A análise de conteúdo é hoje uma das técnicas ou métodos mais comuns na investigação empírica realizada pelas diferentes ciências humanas e sociais. Trata-se de um método de análise textual que se utiliza em questões abertas de questionários e (sempre) no caso de entrevistas. Utiliza-se na análise de dados qualitativos, na investigação histórica, em estudos bibliométricos ou outros em que os dados tomam a forma de texto escrito.
A análise de conteúdo segundo a conhecida definição de Berelson, é “uma técnica de investigação para a descrição objectiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação” (Berelson, 1952). Para que seja objectiva, tal descrição exige uma definição precisa das categorias de análise, de modo a permitir que diferentes pesquisadores possam utilizá-las, obtendo os mesmos resultados; para ser sistemática, é necessário que a totalidade de conteúdo relevante seja analisada com relação a todas as categorias significativas; a quantificação permite obter informações mais precisas e objectivas sobre a frequência da ocorrência das características do conteúdo.
É uma metodologia de análise que pode ser usada em planos quantitativos de tipo survey, para tirar sentido das informações recolhidas em entrevistas ou inquéritos de opinião, como, por exemplo, quando temos em mãos um grande volume de dados textuais dos quais há que extrair sentido (Ghiglione & Matalon, 1997, [1977]).
Este trabalho aborda as análises de conteúdo efectuadas sobre o material de inquérito habitual: as entrevistas. A estrutura deste trabalho está associada a uma possível cronologia das interrogações do investigador:
→ Será que o problema que se me põe é passível de um tratamento revelante com base na análise de conteúdo?
→ Quais são os métodos de análise de conteúdo?
→ Como se aplicam?
→ Como testar a sua fidelidade, a sua validade?
→ Quais são os tipos de análise de conteúdo de que dispomos no quadro de um inquérito?
Veremos agora cada um dos tópicos acima em mais detalhes.
→ Será que o problema que se me põe é passível de um tratamento revelante com base na análise de conteúdo?
O método das entrevistas está sempre relacionado com um método de análise de conteúdo. Os métodos de entrevista são uma aplicação dos processos fundamentais de comunicação que quando são correctamente utilizados permitem ao investigador retirar das suas entrevistas elementos de reflexão muito ricos. Nos métodos de entrevista, contrariamente ao inquérito por questionário, há um contacto directo entre o investigador e os seus interlocutores. Esta troca permite o interlocutor do investigador exprimir as suas ideias, enquanto que o investigador, através das suas perguntas, facilita essa expressão e não deixa fugir dos objectivos de investigação.
No âmbito da análise de histórias de vida, o método de entrevista é extremamente aprofundado e detalhado com muitos poucos interlocutores, o que leva a que as entrevistas sejam divididas em várias sessões. O método de entrevista é especialmente adequado na análise que os actores dão às suas práticas, na análise de problemas específicos e na reconstituição de um processo de acção, de experiências ou acontecimentos do passado. Tem como principais vantagens o grau de profundidade dos elementos de análise recolhidos, a flexibilidade e a fraca directividade do dispositivo que permite recolher testemunhos dos interlocutores. Quanto a desvantagens, a questão de flexibilidade também pode vir ao de cima. Isto porque o entrevistador tem que saber jogar com este factor, de forma a estar à vontade, mas também de forma a não intimidar o interlocutor, o que poderia ocorrer caso por exemplo a linguagem ou a postura do entrevistador fossem de tal forma flexíveis. Outra desvantagem comparativamente ao método de inquérito por questionário é o facto de os elementos recolhidos não se apresentarem imediatamente sob uma forma de análise particular.
→ Quais são os métodos de análise de conteúdo?
Os métodos de AC foram propostos por Henry e Moscovici (1968), na qual distinguiam procedimentos fechados e procedimentos abertos ou exploratórios.
Os procedimentos fechados são aqueles que fazem intervir “categorias pré definidas” anteriormente à análise propriamente dita. A análise está associada a um quadro empírico ou teórico que se sustém e do qual se formulam as questões da entrevista. Depois comparam-se os textos produzidos à luz do quadro fixado para se chegar a uma particularização.
Os procedimentos abertos ou exploratórios são aqueles que não fazem intervir “categorias pré definidas”, tendo por isso um carácter puramente exploratório.”… os resultados são devidos unicamente à metodologia de análise, estando isenta de qualquer referência a um quadro teórico pré-estabelecido” (Ghiglione & Matalon, 1997, [1977]:210). Devemos começar por colocar em evidência as propriedades dos textos produzidos na entrevista, definir as diferenças e as semelhanças e eventualmente as transformações que, devem ser interpretadas de forma a permitir uma caracterização dos comportamentos observados.
→ Como se aplicam?
Quantos mais elementos de informação conseguirmos aproveitar da entrevista, mais credível será a nossa reflexão. O investigador tenta construir um conhecimento analisando o “discurso”, a disposição e os termos utilizados pelo locutor.
No decorrer de uma entrevista, o investigador, numa das etapas do seu trabalho, vê-se confrontado com os textos produzidos pelo discurso de um certo número de pessoas, todas interrogadas segundo a mesma técnica. Assim podemos enumerar algumas das perguntas que ele é levado a colocar na sua investigação:
- Como colocar cada discurso sob uma forma mais fácil de abordar, de maneira a nele conservar tudo o que é pertinente e nada mais do que isso?
- O que disse cada um a propósito de um ponto particular?
- Que diferenças e semelhanças existem entre os discursos das pessoas interrogadas?
Uma análise de conteúdo não tem sentido se não for orientada para um objectivo. Assim, relativamente à primeira questão obteremos um resumo de cada entrevista para, sob uma forma mais cómoda, podermos comparar várias entrevistas; em relação à segunda questão, trata-se simples e aparentemente, de isolar em cada discurso o que nos interessa; e relativamente à terceira questão, ele pressupõe a sistematização das diferenças e semelhanças e a postulação de hipóteses sobre as condições que originaram discursos diferentes nas entrevistas.
→ Como testar a sua fidelidade, a sua validade?
A metodologia geral da análise de conteúdo responde essencialmente a dois tipos de questões: como codificar? Como assegurar a fiabilidade do procedimento?
Como codificar?
O objectivo da investigação é transformar a informação obtida junto dos participantes em algo que seja interpretável, que tenha significado para o investigador: as chamadas categorias de análise. Berelson, a propósito da escolha das categorias, dizia:”Os estudos…serão produtivos na medida em que as categorias sejam claramente formuladas e bem adaptadas ao problema e ao conteúdo (a analisar)”. Existem diversas categorias usuais de análise como “objecto”, “valores”, métodos”, “tempo” e outros. Um exemplo de um estudo sobre as motivações dos alunos finalistas da escola dentária, foi realizado um tratamento das entrevistas a partir das categorias “valores” e “tipo de comunicação”.
Tratar o material é codifica-lo. A codificação corresponde a uma transformação, efectuada segundo regras precisas, dos dados brutos do texto que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo capaz de esclarecer o analista acerca das características do texto.
Depois de efectuado o trabalho de definição de categorias, é conveniente analisar a entrevista. Par tal, são tomadas em consideração três tipos de unidades: Unidade de registo, Unidade de contexto e Unidade de numeração. A unidade de contexto serve de unidade de compreensão para codificar a unidade de registo e corresponde ao segmento da mensagem, cujas dimensões (superiores às da unidade de registo) são boas para que se possa compreender a significação da unidade de registo, como por exemplo, ser a frase para a palavra e o paragrafo para o tema.
No campo da análise das entrevistas as unidades de registo podem ser, por exemplo, as frases e as unidades de contexto correspondentes podem ser, por exemplo, os parágrafos. Quanto à unidade de numeração, esta será aritmética e servirá para contar o número de vezes que se repete a unidade de registo (as frases).
Como assegurar a fiabilidade do procedimento?
Para garantir o rigor e qualidade dos dados recolhidos e das conclusões da investigação, é necessário que esta possua duas características fundamentais: a validade e a fidelidade. São estas que poderão garantir ao investigador que o resultado das observações efectuadas é o mais correcto. “A parte referente à avaliação da tarefa concentra-se em duas características ou qualidades de todas as técnicas de medida, ou seja, a validade e a fidelidade” (Tuckman, 2000, p.561).
A Validade
A validade poderia ser definida como a adequação entre os objectivos e os fins sem distorção dos factos. Refere a qualidade dos resultados da investigação no sentido de os podermos aceitar com “factos indiscutíveis”
Tuckman (2000, p.8) refere dois tipos de validade: validade interna e validade externa. Segundo ele, um estudo tem validade interna quando o “seu resultado está em função do programa ou abordagem a testar” e tem validade externa “se os resultados obtidos forem aplicáveis no terreno a outros programas ou abordagens similares” (p.8). A validade externa está directamente ligada à confiança nos resultados da investigação, a fim de ser possível generalizá-los. “A validade externa tem pouco valor sem um razoável grau de validade interna, dando confiança às nossas conclusões, antes de tentarmos generalizá-las” (p.9).
Num projecto de investigação é necessário procurar o ponto de equilíbrio entre os dois tipos de validade. Assim, o investigador deverá procurar atingir um nível satisfatório de validade interna, para que a investigação possa ser conclusiva. Simultaneamente deverá tentar que ela se mantenha integrada na realidade em estudo, para ser representativa e generalizável, isto é, ter validade externa.
Uma vez construídas as categorias de análise de conteúdo, estas devem ser sujeitas a um teste de validade interna para o investigador se assegurar da sua exaustividade e exclusividade. Pretende-se assim garantir, no primeiro caso, que todas as unidades de registo possam ser colocadas numa das categorias; e, no segundo caso, que uma mesma unidade de registo só possa caber numa categoria.
Existem vários tipos de validade, como validade de conteúdo, validade preditiva, validade comparativa, validade interpretativa e outras. Como exemplo considere um trabalho sobre alcoólicos. Uma bateria de rácios sintácticos permite identificar fases diferentes na vivência do alcoólico. Esses rácios são construídos a partir da selecção frequencial de palavras (verbos, adjectivos, nomes, etc.) Poderia querer medir o vocabulário dos alcoólicos e, neste caso, estaria interessada na validade de conteúdo; poderia igualmente tentar predizer a duração da cura de desintoxicação e seria remetida para a validade preditiva; poderia comparar o vocabulário dos alcoólicos e dos não-alcoólicos e teria uma validade comparativa; poderia querer fazer inferências sobre capacidades mnemónicas dos alcoólicos e teria uma validade interpretativa. Entretanto, o problema da validade atravessa todas as etapas de uma análise de conteúdo e não há questões de validade específicas. Como em qualquer outro procedimento de investigação, também neste o investigador deve assegurar-se e deve assegurar os seus leitores que mediu o que pretendia medir.
A Fidelidade
A fidelidade dos resultados refere o grau de confiança ou exactidão que podemos ter na informação obtida. Os resultados devem ser independentes daqueles que os produzem. A fidelidade do instrumento está ligada ao processo de codificação de que ele dispõe. Assim, os testes de fidelidade serão para testar a fidelidade do codificador e a das categorias de análise. Um conjunto de codificadores, operando sobre um mesmo texto, deve chegar aos mesmos resultados e analisando o mesmo texto em dois momentos diferentes, deve reproduzir a mesma análise. A fidelidade é completa quando a categoria de análise não é ambígua, ou seja, permite classificar sem dificuldade a unidade de registo.
→ Quais são os tipos de análise de conteúdo de que dispomos no quadro de um inquérito?
O investigador necessita de utilizar métodos de análise de conteúdo que implicam a aplicação de processos técnicos relativamente precisos, não se devendo preocupar apenas com aspectos formais, estes servem somente de indicadores de actividade cognitiva do locutor. Hoje em dia a importância da análise de conteúdo na investigação social é cada vez maior, sobretudo devido à forma metódica com que tratam informações e testemunhos que apresentam algum grau de profundidade complexidade.
Ao analisarmos um conjunto de entrevistas, verifica-se que não são homogéneas e assim é necessário fazer delas uma síntese, ou seja, obter do seu conjunto um discurso único. Deveria ser um discurso que tomasse em consideração tanto os traços comuns às diferentes entrevistas como as suas diferenças, organizando-os na medida do possível.
Consideremos o caso mais frequente das análises de conteúdo, em que o método utilizado reduz cada entrevista a um conjunto de preposições. A actuação mais elementar poderá consistir na procura de intersecção desses conjuntos, quer dizer, das proposições comuns a todas as entrevistas. Poderíamos ainda alargar este núcleo procurando pontos comuns para além das preposições, essencialmente as relações entre elas.
Relativamente às diferenças, três abordagens são possíveis. Em primeiro lugar, podemos evitar o problema postulando a homogeneidade do conjunto dos sujeitos, ou de certos subconjuntos definidos segundo critérios exteriores às próprias entrevistas. Em segundo lugar, uma abordagem alternativa consiste em procurar tipos, quer dizer, subconjuntos de indivíduos apresentando traços comuns. Em terceiro, poderemos procurar organizar as diferenças, ou seja, considerar dois ou mais traços diferentes como modalidades distintas de uma mesma variável. Podemos assim dizer que não existe um, mas vários métodos de análise de conteúdo.
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