sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Dissertação recupera a trajetória da ornitóloga Emília Snethlage no Brasil

Dissertação recupera a trajetória da ornitóloga Emília Snethlage no Brasil

Edna Padrão
A participação feminina em diversos campos das ciências, no final do século 19 e início do 20, foi maior do que se imaginava. As mulheres trabalharam como viajantes, coletoras e funcionárias de instituições científicas em museus e universidades. Esta foi uma das questões investigadas pela historiadora Miriam Junghans ao pesquisar a trajetória da naturalista alemã Emilia Snethlage para o Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Na defesa da dissertação Avis rara: a trajetória científica da naturalista alemã Emilia Snethlage (1868-1929) no Brasil, Miriam destacou que “a participação das mulheres nessas atividades era maior do que se pensava”.
 A ornitóloga na varanda do Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 1926<BR>
(Fotos: Arquivo Guilherme De La Penha/MPEG)
A ornitóloga na varanda do Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 1926
(Fotos: Arquivo Guilherme De La Penha/MPEG)

Exemplo disso é o trabalho da ornitóloga alemã Emilia Snethlage (1868-1929). Ela desenvolveu sua carreira científica no Brasil, trabalhando no Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém, e no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Dentre sua produção científica, o Catálogo das aves amazônicas, publicado em 1914 sob a orientação do zoólogo suíço Emilio Goeldi (1859-1917), foi um dos pontos altos. “Esse catálogo foi, ao longo de 70 anos, a obra mais completa e abrangente sobre o assunto, sendo citado até hoje. O intenso trabalho de campo que Emilia desenvolveu contribuiu para o conhecimento da distribuição geográfica da avifauna brasileira”, afirma Miriam.
Mas por que o interesse em estudar a trajetória da ornitóloga? Miriam explica que tudo começou em 2003, a partir do trabalho desenvolvido em um projeto da Casa de Oswaldo Cruz, o Projeto Adolpho Lutz, sob orientação dos pesquisadores da COC Magali Romero Sá e Jaime Benchimol. A partir da pesquisa, foi publicada a Obra completa de Adolpho Lutz e lançada a Biblioteca Virtual em Saúde Adolpho Lutz [www.bvsalutz.coc.fiocruz.br]. “Ao traduzir cartas de cientistas do início do século 20, encontrei algumas menções à Emilia. Chamou minha atenção o fato de ser uma mulher em um mundo no qual ‘circulavam’ apenas homens e pensei que poderia ser interessante investigar a trajetória científica da naturalista”, diz.
Nascida em 13 de abril de 1868, na Província de Brandemburgo, ao norte de Berlim, Emilia Snethlage foi uma das primeiras mulheres a cursar a universidade na Alemanha. Estudou história natural em Berlim, Jena e Freiburg, onde doutorou-se em 1904 com tese sobre a origem da inserção da musculatura dos insetos, por ela mesma ilustrada. Logo depois voltou a Berlim, onde passou a trabalhar no Museu de História Natural como assistente de zoologia, sob as ordens do decano do museu, o ornitólogo alemão Anton Reichenow (1847-1941). Foi por intermédio dele que Emilia soube da vaga para o cargo de um profissional de zoologia em um museu da América Latina, em Belém, onde atuaria durante alguns anos.
 Emília Snethlage no Museu Goeldi, em Belém, com a mascote do Jardim Zoológico
Emília Snethlage no Museu Goeldi, em Belém, com a mascote do Jardim Zoológico

A principal característica da vida profissional de Emilia foi o intenso trabalho de campo, com viagens e excursões para coleta de espécimes. Isto não era muito usual para a época, pois os cientistas, geralmente, faziam apenas uma ou duas grandes viagens de estudos e coletas durante a vida. A mais importante dessas jornadas, que obteve intensa e favorável repercussão no meio científico, foi a travessia entre os rios Xingu e Tapajós, em 1909, acompanhada apenas por índios e tendo que vencer toda a sorte de dificuldades.
Apesar da legitimidade profissional e institucional, Miriam afirma que Emilia tinha consciência da ambiguidade do seu papel social de cientista, por ser mulher. Para reduzir esse impacto, procurava manter uma aparência física sóbria e feminina. Usava calças compridas apenas quando ia a campo e mantinha os cabelos longos, embora admitisse: “a moda dos cabelos curtos seria de fato muito cômoda para uma naturalista, mas as senhoras no interior poderiam estranhar”. Após o afastamento de Goeldi do museu que leva seu nome e a morte do seu substituto, o botânico Jacques Huber, ela assumiu a direção da instituição. Mas sua gestão foi conturbada pelo desenrolar da crise política que levou à Primeira Guerra Mundial.
Em 1922, Emilia transferiu-se para o Museu Nacional, no Rio, onde passou a trabalhar como naturalista viajante, a convite do paraense Bruno Lobo, então diretor da instituição. A serviço do museu realizou numerosas viagens científicas por Maranhão, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai, além de percorrer um longo trecho do Rio Araguaia. Em 1926, foi convidada a ingressar na Academia Brasileira de Ciências.
Em 1929, ela percorreu o Rio Madeira, o único dos afluentes ao sul do Amazonas que não havia explorado como desejava. Mas a viagem não chegou a ocorrer, pois Emília faleceu em Porto Velho, em 25 de novembro do mesmo ano. Segundo a historiadora Miriam Junghans, além dos seus estudos ornitológicos, Emilia publicou ainda artigos sobre geografia e etnografia.
Publicado em 5/8/2009.

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