarmos os “meninos” junto às “boas cabeças”, como prometemos ao Ministro. Recuperamos as Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, que estavam com três anos de atraso, e instituímos os Conselhos Deliberativos do IOC e das outras unidades.
No final da minha gestão, em março de 1985, o IOC e a Fiocruz eram outras instituições: produtivas e respeitadas no Brasil e no exterior. Quando convidado para vir para Manguinhos, coloquei como única condição ocupar o Pavilhão Arthur Neiva (que estava abandonado na época) com os meus projetos de pesquisa e instalar os cursos de pós-graduação aos quais já me referi. Aquele Pavilhão, como alguns pensam, não foi construído especificamente para o ensino. Foi construído por Henrique de Beaurepaire Aragão para albergar os laboratórios de fisiologia e bacteriologia e o setor de fotografias do IOC. Paralelamente, foram construídos um anfiteatro para aulas teóricas e duas salas para aulas práticas do Curso de Aplicação de Manguinhos.
As instituições brasileiras vivem de avanços e recuos. O Instituto Oswaldo Cruz nos seus primeiros 15 anos teve o seu maior avanço. Nos primeiros anos da gestão de Carlos Chagas como diretor, de 1917 a 1934, teve um bom período de estabilidade. Mas, a partir de 1920 até o final da década de 1930, teve um grande recuo devido a disputas internas, seguido de estagnação. Nas décadas de 1940/1950, principalmente na administração de Henrique Aragão, o Instituto teve um importante avanço, com a construção de novos laboratórios e renovação dos seus quadros. Foi a segunda Instituição do mundo a produzir a penicilina, em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial. A partir de 1964, com intrigas internas, cassações e perseguição de pesquisadores, o IOC decaiu de forma dramática, inclusive interrompendo em 1969 o seu Curso de Aplicação, que era o celeiro de sua renovação.
Esse recuo durou até 1980, quando começou a se recuperar e progrediu durante os próximos 25 anos. Desde então, a Fiocruz como um todo e o IOC em particular estão sofrendo uma “crise de crescimento”, com disputas internas e excesso de burocratização muito perigosa, inclusive notada pela comunidade científica interna e externa. Isso não é uma crítica, que jamais faria à minha instituição, e sim uma constatação de um pesquisador experiente, inserido em várias instituições brasileiras e estrangeiras, que, como bom ouvidor, espera ser ouvido pelos nossos dirigentes, em prol da nossa instituição que amamos como parte de nossas vidas.”
 
 

rodape

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