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terça-feira, 11 de setembro de 2012
A INTEGRAÇÃO ENTRE DIDÁTICA E
EPISTEMOLOGIA DAS DISCIPLINAS:
UMA VIA PARA A RENOVAÇÃO DOS
CONTEÚDOS DA DIDÁTICA
José Carlos Libâneo
Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
INTRODUÇÃO À QUESTÃO
A discussão que envolve o tema está ligada ao desenvolvimento
teórico da didática e suas implicações na sistematização do “campo
do didático”. Não é nenhuma novidade admitir que em boa parte dos
cursos de licenciatura no Brasil, a despeito da intensa produção do
movimento crítico da didática desde o início dos anos 1980, mantémse a concepção de didática prescritiva, instrumental
1
. Destaca-se
nesta visão tradicional de didática uma concepção epistemológica de
aplicar uma teoria prévia à prática como, também, a separação entre
conteúdos/objetivos e métodos/meios, tratando essas categorias
como coisas distintas, não considerando a articulação entre métodos
de ensino e métodos da ciência ensinada.
A didática crítica, surgida no Brasil explicitamente no início dos
anos 1980, levou os professores a vincularem o ensino às realidades
sociais, seja entendendo os conteúdos como cultura crítica seja
relacionando-os com saberes do cotidiano. É possível questionar, por
um lado, se essa didática conseguiu, em suas várias correntes teóricas,
articular pedagogicamente o social, o político, o cultural e o escolar;
por outro, em que grau a metodologia de ensino nessas orientações
teóricas de cunho crítico têm se preocupado com o vínculo entre a
didática e a epistemologia dos saberes ensinados. Pesquisadores
ligados à teoria curricular crítica ou a pedagogias do cotidiano
2
,
1 O quadro real do ensino da didática e das metodologias especíicas das disciplinas foi
constatado com bastante realismo em Libâneo (2009).
2 Adeptos desta concepção se articulam teoricamente em torno da teoria curricular
crítica, sustentada por distintos aportes teóricos como o pós-estruturalismo, a teoria critico-82
desde os anos 1990, têm valorizado experiências de mudanças no
modo de compreender a relação entre teoria e prática em didática
que constroem suas propostas pedagógicas no próprio contexto do
cotidiano escolar. Esse entendimento põe claramente em questão o
caráter prescritivo e instrumental da didática e, assim, a ideia de que
teóricos e professores possam constituir-se como direcionadores de
caminhos para a prática docente. Escreve Lopes sobre isso:
(...) as pesquisas educacionais não são feitas para dizer
à escola e aos professores o que fazer e como fazer (...)
É possível acreditar que um entendimento mais profundo
da educação permite circular discursos e estabelecer
diálogos, em múltiplas direções, com currículo, mas
destituído da pretensão de construir um lugar privilegiado
do saber sobre a prática” (Ib., p.21). (Lopes, 2007, p.20).
Ressalte-se que não tem faltado polarizações entre educadores
de posições sociocríticas sobre o modo de funcionamento das escolas
num mundo em mudança, seja opondo a ênfase entre objetivos
sociopolíticos e culturais à tendência a propor orientações práticas
no ensino, seja opondo duas visões de escola: uma, de formação
geral (cultural e cientíica), outra de provimento de vivência social/
cultural (Cf. Libâneo, 2006). No mesmo sentido de polarizações que
se excluem mutuamente, pode-se mencionar a ênfase nas práticas
socioculturais na escola em contraponto com a ênfase nas práticas
pedagógicas (e, por conseqüência, na epistemologia dos saberes
constituídos), ou vice-versa.
Não se fará aqui a discussão dessas posições, são
mencionadas apenas para identiicar algumas pistas do percurso
assumido pelo ensino da didática no Brasil até o presente, incluindo
a questão epistemológica. Assim, pergunta-se: de que forma as
correntes atuais da didática têm tratado a questão da integração entre
emancipatória, a teoria do currículo em rede, entre outras. Não é objetivo deste texto discutir as
denominações “didática” e “currículo” e seu objeto de estudo. Mantenho a posição já registrada
em outra publicação (Libâneo, 1998), de que ambas as disciplinas ocupam-se das formas de
realização do ensino.83
didática e epistemologia? Em que grau questões epistemológicas e
da metodologia das ciências têm penetrado nas discussões sobre o
conteúdo da didática e a formação de professores? Como se articulam
nessas correntes os planos epistemológico, psicológico e didático?
A PERTINÊNCIA DA ABORDAGEM EPISTEMOLÓGICA NAS
QUESTÕES DIDÁTICAS
Pode-se identiicar na história da didática ao menos três fases.
A primeira lembra Comênio e Herbart em que se tem uma teoria
geral do ensino (didática “geral”) aplicada a todas as matérias, não
importando as particularidades epistemológicas dessas matérias.
Na segunda, tem lugar a consolidação das metodologias especíicas
das ciências ensinadas, fato que, do ponto de vista epistemológico,
representou um avanço na investigação didática, dando relevância à
dimensão epistemológica dos saberes, embora às vezes isso tenha se
dado em prejuízo do fundamento pedagógico de todo ensino, inclusive
por rechaçar a didática geral. A terceira fase, desejada por uns e
rejeitada por outros, corresponde à busca da unidade teórico-cientíica
entre a didática e as didáticas especíicas, “em que cada metodologia
especíica desenvolve seu peril mas, em razão de muitas questões
comuns, conhecimentos gerais, tarefas, etc., está relacionada com as
demais metodologias e à didática geral” (Klingberg, p. 33). Busca-se,
pois, uma integração entre a didática e as metodologias especíicas
em que se ressalta o que é comum, básico, para os objetivos de
formação da personalidade dos alunos e para o trabalho docente e a
questão da epistemologia dos saberes especíicos (Libâneo, 2008).
Para se sustentar a idéia de que toda didática supõe uma
epistemologia, é preciso admitir que o núcleo do problema didático
é o conhecimento, no qual estão implicadas questões lógicas e
psicológicas. Isso signiica reconhecer os vínculos da didática com uma
ilosoia, especialmente, com uma posição epistemológica, a despeito
do acentuado papel na constituição dessa disciplina da psicologia da
educação, da sociologia da educação, da teoria social do currículo e,84
recentemente, da linguística. Com efeito, o conhecimento é o objeto
do ensino, e para isso se estrutura a atividade de aprendizagem. Na
escola, importa que o aluno se aproprie de conhecimentos, sendo que
essa apropriação implica um modo de conhecer e os meios intelectuais
e afetivos de conhecer. Neste ponto, tem razão Charlot quando escreve:
“só há saber em uma certa relação com o saber, só há aprender em
uma certa relação com o aprender” (2001, p.17). Eis, então, que para
se criar as melhores condições de um bom ensino é preciso saber
como se dá o processo de apropriação de conhecimentos, e esta é
uma questão eminentemente epistemológica.
Dessa forma, para compreender o problema pedagógico das
mediações entre o sujeito e o saber, a pedagogia não é suiciente, é
preciso saber o percurso de construção pela humanidade dos saberes
especíicos,eassociá-losàaprendizagem.Essaquestão,precisamente,
é uma questão epistemológica, pois que “epistemologia”, em seu
sentido mais convencional, é o estudo crítico e histórico dos princípios,
hipóteses e resultados das diversas ciências, sendo que, no ensino
escolar, talvez fosse apropriado falar em “epistemologia aplicada”, ou
seja, o processo de construção de conceitos, a determinação de seu
nível de formulação, os obstáculos epistemológicos, etc.
A questão problemática a tratar aqui, portanto, liga-se a
várias perguntas. Como aprendemos coisas, ou melhor, como nos
apropriamos dos saberes inseridos nas disciplinas especíicas?
Por outro lado, é necessário aprender os conteúdos e os percursos
investigativos das disciplinas escolares? Se a resposta a esta última
pergunta é “sim”, o problema do aprender, isto é, a relação do aluno
com o objeto de conhecimento, está associado a uma postura
epistemológica ou psicológica ou a ambas? Passemos a considerar
algumas concepções atuais que formulam entendimentos sobre as
relações entre didática e epistemologia.85
CINCO POSIÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE DIDÁTICA E
EPISTEMOLOGIA
OS DIDATAS FRANCESES
A posição mais estrutura no campo da didática a respeito do
vínculo entre didática e epistemologia vem de pesquisadores franceses
que se auto-intitulam “didatas das disciplinas”3, entre outros, M.
Develay, J.L. Martinand, J.P. Astoli, G. Vergnaud. Eles consideram
a didática como o estudo dos processos de ensino e aprendizagem
em sua relação imediata com os conteúdos dos saberes a ensinar,a
organização das situações didáticas e a escolha e os meios de
ensino. Vários deles têm preferido designá-la no plural, didática das
disciplinas, sugerindo uma recusa de uma didática geral4. Para eles,
visando compreender, explicar, justiicar as situações de ensino de
conteúdos especíicos, a didática centra-se em dois temas básicos: a
natureza do saber a ensinar e a compreensão da relação com o saber
dos alunos e do professor. Altet explicita a preocupação dos didatas:
Os trabalhos dos didatas são produto de saberes sobre
o processo ensinar-aprender ao nível dos aprendizes,
de sua maneira de aprender. Eles têm construído
especiicamente ferramentas conceituais sobre a relação
aprendiz-saber na aprendizagem de saberes escolares de
algumas disciplinas. Analisando a construção de saberes
escolares no plano epistemológico, e sua aquisição pelo
3 Conforme Altet (1997), os autores que se situam nesta orientação teórica são defensores
das pedagogias da aprendizagem compartilhando, de algum modo, da tradição do movimento
da escola nova francesa, que tem nomes signiicativos como G. Mialaret, L. Legrand, Philipe
Meirieu, entre outros.
4 Entre os pesquisadores no campo da educação, na França, é dominante o entendimento de
que didática e pedagogia são áreas distintas de conhecimento e de prática, mas que atuam em
conjunto numa mesma realidade, ou seja, o ensino na sala de aula. Pedagogia é “tudo o que diz
respeito à arte de conduzir e de realizar a aula (...) o exercício desta arte e a relexão sobre seus
recursos e seus ins. (...) As didáticas dizem diz respeito à arte ou ao modo de ensinar as noções
próprias a cada disciplina, incluindo diiculdades próprias a um domínio numa disciplina” (Cornu,
Vergnioux, p. 10). Trata-se de posição diferente daquela defendida por alguns pesquisadores
brasileiros segundo a qual a pedagogia tem mais amplitude do que a didática, englobando-a.
Ver a esse respeito: LIBÂNEO, 2009; FRANCO, LIBÂNEO e PIMENTA, 2007; FRANCO, 2008.86
aprendiz, no plano psicológico, os didatas põem em
evidência componentes chave da aprendizagem (Altet,
1997, p.35).
Reconhece-se aí a inter-relação entre didática e epistemologia,
tal como expressa, também, Develay: “A didática pensa a lógica das
aprendizagens a partir da lógica do saber (e sua epistemologia) e a
pedagogia pensa a lógica das aprendizagens a partir da lógica da
sala de aula” (Cf. Le Roux, 1997, p. 10). Com efeito, se o núcleo da
didática é o conhecimento cientíico dos processos de transmissão
e apropriação de conhecimentos de um conteúdo disciplinar, é
impossível desvinculá-la da epistemologia, ou seja, da natureza do
conhecimento, sua gênese e sua estrutura. Ao mesmo tempo, se o
ensino se dirige à aprendizagem dos alunos, o saber cientíico precisa
converter-se em saber a ser ensinado, pelo que as ciências precisam
passar uma por transposição didática. Sobre isso, escreveu Vergnaud:
Contrariamente a certas idéias geralmente aceitas, a
didática não visa apenas encontrar melhores métodos
ou novas técnicas de ensinar um conteúdo especíico
dado de antemão; ela pode considerar profundamente
os conteúdos do ensino: e isto por razões diversas
relacionadas com as inalidades do ensino, ao
desenvolvimento da criança e do adolescente, à
epistemologia do domínio considerado, ou à evolução
das qualiicações exigidas pela nossa época. (...) De
fato, a didática tem por objetivo estudar o processo
de transmissão e apropriação de conhecimentos, nos
aspectos práticos e teóricos dos conhecimentos que são
especíicos do conteúdo (Cf. Roumegous, 2002, p.33).
Os didatas franceses trabalham com vários conceitos atrelados
ao campo da didática: contrato didático, representações/concepções,
formulação de conceitos, objetivo-obstáculo, conlito sociocognitivo,87
situação-problema, transposição didática (Cf. Le Roux, p.10; Cornu e
Vergnioux, p. 45). Todos eles vinculam-se ao movimento da didática
das disciplinas, ao qual se ligam pesquisadores dos vários saberes
cientíicos ensinados na escola. Para os objetivos deste texto é
suiciente tratar do conceito de “objetivo-obstáculo”, que se aproxima
bastante do modo de lidar com a didática no plano do epistemológico.
A noção de “objetivo-obstáculo”, formulada por Martinand
e assumida por Develay e Altoli, é o ponto de partida para criar
situações de aprendizagem, com base na matéria ensinada e nas
representações dos alunos e seus modos de pensar. Astoli pergunta:
O que, em uma seqüência de ensino, constitui um
obstáculo superável, bastante exigente para que a tarefa
seja interessante, mas suicientemente calibrado para
que essa classe seja capaz de alcançar uma solução?
Como introduzir este tipo de “espaço” onde a atividade
intelectual pode ser máxima? (apud Altet, 1997, p.98).
Conforme Astoli, a noção de obstáculo está associada,
inicialmente, a algo negativo, pois são obstáculos aqueles enfrentados
pelos alunos em diferentes idades, para se apropriar das noções
disciplinares, sejam eles de caráter mais psicológico ou mais
epistemológico (existentes no próprio processo de elaboração de um
conceito). Esses obstáculos, em princípio, impediriam de se chegar
aos objetivos de aprendizagem. Mas precisamente, parte-se deles
para reorientá-los para um “saber novo”, no sentido de que o professor
aposta nas possibilidades de superação (ou não) do obstáculo, não no
seu aspecto negativo.
E como obstáculos podem se transformar em objetivos
de ensino? Sem cair numa absolutização dos objetivos, como
freqüentemente se fez na pedagogia por objetivos inspirada no
behaviorismo, Altoli propõe “utilizar a caracterização de obstáculos
como um modo de seleção de objetivos”, que não sejam nem muito
fáceis de atingir nem fora do alcance dos estudantes (Id., p.101).88
Segundo ele, os objetivos visam a superação dos obstáculos, apontam
níveis de progresso a serem conquistados, pois não são adquiridos
espontaneamente. A superação dos obstáculos pelos objetivos são os
verdadeiros objetivos conceituais.
Develay propõe um ensino com situações-problema em
que podem surgir as representações dos alunos e a identiicação
de obstáculos de aprendizagem. Para isso, em primeiro lugar, é
necessário ter clareza sobre os conteúdos a ensinar e assegurar a
vigilância epistemológica a seu respeito. É preciso identiicar os
conhecimentos declarativos e os procedimentais, sendo que nestes
devem ser precisados os níveis de conceitualização, a im de clariicar
os níveis de exigência esperados dos alunos. Por exemplo, para
abordar a respiração como uma troca gasosa, é necessário saber
como o ar é constituído, o que é um gás, o que permite as trocas
gasosas, etc.
A identiicação do campo nocional interno à disciplina e do
campo nocional externo à disciplina deve permitir recapitular o conjunto
dos conhecimentos declarativos necessário para a aprendizagem.
O mesmo se deve fazer em relação aos métodos e técnicas. O
conhecimento da história do conhecimento declarativo a ensinar,
as teorias gerais pelas quais tem sido abordado, as retiicações
sucessivas ao longo do tempo, os obstáculos epistemológicos que
tem sido enfrentados, podem constituir referências úteis para melhor
compreender as representações dos alunos, suas diiculdades
conceituais e, se for o caso, saber situações que permitiram surgir
obstáculos (Develay, apud Altet, 1997, p.106).
Os autores mencionados vinculam-se, assim, a uma
concepção em didática que estabelece relações indissociáveis entre
os planos epistemológico, psicológico e didático. Para eles, o método
didático supõe o método cientíico próprio das disciplinas ensinadas
mas, conforme Cornu e Vergnioux, no sentido de que “o primeiro não
deve ser acrescentado nem substituído pelo segundo, mas buscar os
objetos elementares e as formas de aplicação do segundo para tornarse acessível: ele é a imaginação do segundo” (1992, p. 124).89
A PEDAGOGIA DIFERENCIADA
Philippe Meirieu, bem próximo dos autores apresentados
anteriormente, considera que é o aluno que aprende por si mesmo
e que todos os alunos são diferentes. Daí sua preocupação com a
adequação do ensino à diversidade dos alunos, indicando formas
de diferenciação na gestão das aprendizagens como grupos de
necessidades, situações-problema, ajuda no trabalho pessoal,
ateliês metodológicos, pedagogia do contrato. Em seu excelente livro
Aprender sim..., mas como? (1998), após criticar uma visão tradicional
do ensino em que primeiro identiica-se o conteúdo, em seguida o
compreende e, no inal, se fazem os exercícios, ele escreve:
Essa concepção ignora a realidade dos processos
mentais. Ignora, sobretudo, que uma simples identiicação
perceptiva não existe, que uma informação só é
identiicada se já estiver, de uma certa forma, assimilada
em um projeto de utilização, integrada na dinâmica
do sujeito e que é este processo de interação entre a
identiicação e a utilização que é gerador de signiicação,
isto é, de compreensão (Meirieu, 1998, p. 54).
Requer-se, para isso, que se parta das representações dos
alunos que são, ao mesmo tempo, um progresso e um obstáculo, pois
cada sucesso obtido um dia devera ser ultrapassado, retrabalhado,
reorganizado. Meirieu propõe a formulação de objetivos, não
operacionais e imediatistas, mas voltados para operações mentais
a realizar (dedução, indução, dialética, criatividade) e com previsão
de situações adequadas para serem aplicadas. Sobre as operações
mentais escreve o autor:
O mais simples é identiicar a operação mental dominante
e organizar o dispositivo didático em função dela (...)
Mais do que a elaboração de instrumentos, o que importa
aqui é o procedimento didático (...) aquele que consiste90
não simplesmente em proclamar o quem queremos que
o aluno saiba, mas sim em questionar a respeito do que
deve “se passar em sua cabeça” para que chegue aonde
queremos e criar, a partir daí, o dispositivo que dá corpo
e vida à operação mental identiicada (Ib., p.117).
Importa, assim, que o professor traduza os “conteúdos de
aprendizagem” em “procedimentos de aprendizagem”, isto é, em
uma seqüência de operações mentais. Com efeito, escreve Meirieu,
nenhum conteúdo existe fora do ato que permite pensá-lo, da mesma
forma que nenhuma operação mental funciona no vazio, isolada de
um conteúdo. Com base nisso, o caminho didático se inicia com o
inventariamento de noções essenciais (ao nível dos alunos). Essas
noções-núcleo devem ser expressas em operações mentais e materiais
a serem mobilizadas. Em seguida, trata-se de transformar as noçõesnúcleo em situações-problema, nas quais se estabelecem resultados
a serem esperados. Nessa atividade, percorre-se as etapas da ação
material, seguida da etapa da ação verbal, chegando a uma etapa
mental (Ib., p. 119). Ver-se-á, adiante, que as proposições de Meirieu
se assemelham às orientações didáticas de Davidov.
A NOÇÃO DE RELAÇÃO COM O SABER
As posições de Charlot (2001) ampliam as perspectivas
anteriores ao trabalhar as relações entre didática e epistemologia por
meio da noção da relação com o saber, valendo-se de perspectivas
sociológicas, antropológicas, epistemológicas e didáticas. Para ele, a
diferença de comportamento de estudantes em relação às matérias de
ensino liga-se a uma certa relação entre o estudante e a matéria.
Na perspectiva da didática, a noção de relação com o saber
é encontrada por Charlot na noção de obstáculo epistemológico de
Bachelard, autor já presente nos didatas mencionados. Os obstáculos
epistemológicos, geralmente impregnados do conhecimento de
senso comum, incidem no eu epistêmico do aluno, que o ajudam91
ou o impedem de compreender um conceito ou uma teoria. Em se
tratando do conhecimento escolar, o eu epistêmico (ou o peril
epistemológico, conforme Bachelard) está em relação direta com as
normas epistemológicas especíicas do saber cientíico ensinado.
Com isso, aprender é apropriar-se de um saber, de uma habilidade,
de uma atitude, mas o que é internalizado é algo exterior ao aprendiz,
ou seja, há um conhecimento cientíico que existe independentemente
do sujeito, que tem suas especiicidades. Em poucas palavras, temse um sujeito que aprende em confronto com o patrimônio cientíico e
cultural da humanidade (Charlot, 2001, p.23).
Charlot parece aproximar aqui da teoria histórico-cultural da
atividade ao airmar que “aprender é uma relação entre duas atividades:
a atividade humana que produziu aquilo que se deve aprender e a
atividade na qual o sujeito que aprende se engaja - sendo a mediação
entre ambas assegurada pela atividade daquele que ensina ou forma”
(Ib. p.28). Isso signiica que a apropriação de saberes supõe considerar
a atividade humana anterior de produção sociocultural desses saberes.
Não se trata, porém, de repetir essa atividade, mas de “adotar, durante
a atividade de aprendizagem, a postura (relação com o mundo, com o
outro e consigo) que corresponde a essa atividade humana” e mais: a
partir dessa postura, dominar as operações especíicas de tal atividade
- aquelas que constituem sua normatividade” (p. 28).
Charlot, em proximidade à posição dos didatas franceses,
mas também com a teoria da atividade de Leontiev, desenvolve a
noção da relação com o saber, de onde se deduz que, ao trabalhar o
conhecimento cientíico, deve-se captar antes e durante a atividade de
ensino, o peril epistemológico do aluno. E também que, para o aluno
apropriar-se de um saber, é preciso que ele internalize procedimentos
lógicos e investigativos que permitiram aos pesquisadores produzir
esse saber, ou seja, que adote postura que corresponde à atividade
humana, isto é, às ações ocorridas na produção do saber. Com isso,
deine sua posição em relação aos vínculos necessários entre os
planos social, didático e epistemológico, sem desconsiderar o plano
psicológico.92
O ENSINO POR MUDANÇA CONCEITUAL
A epistemologia de Bachelard tem motivado pesquisadores
interessados na investigação didática, especialmente no ensino das
ciências, a buscar nela fundamentos para compreender os caminhos
da aprendizagem, por exemplo, o papel do quadro conceitual prévio
do sujeito na internalização do conhecimento cientíico, a relação
entre o conhecimento empírico e o movimento do pensamento, as
relações entre didática e epistemologia. A exposição das contribuições
de Bachelard à pedagogia apresentadas a seguir foi baseada em
estudos de duas autoras, uma portuguesa, Maria Eduarda Santos,
outra brasileira, Alice Casimiro Lopes.
Para Santos (1991, 2005), Bachelard demonstrou a
possibilidade de uma pedagogia do conhecimento cientíico, e mesmo
de uma pedagogia da cultura geral, assentada na epistemologia,
visando possibilitar a cada criança, a cada homem, superar seus
conhecimentos imediatos, suas representações primeiras, para aceder
a conhecimentos mais repensados, mais racionais (1991, p.130). Para
isso, no entanto, é preciso partir desses conhecimentos imediatos,
captando as concepções alternativas, isto é, aquelas construções
subjetivas, internas, presentes nos alunos quando estão em situação
de aprendizagem do conhecimento cientíico. Segundo Santos:
As concepções alternativas, como todo conhecimento
primeiro, ainda que sejam idéias que se precipitam do
real, ainda que espontâneas e erradas, são condição
necessária ao desenvolvimento cognitivo e à aquisição
do saber racional. A verdade resulta de uma rejeição
sucessiva de erros como caminho na construção do
conhecimento.
Nessa idéia encontra-se a noção de obstáculos epistemológicos,
que são entraves que aparecem no ato de conhecer, decorrentes
principalmente do conhecimento comum. Conforme Santos:93
Dizem respeito a aspectos intuitivos, imediatos e
sensíveis, a experiências iniciais, a relações imaginárias,
a conhecimentos gerais, unitários e pragmáticos,
a perspectivas ilosóicas empiristas, realistas,
substancialistas e animistas, a interesses, hábitos e
opiniões de base afetiva, etc. (...) Embora entravem o
progresso do saber objetivo, constituem um desaio a
esse mesmo progresso (2005, p. 121).
Pode-se dizer, acompanhando Santos, que para Bachelard,
a atividade de aprendizagem na escola é, sobretudo, atividade
intelectual, em que se privilegiam ações mentais que se desenvolvem
ao nível do pensamento. Por isso, ele dedica atenção aos conteúdos
e sua estruturação, de modo que a forma e o conhecimento são
indissociáveis. Escreve sobre isso Santos:
(Bachelard) considera que cada domínio conceitual
tem a sua racionalidade especíica, não podendo a
racionalidade de um domínio transitar diretamente para
a racionalidade de outro domínio. É nesse contexto que
se pode inserir o conceito de “peril epistemológico” na
pedagogia, instrumento pedagógico precioso para os
professores interessados na evolução da racionalidade
do aluno para cada conceito. (...) Note-se que, admitindo
que a ontogênese tende a recapitular a ilogênese (como
Bachelard parece admitir), uma relexão sobre os peris
epistemológicos (da ciência) relativos a conceitos básicos
a serem aprendidos, parece-nos ter um papel heurístico
crucial na descoberta dos peris epistemológicos dos
alunos (Ib. p. 41).
Lopes (2007) também apresenta um primoroso estudo sobre a
aplicação da epistemologia de Bachelard ao ensino, dando destaque
à noção de obstáculos epistemológicos, decorrentes do conhecimento
imediato, de senso comum, os quais precisam ser superados para se94
aceder ao conhecimento cientíico. Escreve Lopes:
Na medida em que o real cientíico se diferencia do
real dado, o conhecimento comum, fundamentado no
real dado, no empirismo das primeiras impressões,
é contraditório com o conhecimento cientíico. (...)
É nesse sentido que o conhecimento comum acaba
por se constituir em um obstáculo epistemológico ao
conhecimento cientíico.(Lopes, 2007, p.44).
(Na ciência), é preciso ultrapassar as aparências, pois
o aparente é sempre fonte de enganos, de erros, e o
conhecimento cientíico se estrutura por intermédio da
superação desses erros, em um constante processo
de ruptura com o que se pensava conhecido. (...) é
essencialmente a partir do rompimento com esse
conhecimento comum que se constitui o conhecimento
cientíico (Ib., p.41).
Vê-se por esse entendimento que a apreensão
do real é um caminho feito pelo pensamento, “a
realidade do mundo está sempre para ser retomada
sob a responsabilidade da razão”, pois a análise dos
obstáculos epistemológicos necessita do pensamento
cientíico abstrato; permanecer na experiência imediata
é um obstáculo ao desenvolvimento da abstração. Lopes
cita frase de Bachelard: “o pensamento abstrato não é
sinônimo de má consciência cientíica (...) a abstração
desembaraça o espírito, ela o alivia e o dinamiza” (Ib.,
p.44).
Na visão de Bachelard, aprender é modiicar nosso modo
habitual de pensar, romper com ele, e isso depende do aprendizado
cientíico. O professor precisa saber quais são esses conhecimentos de95
senso comum, para identiicar e superar os obstáculos epistemológicos
que eles provocam. A aprendizagem, portanto, deve se dar contra um
conhecimento anterior, a partir da desconstrução desse conhecimento.
Sabendo quais são os conceitos prévios dos alunos sobre um assunto,
o professor ajuda a questioná-los, tendo por base o conhecimento
cientíico. Mas não se trata de reproduzir o conhecimento cientíico
para o aluno, isto é, não é suiciente que o aluno receba do professor
os resultados da ciência que está sendo ensinada. Nas palavras do
próprio Bachelard:
Sem dúvida, seria mais simples não ensinar senão o
resultado. Mas o ensino dos resultados da ciência não
é jamais um ensino cientíico. Se não se explicita a linha
de produção espiritual que conduziu ao resultado, podese estar certo de que o aluno combinará o resultado
com suas imagens mais familiares. É necessário que
ele ‘compreenda’. Não se pode reter sem compreender.
Pois, se não lhe foram dadas razões, ele acrescenta
ao resultado razões pessoais (Bachelard, apud Lopes,
2007, p. 63).
Isso signiica, no entendimento de Lopes, que a reconstrução
do conceito implica recuperar a história do progresso da ciência
ensinada no processo de resolução de problemas cientíicos. Mas não
se trata meramente de um relato histórico, mas da história da “tessitura
epistemológica das teorias cientíicas”, ou seja, “das lutas entre idéias
e fatos que constituíram o progresso do conhecimento” (Ib., pp. 64,
65). Pode-se entender daí que aprender ciência é apreender sua
construção teórica, ou seja, o modo de construção do objeto da ciência
por meio do seu desenvolvimento histórico.
Em síntese, a superação dos obstáculos epistemológicos
requer, precisamente, a vigilância epistemológica, isto é, assegurar o
uso adequado das regras do próprio conhecimento cientíico, ou seja,
a epistemologia da ciência. Transpondo para o ensino, onde se dá96
também uma relação com os objetos de conhecimento, a vigilância
epistemológica supõe a consideração dos obstáculos epistemológicos
na aprendizagem, que podem estar associados à metodologia
de ensino e aos próprios processos cognitivos dos alunos. Dessa
forma, conforme conclui Lopes, a falta de análise epistemológica do
que se ensina reforça os obstáculos epistemológicos e, com isso, o
conhecimento cientíico ica comprometido. Mas também implica uma
análise dos obstáculos epistemológicos presentes no conhecimento
comum, captando as concepções dos alunos em relação a esse
conhecimento comum, cotidiano. (Ib., p. 53).
A TEORIA DE ENSINO DEDAVIDOV
Vasili Davídov, na tradição da teoria histórico-cultural, propôs
uma teoria do ensino, denominada ensino desenvolvimental, que
é o ensino que promove e amplia o desenvolvimento mental e o
desenvolvimento da personalidade. Uma síntese dessa teoria será
apresentada a seguir.
A teoria do ensino desenvolvimental
Com base em investigação, Davidov constata o caráter empírico
da didática tradicional, pelo qual se ensina ao aluno a selecionar, na
realidade, certos traços comuns às coisas e fenômenos e, a partir de
suas semelhanças, az organizar os conceitos gerais. Esse ensino
resulta somente na formação de um pensamento de tipo empírico que
atua apenas com dados sensoriais captados diretamente da realidade
sensível. Para superar essa didática, propõe um ensino que resulte no
pensamento teórico o qual, com base em abstrações e generalizações,
busca as relações gerais do fenômeno, as contradições, das relações
e conexões entre os fenômenos, para captar a sua essência, de modo
a ultrapassar os limites da experiência sensorial imediata. Trata-se de
um tipo de pensamento assentado no método da relexão dialética.
A necessidade de um ensino que avança para além do
pensamento apenas empírico, assim como a importância das ações97
mentais de abstração e generalização no desenvolvimento do
pensamento conceitual, já haviam sido amplamente identiicadas por
Vigotski em A construção do pensamento e da linguagem, quando
escrevia:
A tomada de consciência se baseia na generalização
dos próprios processos psíquicos, que redunda em sua
apreensão. Nesse processo, manifesta-se em primeiro
lugar o papel decisivo do ensino. Os conceitos cientíicos
(...) mediados por outros conceitos, com seu sistema
hierárquico de inter-relações, são o campo em que a
tomada de consciência dos conceitos, ou melhor, sua
generalização e sua apreensão, parecem surgir antes
de qualquer coisa (2000, p.290). (...) A abstração e a
generalização da minha ideia são diferentes por princípio
da abstração e da generalização dos objetos. (...) A
generalização é um ato do pensamento propriamente
conceitual (semântico) que relete a realidade de modo
bastante diferente de como esta é reletida nas sensações
e nas percepções imediatas (Ib., p.372).
Coube a Davídov desenvolver os elementos de uma
teoria do ensino que viesse a distinguir os conceitos empíricos (as
“representações gerais”) dos conceitos teóricos, propriamente
cientíicos, mediante os instrumentos da lógica dialética. Para ele,
o objetivo geral do ensino é promover e ampliar as capacidades
intelectuais dos alunos pela formação do pensamento teórico-cientíico
que é, em suma, a capacidade de pensar e atuar com conceitos.
A abstração e a generalização de tipo substancial
encontram sua expressão no conceito teórico que serve
de procedimento para deduzir os fenômenos particulares
de sua base universal. Graças a isso, o conteúdo do
conceitoteórico são os processos de desenvolvimento dos
sistemas totais. (...) O conceito constitui o procedimento98
e o meio de reprodução mental de qualquer objeto como
sistema total. Ter um conceito sobre tal objeto signiica
dominar o procedimento geral de construção mental
desse objeto (Davídov, 1988a, p. 86).
Para Davídov, aprender teoricamente consiste em captar o
princípio geral, as relações internas de um conteúdo, o desenvolvimento
histórico do conteúdo. É aprender a fazer abstrações para formar uma
célula dos conceitos-chave da matéria, para fazer generalizações
conceituais e aplicá-las a problemas especíicos. Em outras palavras,
o conhecimento teórico-cientíico ou o pensamento teórico-cientíico
refere-se à capacidade de desenvolver uma relação principal geral
que caracteriza um conteúdo e aplicar essa relação para analisar
outros problemas especíicos desse conteúdo. Esse processo produz
um número de abstrações cuja inalidade é integrá-las ou sintetizá-las
como conceitos.
O pensamento teórico vai se constituindo pelos princípios
lógicos, pelos conceitos, mediante os quais reorganiza os dados da
percepção sensível. O conceito – enquanto modo geral de acesso ao
objeto – vai se formando nos processos investigativos e procedimentos
lógicos de pensamento que permitem a aproximação do objeto para
constituí-lo como objeto de conhecimento
5
. Se colocado nesse
caminho, o aluno adquire um método teórico geral, isto é, o conceito,
cuja internalização possibilita a resolução de problemas concretos e
práticos.
O método teórico geral de cada ciência está expresso nos
princípios lógico-investigativos que lhe dão suporte, os quais, por
sua vez, indicam o caminho didático para a formação dos conceitos
pelos alunos. É nesse sentido que, airma Davidov, para compreender
um conceito é preciso reconstituir o modo como ele surgiu, o modo
5 Na linguagem da dialética materialista os conceitos são um conjunto de procedimentos mentais para deduzir relações particulares de uma relação abstrata. Para mais além do
entendimento convencional de “teórico” como o saber especulativo, Davidov considera conhecimento teórico ao mesmo tempo como produto do desenvolvimento histórico e processo mental.
Conhecimento teórico são, então, as categorias mentais que tornam possível lidar com os objetos de conhecimento da realidade, ou seja, um procedimento lógico da mente, isto é, conceitos
gerais possíveis de serem aplicados a situações particulares.99
geral como o objeto é construído. Isso implica em captar o caminho
já percorrido pelo pensamento cientíico, na investigação da ciênciamatéria de ensino, como forma de interiorização de conceitos e
aquisição de métodos e estratégias cognitivas. Ele escreve:
O pensamento dos alunos no processo da atividade de
aprendizagem se assemelha, de certa forma, ao raciocínio
dos cientistas que expõem os resultados de suas
investigações por meio de abstrações, generalizações e
conceitos teóricos substantivos que exercem um papel
no processo de ascensão do abstrato ao concreto. (...)
Os alunos não criam conceitos, imagens, valores e
normas da moralidade social; elas se apropriam deles
no processo da atividade da aprendizagem. Mas, ao
realizar essa atividade, eles executam ações mentais
semelhantes às ações pelas quais estes produtos da
cultura espiritual foram historicamente construídos
(Davidov, 1988b, pp. 20-21).
Desse modo, ao planejar o ensino de uma matéria o professore
deve iniciar pela análise do conteúdo, formulando conceitos nucleares,
extraindo daí uma estrutura de tarefas de aprendizagem compatíveis
com as ações mentais presentes nos processos investigados que levam
à constituição dos objetos de conhecimento da ciência ensinada. Essas
tarefas referem-se à utilização de materiais cotidianos, experimentos,
modelizações, exercícios de solução de problemas, que permitem
essa aproximação do objeto de estudo.
É particularmente relevante considerar que, para Davídov e
outros teóricos da teoria histórico-cultural, um procedimento eicaz para
a internalização de conceitos é o ensino por solução de problemas,
pois ele ajuda o aluno a internalizar um procedimento geral de aplicar
um conceito geral para situações particulares. Vigotski já escrevia: “o
conceito surge no processo de operação intelectual. (...) A formação
dos conceitos surge sempre no processo de solução de algum100
problema que se coloca para o pensamento do adolescente. Só como
resultado da solução desse problema surge o conceito (2000, p. 237).
Davídov, por sua vez, considera que a aquisição de conceitos teóricos
na escola implica a solução independente de tarefas cognoscitivas por
meio da exposição baseada em problemas.
Em suas análises da experiência social transmitida
pela escola às novas gerações, os didatas soviéticos
destacam, entre outros elementos, a experiência da
atividade criativa, exploratória, na resolução de novos
problemas. (...) Assumimos que o ensino que utiliza a
resolução de tarefas cognoscitivas (que deve ser baseado
em problemas), pode assegurar que a experiência criativa
seja transmitida às crianças (Davídov, 1988b, p.17).
Além disso, para Davidov, a qualidade e o nível de aprendizagem
dependem da orientação dos motivos dos alunos que, por sua vez,
depende da forma e conteúdo das atividades de ensino. Desse modo,
uma boa análise do conteúdo por parte do professor possibilita propor
tarefas de aprendizagem para os alunos com suiciente atrativo para
canalizar os seus motivos para o conteúdo. Tratas-se, então, de
criar situações de sala de aula relacionadas aos motivos dos alunos,
orientados para a aquisição do conteúdo, de modo a repercutir no
desenvolvimento da sua personalidade. Por sua vez, os motivos
estão diretamente ligados aos contextos socioculturais, às relações
socioculturais, signiicações, que afetam signiicativamente a relação
dos alunos com o saber. Dessa forma, expandindo a teoria de ensino
de Davídov, Hedegaard e Chaiklin (2005), propõem a articulação
entre conhecimento teórico-cientíico, tal apresentado anteriormente,
e o conhecimento local, cotidiano e pessoal dos alunos. Investigando
práticas que promovem essa articulação, eles consideram que os
professores precisam saber como avançar de características abstratas
e leis gerais de um conteúdo para a realidade concreta e, ao mesmo
tempo, ajudar os alunos avançarem de seu conhecimento pessoal101
cotidiano para as leis gerais e conceitos abstratos de um conteúdo.
Eles escrevem:
O conhecimento cotidiano pode ser uma condição
prévia para uma criança aprender o conteúdo. (...)
Reciprocamente, o conhecimento do conteúdo pode
ser integrado no conhecimento cotidiano por meio
da atividade de aprendizagem da criança. O tipo de
atividade de aprendizagem que promove essa integração
é guiado pelo conhecimento teórico em que os conceitos
nucleares orientam a exploração e experimentação
da criança. A tarefa educacional na escola deveria ser
ensinar conceitos do conteúdo às crianças relacionandoos com o conhecimento local e pessoal (Hedegaard e
Chaiklin, 2005, p. 59).
A perspectiva teórico que acabamos apresentar, a nosso ver,
permite integrar o epistemológico, o psicológico e o didático na direção
de uma concepção mais integral do ser humano. Entendemos, com
isso, que realiza-se uma relação de complementaridade entre essas
três dimensões
CONCLUSÃO
Há evidentes aproximações entre as posições trazidas aqui em
torno da problemática apontada inicialmente, a despeito de partirem
de diferentes premissas epistemológicas. Ressalta-se em todas elas a
necessária integração entre didática e epistemologia das disciplinas, do
que se conclui que a formação de professores passa necessariamente
peloestudodasbasesepistemológicasdasdisciplinasensinadas, sendo
insuiciente uma didática “geral”. Desse modo, o ensino de conteúdos
especíicos requer métodos e organização do ensino particularizados,
do mesmo que modo que não é possível ensinar conteúdos “em si”,
separados dos seus procedimentos lógicos e investigativos. É sabido102
entre pesquisadores e docentes que, até o presente, esta questão tem
sido praticamente ignorada na elaboração do conteúdo de ensino de
didática nos cursos de formação proissional de professores e, por
conseqüência, no ensino dos conteúdos especíicos, ao menos nos
anos iniciais do ensino fundamental (Cf. Libâneo, 2009).
É imprescindível que os formadores de professores continuem
acreditando no poder da educação e do ensino para a emancipação
humana, para a humanização do sistema social, mesmo num contexto
de democracia meramente formal. Mas, para além de declarações
genéricas sobre o poder da educação, realizar um trabalho docente
pela emancipação de indivíduos concretamente prejudicados,
supõe uma formação cientíica geral para todos e formação da
personalidade global, em articulação com os contextos socioculturais
da aprendizagem. Este é um pressuposto para uma formação
qualiicada especial que implica o desenvolvimento de capacidades
cognitivas, criativas e operativas, visando formar sujeitos para o
mundo do trabalho, da cultura, da cidadania, da convivência humana,
das relações socioculturais.103
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CONHECIMENTO E APRENDI
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