Pressuposto dominante
James RachelsHá alguns anos, os membros de um grupo de investigadores liderados pelo Dr. David Rosenham, professor de psicologia e direito na Universidade de Stanford, conseguiram introduzir-se em vários hospitais psiquiátricos fazendo-se passar por doentes. Os funcionários dos hospitais ignoravam que eles eram especiais; pensavam que os investigadores eram doentes como os outros.
Os investigadores eram perfeitamente normais, seja qual for o significado do termo, mas a sua simples presença nos hospitais criou o pressuposto de que estavam mentalmente perturbados. Apesar de se comportarem com normalidade — nada fizeram para se fingir doentes — descobriram rapidamente que tudo quanto faziam era interpretado pelos médicos como sinal de seja qual for o problema mental que tinham inscrito nos formulários de admissão. Quando um deles era apanhado a tomar notas, eram inscritas notas do seguinte género nos seus relatórios: "o paciente envolve-se num comportamento de escrita". Durante uma entrevista, um "paciente" confessou que apesar de ter maior proximidade com a mãe quando era criança se ligou mais ao pai à medida que cresceu — uma mudança perfeitamente normal. Mas isto foi interpretado como prova de "relações instáveis na infância". Mesmo os seus protestos e declarações de normalidade foram voltados contra eles. Um dos verdadeiros pacientes alertou-os: "nunca digam a um médico que estão bem. Ele não vai acreditar. Isso chama-se "fuga para a saúde". Digam-lhe que continuam doentes, mas sentem-se muito melhor. Isso chama-se perspicácia".
Do pessoal dos hospitais, ninguém deu pelo logro. Os verdadeiros pacientes, no entanto, perceberam tudo. Um deles disse a um investigador, "Você não é louco. Está a investigar o hospital". E de facto estava.
Por que razão os médicos não perceberam? A experiência revelou algo sobre o poder de um pressuposto dominante: uma vez aceite uma hipótese, tudo pode ser interpretado para a apoiar. Quando a ideia de que os pacientes falsos tinham perturbações mentais foi admitida como pressuposto dominante, o seu comportamento não importava. Fizessem o que fizessem isso seria interpretado de modo a adaptar-se ao pressuposto. Mas o "sucesso" desta técnica não provou que a hipótese estivesse correcta. Era sinal, isso sim, de que algo correu mal.
A hipótese de que os pacientes falsos sofriam de perturbações mentais era defeituosa porque era insusceptível de ser testada. Se uma hipótese pretende dizer algo de factual sobre o mundo, então tem de haver condições imagináveis que possam verificá-la e outras que possam refutá-la. Caso contrário, não tem qualquer sentido. Se a hipótese for que todos os cisnes são brancos, por exemplo, podemos olhar para cisnes para ver se os há verdes, azuis ou de qualquer outra cor. Mesmo que não encontremos cisnes verdes ou azuis, sabemos como seria encontrar algum. A nossa conclusão deve basear-se nos resultados destas observações. (De facto, há cisnes pretos, pelo que a hipótese é falsa.) Suponha-se ainda que alguém afirma: "O Shaquille O'Neal não consegue entrar no meu Volkswagen". Sabemos o que isto significa, pois podemos imaginar as circunstâncias que tornariam a afirmação verdadeira e as que a tornariam falsa. Para testar a afirmação levamos o carro até ao Sr. O'Neal, convidamo-lo a entrar, e vemos o que acontece. Se for de uma maneira, a afirmação é verdadeira; se for de outra, é falsa.
Deveria ter sido possível aos médicos examinar os pacientes falsos, olhar os resultados, e afirmar: "Esperem lá, nada há de errado com estas pessoas". (Recorde-se que os pacientes falsos agiram com normalidade; nada fizeram para fingir qualquer tipo de sintomas psiquiátricos.) Mas os médicos não estavam a agir desta forma. Para eles, nada podia ser admitido contra a hipótese de que os "pacientes" estavam doentes.
James Rachels
Tradução de F. J. Azevedo Gonçalves
Retirado de Elementos de Filosofia Moral, de James Rachels (Lisboa: Gradiva, 2004)
Retirado de Elementos de Filosofia Moral, de James Rachels (Lisboa: Gradiva, 2004)
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