segunda-feira, 20 de agosto de 2012


Revista HISTEDBR On-line Artigo
Revista HISTEDBR On-line, Campinas, número especial, p. 228-238, mai 2012
- ISSN: 1676-2584 228

HISTÓRIA, INSTITUIÇÕES, ARQUIVOS E FONTES NA PESQUISA
E NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Paulino José Orso

RESUMO
Este artigo, como o próprio título o indica, trata da relação entre a história, as instituições,
os arquivos e as fontes na pesquisa e na história da educação. Discute acerca da
importância de cada uma delas para que o homem possa se conhecer, se localizar no
espaço e no tempo, bem como, agir sobre o meio. Para isso, chama atenção sobre a
relevância tanto das fontes para o acesso ao passado, como da necessidade de preservar a
memória por meio dos arquivos e das instituições, o que também pressupõe a exigência da
utilização de um método adequado para que possamos apreender a realidade efetivamente
como ela é e poder pensar e agir de forma intencional e deliberada, transformando o que se
apresenta enquanto tendências decorrentes do passado.

Palavras-chave: história, educação, instituições escolares, arquivos, fontes, pesquisa
educacional

HISTORY, INSTITUTIONS, ARCHIVES AND SOURCES IN RESEARCH
AND HISTORY OF EDUCATION

ABSTRACT

This article, as its title suggests, deals with the relationship between history, institutions,
archives and sources in research and education history. Discusses about the importance of
each one of them so that man can know each other, to locate in space and time, as well as
act upon the environment. To do so, draws attention to the relevance of both the sources
for access to the past, such as the need to preserve the memory through the archives and
institutions, which also implies the requirement of using an appropriate method for us to
grasp reality effectively as it is and be able to think and act intentionally and deliberately
turning what is presented as arising from past trends.

Keywords: history education, educational institutions, files, fonts, educational research

A História da Educação se constitui numa disciplina um tanto recente e ainda
carece de muita investigação e reflexão para dar conta de compreendê-la como
efetivamente tem ocorrido e porque ela se realizou da forma como ocorreu. Esta é uma
tarefa desafiadora, pois, como não poderia ser diferente, remete a investigar o passado e
compreendê-la juntamente com a totalidade das demais relações. Trata-se de reconstituir a
história pregressa, que é algo que não é possível acessar diretamente. Para fazê-lo
necessita-se de mediações, de instrumentos e meios que possibilitem “retornar ao
passado”, às suas condições, relações e circunstâncias.
Muitas vezes, os pesquisadores tendem a supervalorizar a sua área de interesse,
pesquisa e atuação, de tal modo que, ao invés de aparecer como realmente é, uma
particularidade, acabam apresentando-as como se fossem absolutas. Neste sentido, é bom
ressaltar que a história da educação não se confunde com a própria história, é apenas uma
“parte”, um “capítulo” da História Geral. Daí decorre um duplo desafio. Por um lado, o de
recuperar a história da educação e, enquanto uma particularidade, entendê-la como
expressão característica da universalidade e, por outro, o de, por intermédio da mesma,
possibilitar a compreensão da história como um todo.
Conhecer a história é uma condição de fundamental importância para podermos
compreender o movimento histórico, verificar como e de que forma fomos fazendo e
percorrendo a história. Este conhecimento é condição sine qua non para pensarmos nas
mudanças.
Porém, se hoje se pode dizer que estamos procurando resgatar a história do passado
(com atraso), após tê-la vivido, num momento em que muitas de suas marcas e de suas
fontes já foram perdidas, modificaram-se, ou até mesmo, terem sido intencionalmente
destruídas, podemos nos antecipar e tomar algumas medidas para que isso não venha a se
repetir no futuro. Neste momento, contraditoriamente, também podemos fazer uso dos
meios científicos que já foram produzidos, que temos à nossa disposição para ajudar a
preservar as fontes e a memória histórica3.
Neste sentido, o processo de resgate das fontes amplia as possibilidades de
compreensão da História da Educação e da própria história, na medida em que se
relacionam com a totalidade social de cada momento. Não há outro modo de recuperar e
reconstruir a histórica senão por meio das fontes, quaisquer que sejam elas. O fato é que o
acesso ao passado depende essencialmente delas, que são as bases para a produção
historiográfica. Por isso, a importância de localizar, preservar e socializar essas fontes.
Mas, para isso, é necessário lançar mão de um método adequado que permita chegar
efetivamente a elas, caso contrário, podemos ficar apenas na superficialidade e pensarmos
que isso é tudo. Da mesma forma, não podemos permanecer na aparência e pensar que isto
é absoluto e independente, que está desprovido de relações e implicações. Daí a necessária
seriedade do pesquisador para trazer à tona “a história como ela é”.
Entretanto, este desafio não pode ficar restrito apenas a um pesquisador ou até
mesmo a um grupo de pesquisadores, ao contrário, deve ser assumido por todos os
educadores, escolas, gestores e autoridades ligadas à educação. Assim como é também
necessário procurar integrar o ensino, a pesquisa e a extensão, além de se articular ao
Ensino Fundamental, ao Médio e ao superior, no intuito de potencializar as possibilidades
e garantir um melhor conhecimento da história da educação, principalmente da educação
de cada região, desvelando aspectos desconhecidos por muitos pesquisadores até o
momento.
Em função do tamanho desafio que se coloca para resgatar a história e a memória, é
relevante estabelecer planos, organizar atividades sistemáticas de reflexão, promover a
organização e o planejamento das ações a serem desencadeadas, organizar cursos, linhas de
pesquisas e definir projetos e metas a serem atingidas. Com isso, ampliam-se as
possibilidades de investigação e também de conhecimento, tanto da educação, da história
local, como da história universal. Uma vez perseguidos estes caminhos, articulados ao um
método adequado, as produções vão se somando, as lacunas vão sendo preenchidas,
possibilitando o domínio da realidade, bem como, sua socialização.
Por mais esforços que se faça em torno do desafio proposto, percebe-se o limite de
ação dos indivíduos e dos grupos isolados. Diante disso, torna-se necessário desenvolver
um trabalho de sensibilização junto à comunidade, principalmente, secretarias municipais,
núcleo regional de educação e escolas no sentido de despertarmos a preocupação com a
catalogação, a sistematização, socialização e a preservação das fontes. Do contrário, por
mais esforços que se fizesse, o trabalho ficaria limitado e comprometido.
Neste sentido, há a necessidade do envolvimento das escolas e de seus profissionais
no esforço de preservação da memória institucional da Escola Pública. É evidente que nem
todas as ações humanas ficam registradas para a posteridade, pois, muitas acabam se
perdendo no tempo e não podem mais ser recuperadas, descritas, memorizadas e contadas,
o que, aliás, é próprio da perenidade e da transitividade da matéria.
Como afirma José Claudinei Lombardi, ao longo da história, nas suas ações e
relações com a natureza e com os demais semelhantes, os “homens produziram (e ainda
produzem) artefatos, documentos, testemunhos, monumentos entre outros, que tornam
possível o entendimento do homem sobre sua própria trajetória” (2004, p. 155-6). Contudo,
isto tudo tem um limite, o limite das condições e da etapa de desenvolvimento atingida em
cada momento histórico.
Os registros históricos são os meios utilizados pelos historiadores para se apropriar
de uma realidade que “já não existe” e produzir determinadas explicações históricas.
Porém, a qualidade do conhecimento histórico que se produz depende da relação dos
historiadores com as fontes. Assim, uma relação mais sólida com as fontes, só será
possível, quando eles não mais necessitarem gastar grande parte do tempo de pesquisa para
localizá-las, quando já estiverem organizadas e preservadas em arquivos. Sendo assim, ao
localizar e catalogar as fontes investe-se na qualidade das pesquisas, do ensino e da
extensão das futuras gerações.
Desta forma, o desafio consiste em criar as condições objetivas para a preservação
das fontes, quer sejam elas, das Instituições Escolares, da sua organização, do seu
funcionamento, que possibilitem ao historiador buscar a explicitação da singularidade e da
identidade histórica dos fatos, das Instituições Escolares.
Com relação ao significado da reconstrução histórica das Instituições Escolares
recorremos ao historiador Eric Hobsbawm, quando nos diz que: “O passado é, portanto,
uma dimensão permanente da consciência humana, um componente inevitável das
instituições, valores e outros padrões da sociedade humana”. Ou ainda, “[...] o passado
continua a ser a ferramenta analítica mais útil para lidar com a mudança constante, mas em
uma nova forma” (1998, p. 22 e 30). Noutras palavras, pode-se afirmar que, voltar-se para
o passado é a condição para construir um futuro com melhores condições. Dito de outro
modo, deve-se avançar para o futuro, tendo o passado como uma espécie de “retrovisor”,
para definirmos as decisões, o rumo e a direção a tomar no caminho.
Vale ressaltar, que no trabalho de reconstrução histórica é importante a relação do
pesquisador com as fontes, pois “a amplitude do olhar do pesquisador se dá ao levantar as
fontes. Aí ele não identifica apenas objetos específicos, mas descobre outras questõessociais
que demarcam um período (MIGUEL, 2004, p. 116).
Depois desta breve digressão que teve como objetivo situar de onde fazemos esta
discussão, retornamos à temática objeto deste artigo, começando por reafirmar que a
História da Educação é apenas uma parte da História, o processo de transformação operado
pela e na educação, mas que na verdade, tem a ver com a totalidade social de cada
momento. Contudo, ainda que assim o seja, não se pode desconsiderar que, em sendo
parte, ou justamente por isso, por um lado, ela não é absoluta, nem está isolada no tempo e
no espaço e, por outro, que está situada num contexto sócio-histórico, econômico e
cultural, que tem a ver com a totalidade das relações sociais de uma determinada época e
lugar.
Portanto, não existe uma história da educação no sentido estrito, como se ela
estivesse à parte do conjunto da história geral. Só podemos falar de uma história da
educação de uma forma didática, pois, na verdade temos uma única história, a história do
homem, da sociedade, a história geral e, inerente a ela, uma de suas dimensões, que é a
educação formal.
O fato é que frequentemente a isolamos daquela e tomamos esta como se fosse
autônoma e independente. Por isso é que, frequentemente, vemos produções que, partindo
de métodos questionáveis, afirmam tratar-se de “uma visão”, “um olhar”, que remetem
apenas ao “indivíduo”, à “subjetividade”, ou a um “momento”. Deste modo, criamos
inúmeros problemas tanto para compreender a história da educação, como a própria
sociedade, uma vez que isso não se compreende, nem se explica independente do conjunto
das relações. Por isso, ao nos ocuparmos da educação, não podemos desconsiderar ou
desprezar a totalidade social.
Dito desta forma, portanto, também pode-se depreender o caráter histórico da
educação. Mas, o que significa dizer que a educação possui um caráter histórico? Significa
dizer que ela não foi, não é, nem será sempre a mesma; significa afirmar que em cada
momento, época e sociedade temos um determinado tipo de educação, aquela que
corresponde às condições e à etapa de desenvolvimento do momento. Por outro lado,
também significa que “o momento presente não é apenas o momento presente”, pois,
carrega junto, de modo contraditório, porém, a totalidade das relações e condições que o
antecederam.
É neste sentido que se pode falar que a educação é determinada, que não ocorre ao
“acaso”, de qualquer modo, nem de modo espontâneo e naturalmente. Aliás, o acaso não
existe. Ao contrário, significa que ela não só é determinada, como multideterminada, ou
seja, a modalidade, a qualidade, a quantidade, sua forma e conteúdo, sua extensão, não são
produtos unilaterais de um determinante único. Diferente disso, são resultados de inúmeros
fatores, uns conscientes, explícitos, claros, voluntários, mais ou menos visíveis, outros,
ocultos e até camuflados. Deste modo, pode-se asseverar que a educação de cada momento
aparece, manifesta-se e caracteriza-se como uma síntese das relações que a precederam.
Assim, como a educação é multideterminada, significa afirmar que, para
compreendê-la em profundidade, é necessário recorrer a muitas fontes, que, cada uma
delas, por sua vez, também é multideterminada.
A questão, portanto, que está colocada, é: como reconstruir a História da Educação,
quer seja ela brasileira ou regional, considerando que ela é multideterminada? Porque,
afinal de contas, é importante e necessário conhecer a história da educação? Não basta ir
fazendo educação do jeito que aprendemos a fazer, de acordo com as experiências
acumuladas? Comecemos por esta última questão. De fato não basta ir fazendo educação,
de forma espontânea, sem refletir sobre a(s) teoria(s) e a(s) prática(s) que as embasam,
como se o que fazemos e a forma como fazemos não acarretassem muitas e sérias
implicações sociais. De acordo com Alvoro Vieira Pinto,
A pesquisa científica constitui um tema e cuja consideração o homem de
ciência, em geral, e o pesquisador, em particular, não podem deixar de se
dedicar. Qualquer que seja o campo de atividade a que o trabalhador
científico se aplique, a reflexão sobre o trabalho que executa, os
fundamentos existenciais, os suportes sociais e as finalidades culturais
que o explicam, o exame dos problemas epistemológicos que a
penetração no desconhecido mundo objetivo suscita, a determinação da
origem, poder e limites da capacidade perscrutadora da consciência, e
tantas outras questões deste gênero, que se referem ao processo da
pesquisa científica e da lógica da ciência, não podem ficar à parte do
campo de interesse do pesquisador, que precisa conhecer a natureza do
seu trabalho, porque, [...], é constitutivo da sua própria realidade
individual (1979, p. 3).
Aqui pode-se substituir pesquisador ou historiador por educador que dá no mesmo.
Ou seja, é necessário que o educador reflita sobre a prática que realiza. Não pode dar-se
por satisfeito em ir fazendo de qualquer modo, desprovido de quaisquer pressupostos, sob
pena de provocar sérios problemas sociais. Neste sentido, se não se pode executar um
trabalho sem a devida reflexão sobre o mesmo, também é insuficiente, fazê-lo com base
apenas na experiência espontânea, acumulada ao longo dos anos. Assim, é preciso superar
a Posição metodológica que privilegiasse a tal ponto o hábito, a prática, o
exercício profissional da pesquisa, que julgasse dispensável o apelo à
reflexão teórica, a busca de princípios lógicos e de bases epistemológicas
para construir a teoria da investigação, julgando que o simples fato de
haver-se um sábio dedicado ao trabalho de descoberta, às vezes por uma
vida inteira, valendo-se das inspirações do bom senso, seja suficiente para
qualificá-lo a criar uma doutrina ou a pronunciar apreciações teóricas a
respeito do problema geral da pesquisa científica (Idem, p. 5-6).
Essa insuficiência remete a que se faça um trabalho sério, reflexivo, consequente,
em função das repercussões e consequências do trabalho que se faz. Para isso, é necessário
que se realize o trabalho educacional a partir de uma perspectiva filosófica, que leve em
conta os determinantes e os desencadeamentos sociais.
Mas, porque, afinal de contas, é importante e necessário conhecer a história da
educação? Primeiro, porque o acesso à educação tornou-se uma condição indispensável
para se viver na sociedade atual. E, em decorrência disso, também é necessário conhecer a
história, seja ela da educação ou geral, uma vez que seu conhecimento é imprescindível
para intervir nela e mudá-la.
O conhecimento é condição para transformação. Portanto, partindo do pressuposto
de que precisamos transformar a educação, também é necessário conhecê-la. Mas, como
fazer para conhecê-la de modo eficaz e efetivo? Daí o recurso às fontes é indispensável a
partir de um método adequado. Assim é possível se chegar ao passado como ele
“realmente” ocorreu, ao passado vivido. Não há outra forma de “reconstruir” a história
senão deste modo.
Se, como dissemos acima, a história da educação no Brasil é muito recente, a
pesquisa educacional brasileira o é ainda mais e pode ser marcada por três momentos. O
primeiro, quando praticamente teve seu início, na década de 1950. O segundo, quando são
criados os Programas de Pós-Graduação em Educação e a pesquisa adquire grande
impulso, durante a ditadura militar, nas décadas de 1970 e 1980. O terceiro, quando ocorre
a consolidação da pós-graduação, a partir dos anos de 1990. Nesse momento, ocorre a
chamada crise dos “paradigmas”. Então, propõe-se
o pluralismo epistemológico e temático e privilegia-se o estudo de
objetos singulares. [...] é representado pela ampliação das linhas de
investigação, pela diversificação teórico-metodológica e pela utilização
das mais variadas fontes de pesquisa. Mas, segundo alguns estudiosos, o
que está havendo é, na verdade, uma fragmentação epistemológica e
temática que dificulta a compreensão da totalidade do fenômeno
educacional. Mais ainda, muitos deles vêem, nessa crise paradigmática,
um largo movimento antimarxista e o abandono da perspectiva histórica.
Nessa perspectiva, dizem, são privilegiados temas como cultura escolar,
formação de professores, livros didáticos, disciplinas escolares, currículo,
práticas educativas, questões de gênero, infância e, obviamente, as
instituições escolares. A nova história, a história cultural, a nova
sociologia, a sociologia francesa constituem as matrizes ou a tela de
fundo teórica das pesquisas realizadas
(http://www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/463 Paolo Nosella_EsterBuffa.pdf).
(consultado em 20.08.11).
Na esteira deste último movimento, nas últimas décadas tem-se feito muita
pesquisa, escrito muitos artigos, livros e capítulos de livros tendo como objeto as fontes, os
arquivos históricos e instituições escolares4. Contudo, a grande maioria deles tem sido
feitas a partir de métodos que apenas permitem conhecimentos parciais e tem sofrido
influência, dentre outros métodos ou concepções, da dita nova história e da chamada
pósmodernidade, assim como tem se colocado francamente em oposição ao marxismo.
Isto tem implicando numa análise um tanto restrita, estreita, focada, fixa, geralmente de
caráter descritivo. Com efeito, dizem os autores,
este tipo de pesquisa apresenta sérios perigos metodológicos, porque o
envolvimento do estudioso é fácil; [...] Frequentemente, o pesquisador
resvala em reducionismos teóricos tais como particularismo, culturalismo
ornamental, saudosismo, personalismo, descrição laudatória ou
apologética. De fato, estudos e pesquisas que retratem, de forma curiosa,
aspectos singulares da instituição escolar, em tempos diversos, são
fascinantes e até sedutores. Quem não gosta de saber como eram vestidas
e educadas as crianças dos séculos passados e suas brincadeiras ou como
as normalistas representavam a relação diploma-casamento? Ou ainda,
quem não gosta de ver enaltecidos os fundadores de uma escola
significativa para sua própria cidade? Ou, finalmente, quem não gosta de
ver, consagrados em livros, nomes e fotografias de seus antepassados?
Estudos como estes agradam a inúmeros leitores. No entanto, por mais
sedutoras que sejam essas pesquisas, não se pode admitir que a descrição
pormenorizada de uma dada instituição escolar deixe de levar o leitor à
compreensão da totalidade histórica. A dificuldade principal reside
exatamente aí: conseguir evidenciar, de forma conveniente, o movimento
real da sociedade, como insistem os marxistas (Idem).
Isto, ainda que tenha lá sua importância e dê alguma contribuição para a
compreensão dos objetos e da história, o faz de uma forma bastante parcial, como se os
objetos tivessem uma razão de ser em si e se circunscrevessem em si mesmos. Da mesma
forma que não podemos entender os indivíduos por si mesmos, também não se pode
entender as fontes por si, uma vez que são muitideterminadas.
Por isso, há a necessidade de, emblematicamente, superar três perspectivas teóricas.
Por um lado, o positivismo, que toma as fontes como se fossem meros dados ou objetos
postos aí, como se falassem por si mesmos. Como dizem Paulo Nosella e Ester Buffa
Para os positivistas, o dado empírico é um absoluto, um fim em si
mesmo. Não se propõem eles nem o conhecimento, nem a mudança da
sociedade como um todo. Assim, no estudo de uma instituição escolar, o
pesquisador positivista se encanta com as fontes e acredita que os dados
falam por si. Sua postura fundamental é descrever fielmente a maior parte
de dados da Escola (Idem).
Por outro, a fenomenologia e idealismo, concebem os objetos/as fontes como se
fossem produtos da consciência do pesquisador; os objetos são objetos de e para a
consciência. De acordo com os autores acima mencionados,
O idealismo, por sua vez, supervaloriza a subjetividade e a
intencionalidade humanas. Essa tendência teórica considera que a ideia é
o demiurgo da história. Desse ponto de vista, o pesquisador, ao retratar a
história de uma instituição escolar, atribui o mérito principal da sua
criação e sucesso, aos fundadores, ao pensamento dos grandes pedagogos
e às atividades formativas daquela específica escola (idem).
Por outro lado ainda, temos o estruturalismo, que compreende a realidade, os
objetos e a sociedade como se fossem meras estruturas, também fixas, dadas a priori,
restando ao pesquisador, buscar, captar, apropriar-se e, por conseguinte, descrever e
retratar o que “está dado”.
Todas estas perspectivas, portanto, apresentam uma concepção de história como se
estivesse desprovida de contradições. Entende-se como se não tivesse movimento, nem
direção. Deste modo, temos uma concepção de história factual, fixa ou, no máximo,
conduzida por um desenvolvimento natural. São concepções que efetivamente não
correspondem à realidade. Noutras palavras, pode-se afirmar que, contraditoriamente, são
concepções de história a-históricas, que não permitem compreender os fenômenos na sua
integralidade e na sua totalidade.
Nesta perspectiva, por um lodo, conceitos como totalidade, classes sociais,
antagonismos sociais, conflitos de classes, contradições, universalidade e Estado, deixam
de ser considerados na análise das fontes. Por outro, a verdade, ou se entende como sendo
evidente em si, já que os dados, os objetos, as fontes “estão aí” e “falam por si”, em função
da supervalorização do empírico ou, devido à exaltação do subjetivo e do imaginário,
confunde-se a verdade com aquilo que o “sujeito” atribui aos objetos ou com o que é
idealizado por ele. Em decorrência disso, temos uma concepção de história fragmentada,
difusa, dispersa, relativista. Ao contrário disso, defendemos uma perspectiva metodológica
que revele o particular na sua relação com o universal, com a totalidade das relações sócioeconômicas,
políticas e culturais de determinada época e sociedade, dialeticamente
articuladas.
História, arquivos e fontes na pesquisa em História da Educação
Como dissemos, as fontes são os meios pelos quais podemos acessar o passado, que
pode ser mais recente ou distante, conforme for o caso. Contudo, como não podemos ter
acesso a ele diretamente, restam-nos as fontes que permitem e fazem a mediação. Assim,
pesquisar sobre elas significa retornar ao passado. Ou seja, promover um percurso ou
caminho inverso ao da produção dos fatos e da história. Mas, o que são fontes?
Fontes são documentos, registros, marcas, vestígios, deixados por indivíduos, por
grupos, pelas sociedades, pela natureza, que representam ou expressam uma determinada
forma de ser da matéria, quer seja ela natural, humana ou social, em seu processo de
contradição e transformação. O acesso a elas, torna-se um meio de conhecer o passado,
permite desvendar os hábitos, os costumes, a produção, a distribuição e o consumo, a
forma de organização de indivíduos e das sociedades, conhecer o modo de sobrevivência.
Ao contrário do que os positivistas afirmam, porém, as fontes não falam por si. Elas
são uma “construção do pesquisador”. A partir da existência e localização do(s) objeto(s),
mediados pelos conhecimentos, instrumentos e meios de cada momento, o pesquisador
“produz as fontes” enquanto sentido com o intuito de conhecer um determinado momento,
uma sociedade e ou relações. Pela leitura, análise, ação e interpretação, o pesquisador
“revela” as fontes, produz conhecimento histórico. Contudo, o fato de as fontes serem uma
recriação, não significa que o pesquisador as cria do nada, não são produtos de mentes
brilhantes, não são uma invenção do agente, nem uma recriação literal, absoluta, tais quais
foram exatamente. Com Karl Marx poderíamos dizer que o pensamento é o instrumento
pelo qual o pensamento se utiliza para buscar compreender os fenômenos, sem confundir o
real com o ideal, nem este com aquele.
Como afirma Ragazzini (apud ORSO, 2004, p.2),
a fonte é uma construção do pesquisador, isto é, um reconhecimento que
se constitui em uma denominação e em uma atribuição de sentido; é uma
parte da operação historiográfica. Por outro lado, a fonte é o único
contato possível com o passado que permite formas de verificação. Está
inscrita em uma operação teórica produzida no presente, relacionada a
projetos interpretativos que visam confirmar, contestar ou aprofundar o
conhecimento histórico acumulado. A fonte provém do passado, é o
passado, mas não está mais no passado quando é interrogada. A fonte é
uma ponte, um veículo, uma testemunha, um lugar de verificação, um
elemento capaz de propiciar conhecimentos acertados sobre o passado.
Todavia, como a história é história justamente devido ao processo de
transformação, isso implica que muitas das fontes também acabaram por se “perder”,
transformar-se, tornando difícil recuperar, desvendar, desvelar e “recriar” fielmente o
passado. Daí a contradição, pois, por um lado, só há história porque há transformação.
Entretanto, a transformação implica em deixar de ser fonte, ao menos como existiu no
passado, ou que a fonte, apareça de outra forma. Ter presente isso, por um lado, faz com
que não extraiamos conclusões apressadas, que tomemos um objeto, um vestígio, um
documento e concluamos imediatamente que a realidade era isso ou aquilo. Ou seja, é
necessário que o pesquisador tenha cuidado e seriedade tanto no trato com as fontes e com
a história, como com o método de pesquisa a ser adotado. É próprio da história a
transformação. Entretanto, tendo presente isso, também precisamos considerar que isso
pode implicar na impossibilidade de “recuperar” o passado.
Uma vez que a história tem a ver com transformação, ainda que possamos dizer que
na natureza também ocorrem transformações, para diferenciar as transformações que nela
ocorrem, das produzidas com ou sob a interferência do homem, tomamos como sinônimo
de história, a história humana e social, ou seja, aquela que se ocupa das transformações
ocorridas a partir da influência ou interferência do homem.
É neste sentido que podemos falar de fontes históricas, que são aquelas que dizem
respeito aos vestígios, aos documentos, objetos, instituições ou relações que estão
articuladas às atividades, às ações, ao processo de transformação desencadeados pelos
homens em determinada época e local do passado. Assim, tanto podem ser fontes
históricas, um pedaço de carvão, uma pedra polida, uma ponta de lança, um resto de
utensílio, um pedaço de osso, uma arte rupestre, como também os registros escritos, as
crônicas, as cartas, as obras literárias, os diários, os jornais velhos, as fotos, as marcas de
uma construção, os tipos de habitação, os monumentos, um caderno, uma lousa, um
pergaminho, uma máquina de escrever, um lápis, um computador ou uma determinada
tecnologia, enfim, poderíamos enumerar um infindável número de tipos de fontes das mais
diversas possíveis.
Os arquivos, por sua vez, são um segundo momento do processo de pesquisa. A
partir do momento em que as fontes são localizadas e selecionadas, advém o processo de
catalogação, de registro, organização de arquivos para possibilitar melhor preservação das
mesmas e ampliar a memória histórica. Neste sentido, os arquivos são fundamentais para
preservação das fontes, o que equivale a dizer, para preservação da própria histórica.
Os arquivos se constituem em conjuntos de documentos produzidos ou
recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e entidades
privadas, em decorrência do exercício de atividades específicas, bem
como pessoa física, qualquer que seja o suporte da informação ou a
natureza dos documentos (MEDEIROS, 2003, p.1).
Na atualidade, cada vez mais se faz uso dos acervos catalográficos, das bibliotecas
e dos museus, públicos e/ou particulares, como forma de dar uma sobrevida às fontes
históricas.
Tanto as fontes individuais, quanto as coleções de fontes, os arquivos, não são
meros objetos. São objetos que expressam as mudanças pelas quais a vida do homem foi
passando ao longo do tempo. Portanto, elas dizem respeito à sua sobrevivência. Como
afirmam Marx e Engels, em A Ideologia Alemã,
Contrário aos alemães, que não dispõem de quaisquer pressupostos,
somos forçados a começar por constatar que a primeira premissa de toda
a existência e, portanto, também de toda a história, ou seja, a premissa de
que os homens têm de estar em condições de viver para poder fazer
história. Mas, da vida fazem parte sobretudo comer, beber, habitação,
vestuário e ainda algumas outras coisas mais. O primeiro ato histórico é,
portanto, a produção dos meios para a satisfação destas necessidades, a
produção da própria vida material, e a verdade é que este é um ato
histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje,
tal como há milhares de anos, tem de ser realizado dia a dia, hora a hora,
só para manter os homens vivos (1981, p. 36-37). (nosso itálico)
Dito de forma diferente, a existência de fontes históricas e de arquivos ou acervos,
supõem a existência do homem. É em decorrência do fato de o homem existir que surgiram
as fontes. Ou seja, em função da produção da existência do homem, também se produzem
as fontes, apesar delas não se referirem exclusivamente às produções humanas.
Como afirmam os autores, não é possível se fazer história se o homem não estiver
vivo. Mas, para viver é preciso comer, beber, habitar, vestir e algumas (infinitas) coisas
mais. Para isso, é preciso transformar a natureza, o meio e se transformar. Portanto, é na
relação do homem com o meio e no processo de produção das coisas necessárias à
sobrevivência que se produzem as fontes. Neste sentido, qualquer que seja a fonte, sempre
diz respeito à história do homem.
Bem entendido, então, pode-se afirmar que as fontes dizem respeito à vida do
homem. E o acesso a elas, todavia, então, não representa apenas o acesso a meros objetos,
mas sim, objetos que expressam e revelam uma forma de ser, produzir, organizar-se e viver
socialmente. É com essa finalidade que devemos pesquisar, levantar, catalogar e preservar
fontes. Então, preservar fontes, significa preservar a própria história do homem, que nada
mais é do que o seu processo de transformação ao longo do tempo, sua relações, sua forma
de ser.
Aqui é importante fazermos algumas distinções sobre a questão do passado. Uma
vez que não mais temos acesso à história diretamente, pois, não mais estamos vivendo na
imediaticidade dos fatos, precisamos distinguir a história propriamente dita e vivida, da
história dita, escrita, revelada e ainda da disciplina de história. Apesar de terem algo em
comum, cada uma tem lá suas especificidades.
A primeira diz respeito ao vivido, experienciado diretamente pelo homem, no
momento da ocorrência dos fatos. A segunda, diz respeito a aquilo que, mediado pelos
conhecimentos, pelas condições e instrumentos de cada momento, o pesquisador consegue
se apropriar, recriar e traduzir na forma de ideias, representações e teorias o que foi vivido
realmente, o que de fato aconteceu. A terceira refere-se a aquilo que se ensina na disciplina
de história, que é uma síntese da história vivida, porém, mediada pelos pesquisadores e
apresentada sob determinada perspectiva como sendo a história real.
Não se pode confundir nenhuma delas, da mesma forma que não se pode entender
como se as três fossem uma coisa só. Há uma distância entre a história vivida, aquilo que é
apreendido pelos pesquisadores e aquilo que finalmente acaba sendo sintetizado, filtrado e
produzido para os alunos, de acordo com a concepção ideológica, com a posição política e
econômica do pesquisador/historiador.
Não podemos nos esquecer, portanto, de que as ideias, as teorias e o conhecimento
não são neutros. Portanto, é preciso considerar a posição e o lugar social de onde são feitas
a análises e interpretações acerca das fontes. Assim, ao se analisar a história, os arquivos,
as instituições e fontes na pesquisa e na história da educação, não se deve olvidar de que
cada perspectiva de análise parte de determinados pressupostos e também tem em vista
determinados fins. Por isso, não se pode pensar que se trata da pura objetividade, até
mesmo porque é uma construção, e, como tal, tem a ver com as posições, compreensões,
ideologias e compromissos sociais dos pesquisadores.
Referências
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LOMBARDI, José Claudinei. História e Historiografia da Educação: atentando para as
fontes. In: LOMBARDI, José Claudinei [at al]. Fontes, História e Historiografia da
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Universidade Católica do Paraná (PUCPR); Palmas, PR: Centr4o Universitário Diocesano
do Sudoeste do Paraná (UNICX); Ponta Grossa, PR: Universidade Estadual de Ponta
Grossa (UEPG), 2004 – Coleção Memória da Educação).
MARX, K e ENGELS, F. Ideologia Alemã. São Paulo: 1981, p. 36-37
MEDEIROS, Ruy. Arquivos escolares: breve introdução a seu conhecimento. In: Simpósio
do Museu Pedagógico, 3, 2003, Bahia. Disponível em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br >. Acesso em: 29 jul. 2005.
MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck. Do levantamento de fontes à construção da
historiografia: uma tentativa de sistematização. In: LOMBARDI, José Claudinei [at al].
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Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), 2004 – Coleção Memória da
Educação).2004.
NOSELLA Paolo e BUFFA, Ester. As Pesquisas sobre instituições escolares: um
balanço.
Revista HISTEDBR On-line Artigo
Revista HISTEDBR On-line, Campinas, número especial, p. 228-238, mai2012 - ISSN: 1676-2584 238

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