terça-feira, 14 de agosto de 2012


FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSÃO DOCENTE
António Nóvoa (*)
Este texto procura introduzir novas abordagens no debate sobre a formação de
professores, deslocando-o de uma perspectiva excessivamente centrada nas dimensões
académicas (áreas, currículos, disciplinas, etc.) para uma perspectiva centrada no
terreno profissional (1).
Na primeira parte evoca-se o percurso histórico de  formação da profissão
docente, argumentando-se com a necessidade de pensar a formação de professores a
partir de uma reflexão fundamental sobre a profissão docente.
Na segunda parte relaciona-se a  formação de professores com o
desenvolvimento pessoal (produzir a vida do professor), com o desenvolvimento
profissional (produzir a profissão docente) e com o desenvolvimento organizacional
(produzir a escola).
Não se trata de um texto "fechado", mas antes do lançamento de um conjunto
de ideias "abertas", que procuram estimular um pensamento diferente sobre os modos
e as estratégias de formação de professores.A FORMAÇÃO DA PROFISSÃO DOCENTE
Consolidação da profissão docente: apontamentos históricos
O professorado constituiu-se em profissão graças à intervenção e ao
enquadramento do Estado, que substituiu a Igreja como entidade de tutela do ensino.
Esta mudança complexa no controlo da acção docente adquiriu contornos muito
específicos em Portugal, devido à precocidade das dinâmicas de centralização do
ensino e de funcionarização do professorado.
Os reformadores portugueses do final do século XVIII sabiam que a criação de
uma rede escolar, geometricamente repartida pelo espaço nacional, era uma aposta de
progresso. Mas sabiam, também, que este esforço iria contribuir para legitimar
ideologicamente o poder estatal numa área-chave do processo de reprodução social.
Os professores são a  voz dos novos dispositivos de escolarização e, por isso, o
Estado não hesitou em criar as condições para a sua profissionalização.
Ao longo do século XIX consolida-se uma imagem do professor, que cruza as
referências ao magistério docente, ao apostolado e ao sacerdócio, com a humildade e
a obediência devidas aos funcionários públicos, tudo isto envolto numa auréola algo
mística de valorização das qualidades de relação e de compreensão da pessoa
humana. Simultaneamente, a profissão docente impregna-se de uma espécie de entredois, que tem estigmatizado a história contemporânea dos professores: não devem
saber de mais, nem de menos; não se devem misturar com o povo, nem com a
burguesia; não devem ser pobres, nem ricos; não são (bem) funcionários públicos,
nem profissionais liberais; etc.
Desempenhando um papel charneira na construção do Portugal contemporâneo,
os professores foram submetidos a um controlo muito próximo do Estado. Na 1ª
metade do século XIX implementaram-se mecanismos progressivamente mais rigorosos de  selecção e de recrutamento do professorado. Mas, quando foi preciso lançar as
bases do sistema educativo actual, a formação de professores passou a ocupar um
lugar de primeiro plano: desde meados do século XIX que o ensino normal constitui
um dos lugares privilegiados de configuração da profissão docente. Em torno da
produção de um  saber socialmente legitimado sobre as questões do ensino e da
delimitação de um poder regulador sobre o professorado confrontam-se visões distintas
da profissão docente nas décadas de viragem do século XIX para o século XX.
As escolas normais são instituições criadas pelo Estado para controlar um corpo
profissional, que conquista uma importância acrescida no quadro dos projectos de
escolarização de massas; mas são também um espaço de afirmação profissional, onde
emerge um espírito de corpo solidário. As escolas normais legitimam um saber
produzido no exterior da profissão docente, que veicula uma concepção dos
professores centrada na difusão e na transmissão de conhecimentos; mas são também
um lugar de reflexão sobre as práticas, o que permite vislumbrar uma perspectiva dos
professores como profissionais produtores de saber e de saber-fazer.
Neste período, uma série de fenómenos configuram uma verdadeira mutação
sociológica do professorado, primeiro dos professores do ensino primário e, mais tarde,
dos professores do ensino secundário; cite-se, a título de exemplo, a consolidação das
instituições de formação de professores, o incremento do associativismo docente, a
feminização do professorado e as modificações na composição sócio-económica do
corpo docente. Verifica-se um reforço da tutela estatal e dos mecanismos de controlo
dos professores, mas igualmente uma maior afirmação autónoma da profissão docente
(2).
A Iª República criou as condições políticas para uma agudização do conflito
acerca do estatuto da profissão docente. A ambição republicana de "formar um homem
novo" concedeu aos professores um papel simbólico de grande relevo: só no contexto
de um maior prestígio, qualificação e autonomia era possível desempenharem-se desta
missão; mas o que estava em jogo era demasiado importante para que o Estado
abdicasse de uma intervenção persistente.
A passagem de um controlo administrativo a um controlo ideológico  e os
inúmeros conflitos políticos no seio das escolas normais ilustram bem a presença do Estado no campo educativo. A contrario, convergem no seio da educação correntes de
origem diversa que pugnam por uma maior autonomia dos professores, no quadro da
afirmação de um profissionalismo docente:
- "O poder político é, por definição, incompetente para exercer a função
educadora e tratar de assuntos doutra técnica que não seja a da política. [...]
Um recrutamento de professores só pode ser feito por quem conheça
perfeitamente as necessidades do ensino. O recrutamento de técnicos só pode
ser conscientemente feito pelos seus iguais" (Adolfo Lima, 1915, pp. 360-361).
- "Ora, se o currículo deve indiscutivelmente considerar-se da competência do
Estado, o mesmo se não pode afirmar dos programas dos cursos que devem
constituir atribuição exclusiva dos corpos docentes. O Estado organiza o plano
geral dos estudos, formula os objectivos a realizar mas aos professores e só a
eles compete a organização dos programas dos cursos, isto é, a selecção das
matérias, a concretização dos exemplos e a escolha dos métodos e processos
adequados à realização dos fins que se tem em vista" (Eusébio Tamagnini,
1930, p. 94).
Estes dois autores representam perspectivas educativas e ideológicas
claramente diferenciadas, mas coincidem na necessidade de delimitar o espaço de
autonomia da profissão docente, com base numa especialização adquirida em
instituições de formação: Adolfo Lima fala do poder, no caso vertente em relação ao
recrutamento  de professores; Eusébio Tamagnini fala do  saber, reportando-se à
concretização pedagógica do ensino.
O confronto entre os distintos projectos passa sempre pela arena da formação
de professores. É aqui que se produz a profissão docente. Mais do que um lugar de
aquisição de técnicas e de conhecimentos, a formação de professores é o momentochave da socialização e da configuração profissional. Foi a exacta percepção desta
realidade que levou o Estado Novo a tomar medidas radicais nesta área.
Durante o Estado  Novo há uma política aparentemente contraditória de
desvalorização sistemática do estatuto da profissão docente e, simultaneamente, de dignificação da imagem social do professor. A compreensão deste paradoxo obriga a
um duplo raciocínio. Por um lado, o Estado exerce um controlo autoritário dos
professores, inviabilizando qualquer veleidade de autonomia profissional: a degradação
do estatuto e do nível científico inserem-se nesta estratégia de imposição de um perfil
baixo da profissão docente. Por outro lado, o investimento missionário (e ideológico)
obriga o Estado a criar as condições de dignidade social que salvaguardem a imagem
e o prestígio dos professores, nomeadamente junto das populações. A ambiguidade
resolve-se através do reforço da carga simbólica da acção docente, no interior e no
exterior da escola, por via de uma legitimidade delegada, que impede a emergência de
um poder profissional autónomo. Paralelamente, assiste-se à produção de uma retórica
laudatória sobre os professores, que não se traduz  numa melhoria da sua situação
sócio-económica.
A tentativa do Estado Novo para substituir a legitimidade republicana no terreno
educativo passou, em primeira instância, por importantes reformulações no domínio da
formação de professores. Após várias tentativas falhadas de reformar as escolas
normais republicanas, o Estado Novo decidiu pura e simplesmente encerrá-las:
primeiro, em 1930, as Escolas Normais Superiores, que não voltariam a abrir; depois,
em 1936, as Escolas Normais Primárias, que reabririam na década de 40
completamente modificadas. Até aos anos 60 o Estado Novo manteve uma atitude de
suspeição em relação à formação de professores, sofisticando os mecanismos de
controlo ideológico no acesso e no exercício da actividade docente.
Redução e controlo são os dois eixos estruturantes da política nacionalista em
relação à formação de professores do ensino primário: o primeiro eixo concretiza-se
num abaixamento das condições de admissão ao ensino normal, numa redução dos
conteúdos e do tempo de formação e numa menor exigência intelectual e científica; o
segundo eixo explicita-se na instauração de práticas de controlo moral e ideológico,
tanto na formação de base como no estágio e na avaliação dos exames de estado.
Ao nível do ensino secundário, o encerramento das Escolas Normais Superiores
pôs cobro a uma experiência institucional cujas raízes remontam ao Curso de
Habilitação para o Magistério Secundário (1901). Eusébio Tamagnini (1930)
personificou a reacção contra esta medida, argumentando pela necessidade de um equilíbrio entre as três dimensões essenciais à formação de qualquer professor:
preparação académica, preparação profissional e prática profissional. Do ponto de vista
formal, o sistema implantado em 1930 procurava salvaguardar estas três componentes
através da articulação de uma licenciatura de base com a frequência do Curso de
Ciências Pedagógicas e o estágio num Liceu Normal. Mas o modelo adoptado tornava
inviável um esforço de integração, dificultando uma formação de professores de
carácter profissionalizante. A prática encarregar-se-ia de demonstrar a prevalência da
dimensão académica, configurando um professor vocacionado em primeira linha para a
transmissão de conhecimentos (Gomes, 1991; Loureiro, 1990).
Durante o Estado Novo assiste-se à degradação do estatuto sócio-económico
da profissão docente e consagra-se uma visão funcionarizada do professorado. Se a
primeira questão vai ser seriamente questionada pelos actores educativos a partir dos
anos 60, desencadeando movimentos (políticos, sindicais, científicos) de certa
envergadura, a segunda parece aceitar-se como uma evidência e não tem merecido
grande atenção. A formação de professores tem sido coerente no aceitar (implícito)
desta evidência, não sublinhando a dimensão do professor como um  profissional
autónomo e reflexivo.
Debates recentes sobre os professores e a sua formação
Por volta de 1960, Portugal surge em último lugar nas estatísticas europeias
(taxas de escolarização, níveis de alfabetização, despesas com a educação, etc.),
situação que urge alterar tendo em conta as novas realidades económicas e sociais
emergentes nesta época. O desenvolvimento do país exige mudanças de tomo na
política educativa, que, desde então, passarão a ser largamente influenciadas por
organizações internacionais. A profissão docente e a formação de professores vão
regressar ao primeiro plano das preocupações educativas.
A presença da OCDE, nomeadamente no quadro do "Projecto Regional do
Mediterrâneo", contribuiu para acentuar o papel da educação na formação do capital humano e para criar uma escola de  planeamento do ensino que tem tido um papel
preponderante na educação portuguesa. No  VI Congresso do Ensino Liceal (Aveiro,
1971), um dos mais importantes protagonistas desta corrente, Fraústo da Silva, não
deixou de demarcar territórios:
" Não pertenço, realmente, ao grupo daqueles que, parafraseando von
Clausewitz, acham que os problemas da educação são demasiado importantes
para serem deixados aos professores; espero, no entanto, que entre a audiência
não estejam também muitos partidários da ideia de que os problemas
educacionais são demasiado importantes para serem deixados aos técnicos de
planeamento...".
Adoptando algumas tendências da vaga reformadora dos anos 60, a Reforma
Veiga Simão (1970-1974) situou-se num momento-charneira de expansão quantitativa
do sistema educativo português: em 1960, havia pouco mais de 6.000 professores do
ensino secundário oficial (liceal e técnico profissional); em 1990, este número
ultrapassava os 70.000 (preparatório e  secundário). Este facto obrigou a um
recrutamento massivo de professores, num tempo extremamente curto, o que
desencadeou fenómenos de desprofissionalização do professorado.
A década de 70 ficou marcada pelo signo da formação inicial  de
professores.
O ensino normal primário ganhou um novo impulso após 1974, mantendo-se
sob a direcção orgânica e hierárquica do Ministério da Educação, no quadro de
um controlo apertado do Estado, legitimado ideologicamente pela importância
social da acção dos professores do ensino primário. Uma vez arrefecido o
ímpeto revolucionário, a intervenção do Banco Mundial revelou-se decisiva para
o lançamento de uma rede de Escolas Superiores de Educação, num processo
fortemente tutelado pelo poder político.
Paralelamente, assistiu-se ao desenvolvimento nas Universidades de programas
de formação profissional de professores, primeiro nas Faculdades de Ciências (1971) e mais tarde, com o apoio do Banco Mundial, nas Universidades Novas.
O papel das Universidades no domínio da formação de professores tem-se
deparado com resistências várias, nomeadamente: de sectores conservadores
que continuam a desconfiar da formação de professores e a recear a
constituição de um corpo profissional prestigiado e autónomo; e de sectores
intelectuais que sempre desvalorizaram a dimensão pedagógica da formação de
professores e a componente profissional da acção universitária. Uns e outros
têm do ensino a visão de uma actividade que se realiza com naturalidade, isto
é sem necessidade de qualquer formação específica, na sequência da detenção
de um determinado corpo de conhecimentos científicos.
A consolidação destas redes de formação contribuiu para o desenvolvimento de
uma comunidade científica na área das Ciências da Educação, que se tem
imposto como um novo actor social no campo educativo, com importantes
consequências para a configuração da profissão docente. A  década de 70 é,
também, um período fundador do debate actual sobre a formação de
professores. O essencial das referências teóricas, curriculares e metodológicas,
que inspiraram a construção recente dos programas de formação de
professores, datam deste período. A vários títulos, pode mesmo argumentar-se
que a reflexão em torno da formação de professores cristalizou nesta altura,
tendo havido em seguida uma renovação muito limitada de abordagens e de
problemáticas.
A década de 80 ficou marcada pelo signo da profissionalização em serviço dos
professores.
A explosão escolar trouxe para o ensino uma massa de indivíduos sem as
necessárias habilitações académicas e pedagógicas, criando desequilíbrios
estruturais extremamente graves. Sob a pressão convergente do poder político e
do movimento sindical procurou-se remediar a situação, através de três vagas
sucessivas de programas: profissionalização em exercício, formação em serviço
e profissionalização em serviço.
Em termos gerais, este esforço não introduziu dinâmicas inovadoras na formação de professores, nem do ponto de vista organizativo e curricular, nem
do ponto de vista conceptual; a excepção terá sido, porventura, o ensaio de
"formações centradas na escola", cujo aprofundamento numa perspectiva
profissional (e não político-sindical) poderia ter sido muito estimulante. No
essencial, reproduz-se o debate iniciado na  década de 70, bem como as
clivagens e os interesses corporativos que lhe estão subjacentes.
Estes programas revestiram-se de uma incontestável importância quantitativa e
estratégica para o sistema educativo. Mas acentuaram uma visão degradada e
desqualificada dos professores e, sobretudo, sublinharam o papel do Estado no
controlo da profissão docente, pondo em causa a autonomia relativa que as
instituições de formação de professores tinham conquistado.
A década de 90 será marcada pelo signo da formação contínua de professores.
Uma vez que os problemas estruturais da  formação inicial e da
profissionalização em serviço estão em vias de resolução, é normal que as
atenções se virem para a formação contínua. O processo gera-se, de novo, na
confluência de dinâmicas políticas e sindicais: por um lado, trata-se de
assegurar as condições de sucesso da Reforma do Sistema Educativo; por
outro lado, importa assegurar a concretização do Estatuto da Carreira Docente.
O desafio é decisivo, pois não está apenas em causa a reciclagem dos
professores, mas também  a sua qualificação para o desempenho de novas
funções (administração e gestão escolar, orientação escolar e profissional,
educação de adultos, etc.).
A forma como o Estado tem encarado esta questão é paradigmática da vontade
de substituir uma visão burocrática-centralista por uma função de regulaçãoavaliação, que prolongue (e legitime) o seu controlo sobre a profissão docente.
A formação contínua tende a articular-se em primeira linha com os objectivos do
sistema, nomeadamente com o desenvolvimento da reforma. É uma visão
inaceitável, uma vez que não concebe a formação contínua na lógica do
desenvolvimento profissional dos professores e do desenvolvimento
organizacional das escolas. A actual ambiência reformadora é uma vez mais inspirada por tendências e
movimentos internacionais, com a presença da CEE nas decisões importantes. Os
homens da escola do planeamento têm liderado o processo, que anuncia o fim de um
ciclo aberto nos  anos 60. Produzindo um discurso descentralizador e de apelo à
participação, a Reforma tem contribuído para reforçar os poderes do aparelho de
Estado. A descentralização passa por uma retórica da participação, que não conduz ao
aparecimento de novas instâncias de poder e à concessão de uma maior autonomia
aos diversos grupos em presença no terreno educativo.
Esta retórica torna-se particularmente activa quando se dirige aos professores.
De facto, a degradação do estatuto sócio-profissional e do nível económico dos
professores durante os anos 80 não era de molde a favorecer o seu empenhamento
nos projectos reformadores. O Estatuto da Carreira Docente trouxe algumas melhorias
significativas, mas revelou-se decepcionante pela incapacidade de conceber uma nova
"profissionalidade docente". Prolonga-se uma tutela estatal sobre o professorado,
entendido como um corpo profissional sem capacidade de gerar autonomamente,  ad
intra, os saberes e os princípios deontológicos de referência: uns e outros têm que lhe
ser impostos do exterior, o que acentua a subordinação da profissão docente.
A política reformadora tem aprofundado o fosso que separa os  actores dos
decisores, fomentando perspectivas sociais conformistas e orientações técnicas sobre o
papel dos professores. A tutela político-estatal tende a prolongar-se através de uma
tutela científico-curricular, verificando-se a instauração de novos controlos, mais subtis,
sobre a profissão docente.
As tensões e os conflitos suscitados actualmente em torno da formação de
professores prendem-se não só com a ocupação de um importante mercado de
trabalho, mas sobretudo com o controlo do campo social docente. Nos próximos
tempos vai decidir-se uma parte importante da definição futura da profissão docente:
consolidação de novas regulações e dispositivos de tutela da profissão docente ou
desenvolvimento científico da profissão docente no quadro de uma autonomia
contextualizada?
A formação de professores ocupa um lugar central neste debate, que só se pode travar a partir de uma determinada visão (ou projecto) da profissão docente. É
preciso reconhecer as deficiências científicas e a pobreza conceptual dos programas
actuais de formação de professores. E situar a nossa reflexão para além das clivagens
tradicionais (componente científica versus componente pedagógica, disciplinas teóricas
versus disciplinas metodológicas, etc.), sugerindo novas maneiras de pensar a
problemática da formação de professores.
Na segunda parte deste texto avançam-se algumas propostas de trabalho que,
inseridas no terreno da formação contínua, podem contribuir para interrogar  toda a
formação de professores.
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Os  anos 80 não foram fáceis para os professores portugueses, tendo-se
acentuado progressivamente os factores de mal-estar profissional. Mais do que uma
profissão desprestigiada aos "olhos dos outros", a profissão docente tornou-se difícil
de viver do interior. A ausência de um projecto colectivo, mobilizador do conjunto da
classe docente, dificultou a afirmação social dos professores, dando azo a uma atitude
defensiva mais própria de funcionários do que de profissionais autónomos.
A profissão docente encontra-se sob a influência de dois processos
antagónicos, que Mark Ginsburg sintetiza do seguinte modo:
" A  profissionalização é um processo através do qual os trabalhadores
melhoram o seu estatuto, elevam os seus rendimentos e aumentam o seu
poder/autonomia. Ao invés, a  proletarização provoca uma degradação do
estatuto, dos rendimentos e do poder/autonomia; é útil sublinhar quatro
elementos deste último processo: a separação entre a concepção e a execução, a estandardização das tarefas, a redução dos custos necessários à aquisição da
força de trabalho e a intensificação das exigências em relação à actividade
laboral" (1990, p. 335).
Como em muitos outros países, os professores portugueses também estão
submetidos a esta tensão, valendo a pena sublinhar dois elementos. Por um lado, a
tendência para separar a concepção da execução, isto é a elaboração dos curricula e
dos programas da sua concretização pedagógica; trata-se de um fenómeno social que
legitima a intervenção de especialistas científicos e sublinha as características técnicas
do trabalho dos professores, provocando uma degradação do seu estatuto e retirandolhes margens importantes de autonomia profissional. Por outro lado, a tendência no
sentido da intensificação do trabalho dos professores, com uma inflação de tarefas
diárias e uma sobrecarga permanente de actividades:
" A intensificação leva os professores a seguir por atalhos, a economizar
esforços, a realizar apenas o essencial para cumprir a tarefa que têm entre
mãos; obriga os professores a apoiar-se cada vez mais nos especialistas, a
esperar que lhes digam o que fazer, iniciando-se um processo de depreciação
da experiência e das capacidades adquiridas ao longo dos anos. A qualidade
cede o lugar à quantidade. [...] Perdem-se competências colectivas à medida
que se conquistam competências administrativas. Finalmente, é a estima
profissional que está em jogo, quando o próprio trabalho se encontra dominado
por outros actores" (Apple & Jungck, 1990, p. 156).
A formação de professores pode desempenhar um papel importante na
configuração de uma "nova" profissionalidade docente, estimulando a emergência de
uma cultura profissional no seio do professorado e de uma cultura organizacional no
seio das escolas.
A formação de professores tem ignorado, sistematicamente, o desenvolvimento
pessoal, confundindo "formar" e "formar-se", não compreendendo que a lógica da
actividade educativa nem sempre coincide com as dinâmicas próprias da formação. Mas também não tem valorizado uma articulação entre a formação e os projectos das
escolas, consideradas como organizações dotadas de margens de autonomia e de
decisão de dia para dia mais importantes. Estes dois "esquecimentos" invibializam que
a formação tenha como eixo  de referência o  desenvolvimento profissional dos
professores, na dupla perspectiva do professor individual e do colectivo docente.
Desenvolvimento pessoal: produzir a vida do professor
A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos
professores os meios de um pensamento autónomo e que facilite as dinâmicas de
auto-formação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um
trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vista à
construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional.
O professor é a pessoa. E uma parte importante da pessoa é o professor (Nias,
1991). Urge por isso (re)encontrar espaços de interacção entre as dimensões pessoais
e profissionais, permitindo aos professores apropriar-se dos seus processos de
formação e dar-lhes um sentido no quadro das suas histórias de vida.
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou
de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas
e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante
investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência.
O processo de formação está dependente de percursos educativos, mas não se
deixa controlar pela pedagogia. O processo de formação alimenta-se de modelos
educativos, mas asfixia quando se torna demasiado "educado". A formação vai e vem,
avança e recua, construindo-se num processo de relação ao saber e ao conhecimento
que se encontra no cerne da identidade pessoal (Dominicé, 1986).
Num trabalho recente, Ivor Goodson (1991) defende a necessidade de investir a
praxis como lugar de produção do saber e de conceder uma atenção especial às vidas
dos professores. A teoria fornece-nos indicadores e grelhas de leitura, mas o que o adulto retem como saber de referência está ligado à sua experiência e à sua
identidade:
" Devolver à experiência o lugar que merece na aprendizagem dos
conhecimentos necessários à existência (pessoal, social e profissional) passa
pela constatação de que o sujeito constrói o seu saber activamente ao longo do
seu percurso de vida. Ninguém se contenta em receber o saber, como se ele
fosse trazido do exterior pelos que detêm os seus segredos formais. A noção
de experiência mobiliza uma pedagogia interactiva e dialógica" (Dominicé,
1990, pp. 149-150).
Não se trata de mobilizar a experiência apenas numa dimensão pedagógica,
mas também num quadro conceptual de produção de saberes. Por isso, é importante a
criação de redes de (auto)formação participada, que permitam compreender a
globalidade do sujeito, assumindo a formação como um processo interactivo e
dinâmico.  A troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de
formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar,
simultaneamente, o papel de formador e de formando.
O diálogo entre os professores é fundamental para consolidar saberes
emergentes da prática profissional. Mas a criação de redes colectivas de trabalho
constitui, também, um factor decisivo de socialização profissional e de afirmação de
valores próprios da profissão docente. O desenvolvimento de uma nova cultura
profissional dos professores passa pela produção de saberes e de valores que dêm
corpo a um exercício autónomo da profissão docente.
A organização das escolas parece desencorajar um conhecimento profissional
partilhado dos professores, dificultando o investimento das experiências significativas
nos percursos de formação e a sua formulação teórica. E, no entanto, este é o único
processo que pode conduzir a uma transformação de perspectiva (Mezirow, 1990) e a
uma produção pelos próprios professores de saberes reflexivos e pertinentes. A
formação está indissociavelmente ligada à "produção de sentidos" sobre as vivências e
sobre as experiências de vida (Finger, 1989; Ball & Goodson, 1989). O trabalho centrado na pessoa do professor e na sua experiência é
particularmente relevante nos períodos de crise e de mudança, pois uma das fontes
mais importantes de 'stress'é o sentimento de que não se dominam as situações e os
contextos de intervenção profissional. É preciso um tempo para acomodar as inovações
e as mudanças, para refazer as identidades (Cole & Walker, 1989).
O triplo movimento sugerido por Schon (1990)  - conhecimento na acção,
reflexão na acção e reflexão sobre a acção e sobre a reflexão na acção - ganha uma
pertinência acrescida no quadro do desenvolvimento pessoal dos professores e remete
para a consolidação no terreno profissional de espaços de (auto)formação participada.
Os momentos de balanço retrospectivo sobre os percursos pessoais e profissionais são
momentos em que cada um produz a "sua" vida, o que no caso dos professores é
também produzir a "sua" profissão.
Desenvolvimento profissional: produzir a profissão docente
Práticas de formação contínua organizadas em torno dos professores individuais
podem ser utéis para a aquisição de conhecimentos e de técnicas, mas favorecem o
isolamento e reforçam uma imagem dos professores como transmissores de um saber
produzido no exterior da profissão. Práticas de formação que tomem como referência
as  dimensões colectivas contribuem para a emancipação profissional e para a
consolidação de uma profissão que é autonoma na produção dos seus saberes e dos
seus valores.
A retórica actual sobre o profissionalismo e a autonomia dos professores é
muitas vezes desmentida pela realidade, e os professores têm a sua vida quotidiana
cada vez mais controlada e sujeita a lógicas administrativas e a regulações
burocráticas (Ginsburg & Spatig, 1991; Popkewitz, 1987).
A situação presente dos professores portugueses encerra vários equilíbrios
instáveis. A institucionalização de dispositivos de avaliação do professorado, por
exemplo, pode acentuar a dependência e o controlo do corpo docente, em vez de contribuir para a emergência de uma verdadeira cultura profissional. A chave de leitura
destes equilíbrios encontra-se na definição dos professores como funcionários ou como
profissionais reflexivos, como técnicos ou como investigadores, como aplicadores ou
como conceptores curriculares (Carr, 1989; Woods, 1990).
A formação pode estimular o desenvolvimento profissional dos professores, no
quadro de uma autonomia contextualizada da profissão docente. Importa valorizar
paradigmas de formação que promovam a preparação de professores reflexivos, que
assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que
participem como protagonistas na implementação das políticas educativas.
É preciso investir positivamente os saberes de que o professor é portador,
trabalhando-os de um ponto de vista teórico e conceptual. Os problemas da prática
profissional docente não são meramente instrumentais; todos eles comportam situações
problemáticas que obrigam a decisões num terreno de grande complexidade, incerteza,
singularidade e de conflito de valores (Schon, 1990). As situações que os professores
são obrigados a enfrentar (e a resolver) apresentam características  únicas, exigindo
portanto  respostas únicas: o profissional competente possui capacidades de autodesenvolvimento reflexivo.
Ora é forçoso reconhecer que a profissionalização do saber na área das
Ciências da Educação tem contribuído para desvalorizar os saberes experienciais e as
práticas dos professores. A pedagogia científica tende a legitimar a razão instrumental:
os esforços de racionalização do ensino não se concretizam a partir de uma
valorização dos saberes de que os professores são portadores, mas sim através de um
esforço para impor novos saberes ditos "científicos". A lógica da racionalidade técnica
opõe-se sempre ao desenvolvimento de uma praxis reflexiva.
É preciso trabalhar no sentido da diversificação dos modelos e das
práticas de formação, instituindo novas relações dos professores com o saber
pedagógico e científico. A formação passa pela experimentação, pela inovação, pelo
ensaio de novos modos de trabalho pedagógico. E por uma reflexão crítica sobre a
sua utilização. A formação passa por processos de investigação, directamente
articulados com as práticas educativas.
A dinamização de dispositivos de investigação-acção e de investigação-formação pode dar corpo à apropriação pelos professores dos saberes que são
chamados a mobilizar no exercício da sua profissão. A este propósito é útil conjugar
uma formação de tipo clínico, isto é baseada na articulação entre a prática e a reflexão
sobre a prática (Perrenoud, 1991), e uma formação de tipo investigativo, que confronte
os professores com a produção de saberes pertinentes (Elliott, 1990). O esforço de
formação passa sempre pela mobilização de vários tipos de  saber: saberes de uma
prática reflexiva; saberes de uma teoria especializada; saberes de uma militância
pedagógica (Hameline, 1991).
Os professores têm que se assumir como produtores da "sua" profissão. Mas
sabemos hoje que não basta  mudar o profissional; é preciso  mudar também os
contextos em que ele intervem (Holly & McLoughlin, 1989; Lyons, 1990). Isto é, da
mesma maneira que a formação não se pode dissociar da produção de saber, também
não se pode alhear de uma intervenção no terreno profissional. As escolas não podem
mudar sem o empenhamento dos professores; e estes não podem mudar sem uma
transformação das instituições em que trabalham. O desenvolvimento profissional dos
professores tem que estar articulado com as escolas e os seus projectos.
A formação de professores deve ser concebida como uma das componentes da
mudança, em conexão estreita com outros sectores e áreas de intervenção, e não
como uma espécie de condição prévia da mudança. A formação não se faz antes da
mudança, faz-se  durante, produz-se nesse esforço de inovação e de procura dos
melhores percursos para a transformação da escola.  É esta perspectiva ecológica de
mudança interactiva dos profissionais e dos contextos que dá um novo sentido às
práticas de formação de professores centradas nas escolas.
Desenvolvimento organizacional: produzir a escola
A mudança educacional depende dos professores e da sua formação. Depende
também da transformação das práticas pedagógicas na sala de aula. Mas hoje em dia
nenhuma inovação pode passar ao lado de uma mudança ao nível das organizações escolares e do seu funcionamento. Por isso, falar de formação de professores é falar
de um investimento educativo dos projectos de escola.
As decisões no domínio educativo têm oscilado entre o nível demasiado global
do macro-sistema e o nível demasiado restrito da micro-sala de aula. Emerge hoje em
dia um novo conceito de instituição escolar, essa espécie de  entre-dois onde se
decidem grande parte das questões educativas. Definem-se aqui os contornos de uma
territorialidade própria onde a autonomia dos professores se pode concretizar.
Para a formação de professores, o desafio consiste em conceber a escola como
um ambiente educativo, onde trabalhar e formar não sejam actividades distintas. A
formação deve ser encarada como um processo permanente, integrado no dia-a-dia
dos professores e das escolas, e não como uma função que intervem à margem dos
projectos profissionais e organizacionais (McBride, 1989).
As dinâmicas de formação-acção organizacional delimitam um novo território de
intervenção, constituindo a face solidária dos processos de  investigação-acção
colaborativa e de  investigação-formação (Lieberman, 1990; Oja & Smulyan, 1989;
Wideen & Andrews, 1987).
Num interessante texto sobre "A investigação-acção e o desenvolvimento
colaborativo das escolas", Bridget Somekh defende a necessidade de articular a
formação contínua com a gestão escolar, as práticas curriculares e as necessidades
dos professores:
" O facto das necessidades de formação serem identificadas pelos professores,
em ligação estreita com o desenvolvimento curricular e a organização da escola,
favorece a participação dos diversos actores na vida da instituição e a
emergência de práticas democráticas" (1989, p. 161).
O incremento de experiências inovadoras e a sua disseminação pode revelar-se
extremamente útil e consolidar práticas diferenciadas de formação contínua. A este
propósito, uma reflexão recente de Alberto Melo parece-me particularmente pertinente:
" Os projectos experimentais  que deram bons resultados foram, via de regra, realizados por 'bons' investigadores-actores e encontraram um contexto
favorável. Parece-me, pois, demasiado optimista a perspectiva de generalização,
pois, com outras pessoas e noutros ambientes, o projecto nunca será o mesmo.
[...] Mas, para isso, seria talvez mais conveniente uma abordagem de
'disseminação em rede' do que a 'oficialização'  - que significa a adopção do
projecto como programa a lançar de cima para baixo" (1990, p. 8).
Creio que esta ideia é crucial no quadro da formação contínua, sobretudo
porque não há ainda uma tradição que condicione as práticas e os modelos a
implantar. É preciso fazer um esforço de troca e de partilha de experiências de
formação, realizadas pelas escolas e pelas instituições de ensino superior, criando
progressivamente uma nova cultura da formação de professores.
A noção de participação tem resistido bem à erosão do tempo; hoje em dia, é
um valor aceite não apenas por motivos ideológicos ou políticos, mas também por
razões económicas e de eficácia (Le Boterf, 1989). Os professores têm que ser
protagonistas activos nas diversas fases dos processos de formação: na concepção e
no acompanhamento, na regulação e na avaliação.
O território da formação é habitado por actores individuais e colectivos,
constituindo uma construção humana e social, na qual os diferentes intervenientes
possuem margens de autonomia na condução dos seus projectos próprios. A formação
contínua é uma oportunidade histórica para que se instaurem dispositivos de
partenariado entre os diversos actores sociais, profissionais e institucionais. Mas é
preciso recusar um "partenariado pela negativa", baseado na anulação das
competências dos diversos actores, e inventar um "partenariado pela positiva",
construído a partir de um investimento positivo de todos os poderes.
A aprendizagem em comum facilita a consolidação de dispositivos de
colaboração profissional. Mas o contrário também é verdadeiro: a concepção de
espaços colectivos de trabalho pode constituir um excelente instrumento de formação.
Ora, o que está actualmente em causa não é apenas o aperfeiçoamento, a
qualificação ou a progressão na carreira docente; a vários títulos, joga-se também aqui
a possibilidade de uma reforma educativa coerente e inovadora.A formação contínua deve capitalizar as experiências inovadoras e as redes de
trabalho que já existem no sistema educativo português, investindo-as do ponto de
vista da sua transformação qualitativa, em vez de instaurar novos dispositivos de
controlo e de enquadramento. A formação implica a mudança dos professores e das
escolas, o que não é possível sem um investimento positivo das experiências
inovadoras que já estão no terreno. Caso contrário, desencadeiam-se fenómenos de
resistência pessoal e institucional,  e provoca-se a passividade de muitos actores
educativos.
É preciso conjugar a "lógica da procura" (definida pelos professores e pelas
escolas) com a "lógica da oferta" (definida pelas instituições de formação), não
esquecendo nunca que a formação é indissociável dos projectos profissionais e
organizacionais.
Parece-me interessante terminar este texto adaptando o epílogo de um trabalho
de Mary-Louise Holly e Caven McLoughlin (1989) sobre o desenvolvimento profissional
dos professores.
Já começámos, mas ainda estamos longe do fim.
Começámos por organizar acções pontuais de  formação contínua, mas
evoluímos no sentido de as enquadrar num contexto mais vasto de
desenvolvimento profissional e organizacional.
Começámos por encarar os  professores isolados e a  título individual, mas
evoluímos no sentido de os considerar integrados em redes de cooperação e de
colaboração profissional.
Passámos de uma formação por catálogos para uma reflexão na prática e sobre
a prática.
Modificámos a nossa perspectiva de  um único modelo de formação dos
professores para programas diversificados e alternativos de formação contínua.Mudámos as nossas práticas de investigação  sobre os professores para uma
investigação com os professores e até para uma investigação pelos professores.
Estamos a evoluir no sentido de uma profissão que desenvolve os seus próprios
sistemas e saberes, através de percursos de renovação permanente que a
definem como uma profissão reflexiva e científica.
Toda a formação encerra um projecto de acção. E de trans-formação. E não há
projecto sem opções. As minhas passam pela valorização das pessoas e dos grupos
que têm lutado pela inovação no interior das escolas e do sistema educativo. Outras
passarão pela tentativa de impor novos dispositivos de controlo e de enquadramento.
Os desafios da formação de professores (e da profissão docente) jogam-se neste
confronto.
Notas de rodapé
(*)  Universidade de Lisboa.
(1)  Este texto retoma alguns textos que escrevi recentemente sobre esta problemática,
principalmente um capítulo sobre o "caso português" a publicar num livro coordenado
por Thomas Popkewitz (Changing patterns of regulation and power in teacher
education: Eight country study of reform practices in teacher education) e a
comunicação apresentada no 1º Congresso Nacional da Formação Contínua de
Professores (Formação Contínua de Professores: Realidades e Perspectivas. Aveiro:
Universidade de Aveiro, 1991).
(2)   A este propósito, a Reforma de 1901 é bastante paradoxal, ilustrando bem as ambiguidades que atravessam a política educativa em relação aos professores. Por um
lado, estipula-se que só "constitui habilitação para o exercício do magistério primário a
aprovação no curso das escolas normais ou de habilitação para o magistério primário"
(art. 30º) e que  só podem ser nomeados professores das escolas normais os
"indivíduos com habilitação legal para o magistério [preferindo-se] os professores ou
professoras de instrução primária, que tiverem mais de cinco anos de bom e efectivo
serviço no magistério" (art.  73º): eis duas medidas que contribuem para reforçar o
poder dos professores sobre a sua profissão e para sublinhar a importância do saber
dos colegas. Por outro lado, alerta-se contra a extensão dos programas, com o receio
que "em vez de óptimos mestres, dali saiam pedantes superficiais e pretenciosos" e
decreta-se a proibição de "congressos de professores de instrução primária, que não
tenham exclusivamente por objecto questões pedagógicas" (art. 115º): eis duas
medidas que limitam a profissionalização do  professorado e que reforçam o controlo
estatal.
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