sábado, 8 de novembro de 2014

O GLOBO - Um quinto dos responsáveis não se envolve com estudos dos filhos, e só 12% se engajam o bastante - por Eduardo Vanini / Leonardo Vieira 07/11/2014 7:00

A nutricionista Patrícia acompanha com afinco os três filhos Foto: Agência O Globo





RIO - As famílias brasileiras têm um forte vínculo afetivo com suas crianças e seus jovens, mas isso nem sempre se traduz numa preocupação adequada com a escola. Esta é a principal conclusão da pesquisa “Atitudes pela Educação”, realizada pelos institutos Ibope e Paulo Montenegro em parceria com o Movimento Todos pela Educação, as fundações Roberto Marinho, Itaú Social e Maria Cecília Souto Vidigal e os institutos C&A e Unibanco. O estudo mostrou que uma em cada cinco famílias apresenta baixos índices de envolvimento com os filhos nos dois aspectos. Por outro lado, a análise dos dados indica que há potencial para o maior comprometimento com a vida escolar dos alunos.


Os pais que se mostraram mais eficientes nesses dois aspectos foram definidos como “comprometidos” e representam a minoria dos entrevistados: apenas 12%. São os que mais se informam sobre a proposta de ensino da escola (86%) e mais sabem das notas e do desempenho acadêmico dos alunos (79%). Eles também são os mais instruídos: cerca de 50% têm ensino médio ou superior completo.

A nutricionista Patrícia Toledo Piza, de 45 anos, sente-se parte dessa minoria. Mãe dos gêmeos Lucca e Luigi, de 13 anos, e Giovanna, de 11, ela mantém um diálogo constante com os três e controla com afinco a educação. Está sempre em contato com os professores e participa de todos os eventos escolares. Patrícia também acompanha as tarefas diárias e estabelece metas.

Se houver mais de quatro observações no caderno por não terem feito dever de casa em um mês, ficam sem o computador — conta. — Mantenho esse controle por acreditar que é através da educação que eles conquistarão seus objetivos futuros. Sempre tento mostrar esse aspecto a eles. Sei que vou deixá-los mais preparados para a vida.

MAIORIA DEVE MELHORAR

Mas é o grupo dos chamados “vinculados” que reúne a maior parte dos pais brasileiros, com 27% dos entrevistados. São aqueles que prezam mais pelo vínculo afetivo com seus filhos e menos pela ligação com a escola. A diferença é ilustrada por números: se 95% deles procuram conversar com a criança quando notam algum comportamento diferente, somente 20% dialogam com outros pais sobre a qualidade da escola.

— A maior parte dos pais apresenta um vínculo afetivo superior à importância que eles dão à escola — avalia a coordenadora-geral do Todos pela Educação, Alejandra Meraz Velasco. — Por isso, existe um espaço para que se envolvam mais com este segundo aspecto.

Segundo Alejandra , o fato de os pais já terem um bom diálogo com os filhos pode ser visto como um facilitador para a melhora em relação ao aspecto escolar. A evolução seria incorporar conversas e atividades referentes a esse assunto à rotina da família.

— Os pais precisam sinalizar aos filhos que a escola é importante e determinante para a vida, além de acompanhar melhor a rotina nos colégios. Também podem agregar aos hábitos das famílias atividades extracurriculares que ajudem em sala de aula — recomenda, pontuando que tais práticas estão diretamente relacionadas ao rendimento dos estudantes.

Mas essa não é uma obrigação restrita aos responsáveis. Como destaca Alejandra, as escolas também estão envolvidas na missão.

— Os colégios devem buscar estratégias para trazer os pais à escola, com reuniões em horários mais flexíveis e com pautas mais amplas, que não sejam somente acadêmicas. Também precisam permitir que os responsáveis participem mais do cotidiano do colégio — enumera.

Já o grupo dos “envolvidos”, que representa 25% dos pais, mantém relações assíduas com a comunidade escolar, mas tem um ambiente familiar menos propício a um relacionamento próximo com a criança e o jovem. Entre eles, por exemplo, 79% checam se a criança estudou para as provas e 67% acompanham o calendário de provas. Por outro lado, somente 35% procuram levar os filhos para programas culturais, prática de esportes ou atividades ao ar livre nos dias de folga.

A pesquisa identificou ainda o grupo dos “intermediários” (17%), que atribui maior responsabilidade da vida escolar dos filhos à própria escola. Também há os “distantes”, aqueles que menos têm vínculos tanto com os filhos quanto com as unidades onde eles estão matriculados. Neste último caso, o quadro foi considerado alarmante pela consultora em educação Andrea Ramal, doutora no tema pela PUC-Rio.

— É um volume muito alto. Temos que lembrar que essa criança está sozinha, abandonada ao próprio desempenho — afirma.
Segundo a especialista, isso mostra que não existe uma política de educação dos pais estabelecida no Brasil. O ideal seria que eles fossem capacitados e incentivados a acompanhar a vida escolar dos filhos.

— Estou falando de uma política pública, que venha do ministérios e das secretarias estaduais e municipais, com diretrizes concretas nessa direção, para todas as etapas do ensino — diz. — Parece um exagero pensar em mais essa atribuição para as escolas, mas não é. Foi isso que a Coreia do Sul fez quando promoveu sua grande reforma educacional. Chamou os pais para dentro da escola a fim de que aprendessem a acompanhar o desempenho dos filhos.

Para ela, é justamente o grupo minoritário dos “comprometidos” que deve servir como meta no Brasil. Segundo ela, ter apenas 12% dos pais dentro desse recorte também configura uma realidade preocupante:

— Enquanto não houver esse discurso da participação da família no processo educacional, o nosso Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) não será diferente de quatro. Uma prova disso é que as escolas públicas que conseguem se sair muito bem nesse indicador são justamente aquelas que trabalharam com os pais.

Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, ainda não há no Brasil uma tradição de acompanhamento familiar da vida escolar dos alunos. Segundo ele, os pais de hoje não sentiram a presença de seus progenitores na escola e, por isso, também demonstram menos preocupação com esse fator.

Além disso, Cara acredita que as escolas não criaram sistemas de ensino capazes de receber com mais eficiência os responsáveis pelos estudantes. Seria preciso, então, quebrar esse ciclo vicioso, algo que as famílias com maior instrução e escolaridade já estariam fazendo:
— Filhos de pais participativos tendem a reproduzir esta característica no futuro, quando forem pais e tiverem filhos. Por isso, é importante que os sistemas de ensino estimulem a participação dos pais. Outra necessidade é criar leis e normas que liberem os pais das atividades profissionais para o acompanhamento escolar dos filhos.

O presidente do Instituto Alfa e Beto, João Batista Oliveira, também percebeu a correlação diretamente proporcional entre vínculos e o grau de instrução dos pais:
— Aqueles com maior nível de escolaridade valorizam mais a educação e, consequentemente, procuram assegurar melhores condições de educação aos filhos. Outra razão importante é disponibilidade de tempo: pais com mais escolaridade têm mais rendimentos, melhores empregos e mais disponibilidade, com menor pressão de tempo.

MACHISMO RELEGA PAPEL DE COBRANÇA À MULHER
A pesquisa também expôs algo que já é visível em qualquer escola: a educação e a preocupação com a instrução ainda são características essencialmente femininas. Se, no grupo dos “comprometidos” (o dos mais preocupados com a vida escolar de seus filhos), as mulheres são 60% do total, nos “distantes”, elas somam 43%. Ou seja, os homens apresentam menos vínculos do que as mulheres.

Para Cara, isso ainda reflete o machismo inerente à sociedade brasileira:
— Na compreensão geral da sociedade, a educação ainda é uma questão das mulheres, tanto no papel de mãe ou responsável como no papel de professora. E essa visão está presente em todas as esferas da vida. Por exemplo, é menos difícil para a mulher conseguir a liberação do seu trabalho para acompanhar as reuniões nas escolas de seus filhos ou familiares.


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