RIO -
As famílias brasileiras têm um forte vínculo afetivo com suas crianças e seus
jovens, mas isso nem sempre se traduz numa preocupação adequada com a escola.
Esta é a principal conclusão da pesquisa “Atitudes pela Educação”, realizada
pelos institutos Ibope e Paulo Montenegro em parceria com o Movimento Todos
pela Educação, as fundações Roberto Marinho, Itaú Social e Maria Cecília Souto
Vidigal e os institutos C&A e Unibanco. O estudo mostrou que uma em cada
cinco famílias apresenta baixos índices de envolvimento com os filhos nos dois
aspectos. Por outro lado, a análise dos dados indica que há potencial para o
maior comprometimento com a vida escolar dos alunos.
Os pais que se mostraram mais
eficientes nesses dois aspectos foram definidos como “comprometidos” e
representam a minoria dos entrevistados: apenas 12%. São os que mais se
informam sobre a proposta de ensino da escola (86%) e mais sabem das notas e do
desempenho acadêmico dos alunos (79%). Eles também são os mais instruídos:
cerca de 50% têm ensino médio ou superior completo.
A nutricionista Patrícia Toledo
Piza, de 45 anos, sente-se parte dessa minoria. Mãe dos gêmeos Lucca e Luigi,
de 13 anos, e Giovanna, de 11, ela mantém um diálogo constante com os três e
controla com afinco a educação. Está sempre em contato com os professores e
participa de todos os eventos escolares. Patrícia também acompanha as tarefas
diárias e estabelece metas.
Se houver mais de quatro
observações no caderno por não terem feito dever de casa em um mês, ficam sem o
computador — conta. — Mantenho esse controle por acreditar que é através da
educação que eles conquistarão seus objetivos futuros. Sempre tento mostrar
esse aspecto a eles. Sei que vou deixá-los mais preparados para a vida.
MAIORIA DEVE MELHORAR
Mas é o grupo dos chamados
“vinculados” que reúne a maior parte dos pais brasileiros, com 27% dos
entrevistados. São aqueles que prezam mais pelo vínculo afetivo com seus filhos
e menos pela ligação com a escola. A diferença é ilustrada por números: se 95%
deles procuram conversar com a criança quando notam algum comportamento diferente,
somente 20% dialogam com outros pais sobre a qualidade da escola.
— A maior parte dos pais
apresenta um vínculo afetivo superior à importância que eles dão à escola —
avalia a coordenadora-geral do Todos pela Educação, Alejandra Meraz Velasco. —
Por isso, existe um espaço para que se envolvam mais com este segundo aspecto.
Segundo Alejandra , o fato de os
pais já terem um bom diálogo com os filhos pode ser visto como um facilitador
para a melhora em relação ao aspecto escolar. A evolução seria incorporar
conversas e atividades referentes a esse assunto à rotina da família.
— Os pais precisam sinalizar aos
filhos que a escola é importante e determinante para a vida, além de acompanhar
melhor a rotina nos colégios. Também podem agregar aos hábitos das famílias
atividades extracurriculares que ajudem em sala de aula — recomenda, pontuando
que tais práticas estão diretamente relacionadas ao rendimento dos estudantes.
Mas essa não é uma obrigação
restrita aos responsáveis. Como destaca Alejandra, as escolas também estão
envolvidas na missão.
— Os colégios devem buscar
estratégias para trazer os pais à escola, com reuniões em horários mais
flexíveis e com pautas mais amplas, que não sejam somente acadêmicas. Também
precisam permitir que os responsáveis participem mais do cotidiano do colégio —
enumera.
Já o grupo dos “envolvidos”, que
representa 25% dos pais, mantém relações assíduas com a comunidade escolar, mas
tem um ambiente familiar menos propício a um relacionamento próximo com a
criança e o jovem. Entre eles, por exemplo, 79% checam se a criança estudou
para as provas e 67% acompanham o calendário de provas. Por outro lado, somente
35% procuram levar os filhos para programas culturais, prática de esportes ou
atividades ao ar livre nos dias de folga.
A pesquisa identificou ainda o grupo dos “intermediários” (17%), que atribui maior responsabilidade da vida escolar dos filhos à própria escola. Também há os “distantes”, aqueles que menos têm vínculos tanto com os filhos quanto com as unidades onde eles estão matriculados. Neste último caso, o quadro foi considerado alarmante pela consultora em educação Andrea Ramal, doutora no tema pela PUC-Rio.
— É um volume muito alto. Temos
que lembrar que essa criança está sozinha, abandonada ao próprio desempenho —
afirma.
Segundo a especialista, isso
mostra que não existe uma política de educação dos pais estabelecida no Brasil.
O ideal seria que eles fossem capacitados e incentivados a acompanhar a vida
escolar dos filhos.
— Estou falando de uma política
pública, que venha do ministérios e das secretarias estaduais e municipais, com
diretrizes concretas nessa direção, para todas as etapas do ensino — diz. —
Parece um exagero pensar em mais essa atribuição para as escolas, mas não é.
Foi isso que a Coreia do Sul fez quando promoveu sua grande reforma
educacional. Chamou os pais para dentro da escola a fim de que aprendessem a
acompanhar o desempenho dos filhos.
Para ela, é justamente o grupo
minoritário dos “comprometidos” que deve servir como meta no Brasil. Segundo
ela, ter apenas 12% dos pais dentro desse recorte também configura uma
realidade preocupante:
— Enquanto não houver esse
discurso da participação da família no processo educacional, o nosso Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) não será diferente de quatro. Uma
prova disso é que as escolas públicas que conseguem se sair muito bem nesse
indicador são justamente aquelas que trabalharam com os pais.
Para o coordenador da Campanha
Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, ainda não há no Brasil uma
tradição de acompanhamento familiar da vida escolar dos alunos. Segundo ele, os
pais de hoje não sentiram a presença de seus progenitores na escola e, por
isso, também demonstram menos preocupação com esse fator.
Além disso, Cara acredita que as
escolas não criaram sistemas de ensino capazes de receber com mais eficiência
os responsáveis pelos estudantes. Seria preciso, então, quebrar esse ciclo
vicioso, algo que as famílias com maior instrução e escolaridade já estariam
fazendo:
— Filhos de pais participativos
tendem a reproduzir esta característica no futuro, quando forem pais e tiverem
filhos. Por isso, é importante que os sistemas de ensino estimulem a
participação dos pais. Outra necessidade é criar leis e normas que liberem os
pais das atividades profissionais para o acompanhamento escolar dos filhos.
O presidente do Instituto Alfa e
Beto, João Batista Oliveira, também percebeu a correlação diretamente
proporcional entre vínculos e o grau de instrução dos pais:
— Aqueles com maior nível de
escolaridade valorizam mais a educação e, consequentemente, procuram assegurar
melhores condições de educação aos filhos. Outra razão importante é
disponibilidade de tempo: pais com mais escolaridade têm mais rendimentos, melhores
empregos e mais disponibilidade, com menor pressão de tempo.
MACHISMO RELEGA PAPEL DE
COBRANÇA À MULHER
A pesquisa também expôs algo que
já é visível em qualquer escola: a educação e a preocupação com a instrução
ainda são características essencialmente femininas. Se, no grupo dos
“comprometidos” (o dos mais preocupados com a vida escolar de seus filhos), as
mulheres são 60% do total, nos “distantes”, elas somam 43%. Ou seja, os homens
apresentam menos vínculos do que as mulheres.
Para Cara, isso ainda reflete o
machismo inerente à sociedade brasileira:
— Na compreensão geral da
sociedade, a educação ainda é uma questão das mulheres, tanto no papel de mãe
ou responsável como no papel de professora. E essa visão está presente em todas
as esferas da vida. Por exemplo, é menos difícil para a mulher conseguir a
liberação do seu trabalho para acompanhar as reuniões nas escolas de seus
filhos ou familiares.
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