A ESCOLA SOB O DOGMA DO MERCADO: UMA REFLEXÃO SOBRE O
TRABALHO DO SUPERVISOR DE ENSINO NESTE CONTEXTO
Ms. Denise Camargo Gomide
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Supervisora de Ensino da Secretaria de Estado da Educação
Rua Elvira Chaib Zidan, 61 – Santo Antonio de Posse SP
Telefone: (19) 9173-9377
INTRODUÇÃO
O presente artigo propõe diretrizes de análise a partir da identificação histórica de
formas de privatização da educação pública que exigem uma investigação mais aprofundada,
destacando formas prioritárias de atuação e de legitimação dos projetos do empresariado para
a educação, buscando identificar nesse contexto as inferências na ação supervisora, apontando para
uma dinâmica humanizadora e emancipatória no trabalho do supervisor de ensino.
O período histórico compreendido para esta análise preliminar inicia-se em 1984 até
os dias atuais, período este caracterizado principalmente pelo processo de globalização,
transição democrática e educação (inter)nacional.
O processo de globalização desencadeado a partir dos anos 80 possibilitou a abertura
política do país e quebrou as barreiras nacionais (territoriais) que impediam que as forças do
capital ocupassem amplos espaços, criando assim possibilidades inéditas de expansão e
acumulação.
Com este novo ciclo de expansão do capital, a questão da qualidade da educação,
tomada hoje em nível mundial, como fator de desenvolvimento econômico passou a ser
analisada sob a lógica do mercado, e traduzida em índices e rankings.
Nesse contexto, foram implementadas diversas reformas, como, por exemplo, a
Reforma do Estado e a Reforma Educacional que preconizavam reestruturar o Estado no
sentido de desconstruir o Estado providência em prol de um Estado máximo para o capital,
convertendo assim o sistema educativo em campo de domínio do capital e da produção de
mercadorias.
No campo educacional, a livre expansão do capital permitiu uma maior abrangência
do seu campo de ação, dando continuidade e ampliando a tendência privatizante dos anos da
Ditadura Militar. Nesse sentido, este período histórico foi o cenário da maior perda para o
ensino público quando a Constituição Federal de 1988 escancarou as portas, que na verdade
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dcgomide@gmail.com2
nunca foram fechadas, para que o setor privado pudesse se apropriar de novas fatias do
público para a educação, justamente por não garantir a destinação exclusiva dos recursos
públicos para as instituições de ensino mantidas pelo Estado.
No tocante às reformas, o discurso da qualidade foi então a base da Reforma do Estado
que pretendia tornar mais eficiente o desempenho da máquina governamental, proporcionando
serviços de melhor qualidade para os cidadãos. Contudo, se adequando aos interesses
estratégicos dos agentes governamentais, o foco parece ter se deslocado para a esfera
administrativa, incluindo aí a parceria público-privada como uma das estratégias utilizadas em
âmbito governamental, que através de parcerias com setores do mercado passou a assumir a
prestação de serviços públicos antes compreendidos na esfera estatal.
METODOLOGIA
A construção desta análise, sob uma ótica crítica e de referencial marxista,
considerou as categorias gramscianas que ajudam a compreender o papel da sociedade civil
na construção da hegemonia e as relações de poder implícitas nas políticas governamentais.
A partir dessas questões, procuremos, a partir da compreensão de Gramsci sobre a
educação unilateral referenciada no conceito de Capital Humano, indagar sobre a redefinição
da função social da escola pública diante da presença desses organismos privados.
A relevância do tema se confirma porque difunde uma identidade social que se opõe
ao posicionamento dos educadores que defendem a educação pública comum, única e
desinteressada, expressa na Escola Unitária de Antonio Gramsci:
A escola unitária requer que o Estado possa assumir as despesas que hoje
estão a cargo da família, no que toca à manutenção dos escolares, isto é, que
seja completamente transformado o orçamento da educação nacional,
ampliando-o de um modo imprevisto e tornando-o mais complexo: a inteira
função de educação e formação das novas gerações torna-se, ao invés de
privada, pública, pois somente assim pode ela envolver todas as gerações,
sem divisões de grupos ou castas. (GRAMSCI, 2006, p. 121).
No tocante à ação supervisora, buscaremos retomar a ação do “intelectual orgânico”
delineado por Gramsci, no sentido de ter um projeto assumido conscientemente e, pautado
nele, ser capaz de despertar, de mobilizar as pessoas para a mudança e fazer junto, com os de
sua “classe” (a massa docente), o percurso para estabelecer uma linha de mediação no sentido
de provocar, subsidiar e interagir.
Todo grupo social, ao nascer do terreno originário de uma função essencial
no mundo da produção econômica, cria também, organicamente, uma ou 3
mais camadas de intelectuais que conferem homogeneidade e consciência da
própria função não apenas no campo econômico, como também no social e
político: o empresário capitalista gera junto consigo o técnico da indústria, o
cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, de um
novo direito etc. (Gramsci, 1975, p. 1.513)
RESULTADOS
Nessa perspectiva, podemos inferir que o campo econômico passa a exercer influência
e dominação sobre todas as esferas sociais fazendo com que as políticas públicas sejam
orientadas por este novo padrão, especialmente as políticas educacionais: "trata-se de um
‘novo padrão desenvolvimentista' a partir do qual o campo econômico constitui-se na ‘molamestra' em torno da qual se articulam o social e o educacional" (SOUZA, 2010, p. 91).
Assim, a questão do financiamento público da educação se destaca entre as estratégias
da Reforma Educacional e faz parte de uma intricada rede de interesses políticos e
econômicos das mais diversas ordens e se insere numa problemática mais ampla e polêmica,
que é o mercado educacional, vislumbrado após a inclusão da educação como um serviço na
Organização Mundial do Comércio (OMC) na década de 1990.
Na historiografia educacional brasileira, a temática do público e do privado tem sua
origem em 1821 (CURY, 2005) quando passa a atestar a ineficiência e incapacidade do
Estado Nação em garantir a educação básica, que na época se definia como o ensino das
primeiras letras e, hoje, século XXI, é incapaz de dar conta da educação com qualidade.
Ao longo da história, a educação passou por mudanças, mas continua sendo uma arena
de embates ideológicos, políticos e culturais. Impulsionadas pela globalização hegemônica e
transformações na economia, as parcerias entre setor público e privado têm se efetivado
principalmente através de transferências de serviços historicamente considerados privativos
do poder público para grupos privados e tornam-se recorrentes em vista do crescimento desta
prática no Brasil.
Nessa perspectiva, o cenário educacional brasileiro passa a adquirir novas
configurações diante do mundo globalizado, colocando em evidência e em posições decisivas
a lógica mercadológica, contrapondo-se ao Estado que passa assumir uma postura de mero
expectador. No entanto, vale ressaltar que na “saída” do processo educacional, o Estado,
ironicamente, vem atuando como regulador, na medida em que impõe mecanismos de
avaliação, cujos resultados encontram-se atrelados a metas, índices, rankings, que valem
direta ou indiretamente recursos financeiros, tanto para instituições públicas, governos e
instituições privadas. 4
DISCUSSÃO
Diante da postura do Estado enquanto regulador, no sentido de “garantir” a qualidade
da educação através de mecanismos externos de avaliação, retomaremos o conceito de
qualidade nas últimas décadas, fazendo um panorama histórico do desenvolvimento do
conceito e suas implicações na educação até a década de 90, quando então o debate sobre a
qualidade na educação se tornou mais acirrado.
Na década de 20 do século passado, a noção de qualidade emerge no processo de
industrialização, associada à idéia de tempo e de eficiência do trabalhador no desempenho de
suas tarefas: "qualidade" tinha como referente o "controle de defeitos de fabricação". Esse
padrão permaneceu nas décadas de 30, 40 e 50, orientado pela teoria e pelos métodos da
administração científica desenvolvida por Taylor.
Na década de 60, chegaram as experiências com inovações nos métodos de controle de
qualidade dos produtos, que ficaram conhecidos como "Controle de Qualidade",
caracterizando-se como controle de processos que englobava toda a linha de produção, desde
o projeto até o acabamento.
Na década de 70, a experiência japonesa foi apropriada pelos Estados Unidos, que
incrementaram algumas modificações de natureza administrativa e atribuíram ao referente de
qualidade, não só o objetivo de evitar defeitos de fabricação, mas, de organizar toda a
produção para atingir determinadas metas de produtividade, o que ficou conhecida como
"administração por objetivos".
Nos anos 80, a evolução dessa prática administrativa adquiriu a designação de "Gestão
pela Qualidade Total". E, assim, acompanhando a mudança da denominação, o referente
também foi deslocado de "produto sem defeito" para "cliente sem defeito".
Na década de 90, a prática da gestão e controle do processo de trabalho foi comumente
designada com a expressão "Qualidade Total", procurando construir um discurso de gerência
moderna. Esse discurso de gerência moderna procurou trazer novos sentidos para a prática de
gerenciamento, tornando-se uma das formas de representação da ideologia do mercado.
A partir então do início da década de 1990 há um processo de reconfiguração de
políticas econômicas e educacionais, e profundas reformas que se estendem da
redemocratização política à liberalização e à redução da sua esfera pública (Estado menor) e
da reconstrução de sua regulamentação para expandir a esfera privada, sob uma lógica de
otimização de recursos, com uma tendência em vincular a educação a um discurso de
qualidade sob a lógica empresarial: racionalização administrativa e processos produtivos 5
atrelados a critérios de eficácia e eficiência, sintonizando-se com o desenvolvimento
econômico para que o Estado possa competir no mercado internacional.
Nessa perspectiva, o discurso da qualidade passa, assim como nas empresas, a
ser a principal meta propagada pelo discurso político oficial dos governantes, como sinônimo
de eficiência e eficácia, termos estes basilares do modelo empresarial, destacando-se assim
como motor desencadeador de novas políticas e programas de ações na área educacional.
Contudo, diante dos baixos resultados em avaliações, nacional e internacional,
como Pisa, Prova Brasil; Sabe; Enem, Idade, amplamente divulgados e criticados pela mídia
nacional e internacional, que refletem nos índices do IDEB ([Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica) e no IGC (Índice Geral de Cursos), a educação pública torna-se notícia
mercadológica de jornal e ganha espaço na mídia.
Apple (2004, p. 45) afirma que "estamos em um período de reação em educação
devido aos fracassos da mesma" e entende que nessa nova conjuntura política e econômica, o
fracasso da educação é interpretado como prejudiciais ao desenvolvimento econômico e perda
de competitividade internacional e, portanto, a escola e o ensino passam a ser vistos como
investimento e o aluno como capital intelectual.
Diante da profunda crise da social-democracia e do Estado do Bem-Estar que
marcou profundamente as últimas três décadas do século XX, novas exigências se puseram
para a economia e para o Estado. As demandas da chamada sociedade do conhecimento
pressionavam a educação a mudar. Essa mudança foi provocada principalmente pela
diminuição do papel do Estado em vários setores, particularmente, no educacional.
Através de programas de isenções tributárias, transferências diretas e indiretas, como
bolsas de estudo para as escolas privadas, além de empréstimos com juros negativos e uma
legislação bem flexível e amigável no que diz respeito ao funcionamento das escolas, os
militares foram os grandes favorecedores da ação da iniciativa privada no campo educacional.
Após o término do período militar, os presidentes civis, em virtude de uma profunda crise
fiscal presente no país, começam um movimento pela redefinição das funções do Estado. Essa
redefinição tornou-se mais evidente a partir do Governo Collor, quando se iniciou o
programa de privatização. Nesse contexto, os investimentos no setor público foram
decrescendo em relação aos do setor privado, deslocando o eixo norteador das políticas
implementadas para a lógica de mercado.
Sendo assim, com o fim do regime militar, essa ideologia privatista ganhou força e
aos poucos se incorporou às idéias e práticas já arraigadas no Brasil. Os grupos econômicos
privados passaram a acusar o Estado pela crise dos anos 80. A retomada do processo6
inflacionário, a manutenção de uma grande, onerosa e desnecessária burocracia, e a
crescente dívida interna atribuída à necessidade de empréstimos a juros cada vez mais altos,
alimentando uma especulação financeira sem precedentes, são alguns dos fatores apontados
por esses grupos econômicos interessados no mercado educacional.
Nessa luta ideológica, podemos definir o termo “privatizou brasileiro” a partir de
Cunha (1995, p. 11) “como a prática de pôr a administração pública a serviço de grupos
particulares, sejam econômicos, religiosos ou político-partidários”.
Genericamente, o termo privatização designa as iniciativas que ampliam o papel do
mercado em áreas anteriormente consideradas privativas do Estado, não só a partir da venda
de bens e serviços de propriedade exclusiva do Estado, mas, também, da liberalização de
serviços, até então de responsabilidade do Estado como a educação, saúde e meio
ambiente.
A prestação de serviços educacionais no Brasil pelo setor privado já vinha se
expandindo desde a década de 1960, mas foi intensificado a partir da década de 1970,
quando foi inaugurado o primeiro programa governamental de privatização. As políticas
educacionais, posteriores à década de 1980, atendiam às recomendações do Banco Mundial
que, após a eclosão da crise do endividamento, passou a impor uma série de
condicionantes para a concessão de novos empréstimos. Soares (1996) afirma que os
programas de ajuste do Banco Mundial possuíam cinco eixos principais, dentre os quais
se destaca, aqui, a privatização das empresas e dos serviços públicos.
Contudo, foi na década de 1990 que esta discussão efetivamente veio à tona, de
modo mais específico com o início do governo Collor quando o Estado passou a delegar a
maior parte de suas obrigações ao setor privado, se limitando apenas àquelas de caráter
assistencial para os cidadãos cujo poder aquisitivo não permite pagar por um serviço privado.
Essa interferência do privado no setor público pode ser identificada na legislação
que, segundo Cunha (2000) favoreceu a iniciativa privada e reconheceu as instituições
privadas com finalidade lucrativa a partir da LDB de 1996, ao mesmo tempo em que
mantinha estagnados os recursos financeiros para as instituições públicas.
Em 30 de dezembro de 2004 foi aprovada a Lei de n
o
11.079 (BRASIL, 2004), que
trata das Parcerias Público-Privadas – PPPs, instituindo normas gerais para licitação e
contratação de parcerias público-privadas no âmbito da administração pública. Desse modo,
excetuando o poder de regular, legislar e policiar, todo o restante poderá vir a ser objeto de
ação do setor privado.7
É bem verdade que grandes expectativas nortearam a transição entre os governos dos
presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva no tocante a
educação pública.
No entanto, a desmobilização das principais entidades que representavam a classe
trabalhadora, refletiu negativamente na militância em defesa da escola pública. As políticas
educacionais governamentais passaram a convergir com as proposições educacionais do
empresariado. Este movimento se expressa através do que se tornou o maior empreendimento
da educação de Lula: o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).
A partir de então, o empresariado passou a ter grande expressão na educação pública
brasileira com a concomitante ascendência do grupo empresarial “Movimento Todos pela
Educação” que se legitimou com o decreto presidencial do PDE. Este decreto, na prática,
revogou a lei do PNE e teve como principal objetivo a instituição de programas educativos
de caráter fragmentado, de gestão privada e que não incidem sobre a ampliação dos direitos
no campo educacional (SAVIANI, 2007).
Como forma de legitimar a política privatizante encaminhada pelo PDE, expressa
pelas parcerias público-privadas para todos os níveis e modalidades de ensino, o próprio
decreto institui a realização de um exame padronizado de conhecimentos pelos alunos das
escolas públicas, que gera o IDEB. Hierarquizando o repasse financeiro às escolas públicas
a partir de um sistema de gratificações meritocrático, repassa-se um maior montante às
escolas que atingiram maior IDEB, que curiosamente coincidem com aquelas em que as
fundações privadas tem atuado mais efetivamente, inclusive definindo os conhecimentos a
serem priorizados na escola tendo em vista à realização dos testes.
Os convênios estabelecidos com a iniciativa privada, em geral sob forma de parcerias,
estão no âmago da redefinição da função do Estado como provedor da educação pública,
de forma que os particularismos defendidos pelos grupos empresariais investidores agora
têm espaço para definir o caráter da escola pública, expressando um papel cada vez mais
orgânico dos interesses da burguesia. Desta forma, o capital se torna também mais presente
nos assuntos relativos à formação humana e a educação passa a constituir-se como um
espaço de disputa de projetos sociais de classe, no qual cabe ao capital forjar um ethos
coerente com o novo espírito do capitalismo.
Além de definir a pauta do conhecimento difundido na escola, o empresariado se
vale de algumas vantagens como as generosas isenções tributárias e da associação positiva
de sua imagem aos serviços típicos de Estado.
Após a resistência contra as reformas do Estado e da deslegitimação do neoliberalismo8
explícito, os governos comprometidos com as políticas neoliberais estão retomando estas
reformas valendo-se de mecanismos persuasivos e do discurso ideológico. Afirma-se que é
possível manter os valores do público no setor privado, através do conceito de
“publicização”, atualizado nas novas formas de organização da sociedade civil. Segundo o
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, “publicização” equivale “(...) a
descentralização para o setor público não-estatal da execução de serviços que não envolvem
o exercício do poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos
serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica.” (BRASIL, 1995, p.1).
Esta ofensiva neoliberal tem pautado o papel do supervisor de ensino a partir de uma
cultura de administração centrada em práticas autoritárias, fiscalizadoras e reprodutoras de
políticas públicas emanadas dos órgãos centrais. Sendo assim, faz-se necessário reafirmar as
ações que incorporam a práxis do Supervisor Humanizador e Emancipador, que se
caracterizam pela consciência de sua função social, disposição política para a ação
supervisora, sensibilidade social, capacidade argumentativa e compromisso em assumir-se
como intelectual orgânico, comprometido com a sua formação e com a de sua classe, a massa
docente, sendo capaz de organizá-la e instrumentalizá-la para a realização de um projeto
educativo comprometido com a transformação social, afastando-se assim daquela postura de
controle burocrático.
Para isso, é preciso romper com as ideologias impostas pelo capitalismo, no sentido de
questioná-las, combatendo assim a ação supervisora desvinculada da ação político-social.
Nessa dinâmica, o supervisor de ensino precisa lembrar, antes de mais nada, que é um
educador, e como tal deve estar no combate a tudo aquilo que desumaniza a escola: a
reprodução da ideologia dominante, o autoritarismo, o conhecimento desvinculado da
realidade, a evasão, a lógica classificatória e excludente (repetência ou aprovação sem
apropriação do saber), a discriminação social na e através da escola, o nível de exclusão e
miséria social; na busca de uma práxis educacional que a cada dia mais se aproxime do
compromisso com a emancipação social.
Nessa perspectiva, o supervisor de ensino precisa compreender o sentido pedagógico e
político da sua ação. Compreender o sentido pedagógico implica em reconhecer a sua função
como essencialmente comprometida com a qualidade do ensino. Compreender o sentido
político consiste em considerar que esta qualidade de ensino deve estar comprometida, por
sua vez, com a realização de um projeto educativo qualitativamente adequado às classes
trabalhadoras, atual clientela majoritária da escola pública, de modo a assegurar o acesso aos
conhecimentos socialmente construídos, enquanto instrumental indispensável à participação e 9
transformações sociais, e não se limitar ao oferecimento das primeiras letras ou o
conhecimento básico para o exercício da atividade laborativa.
CONCLUSÃO
Diante dessas considerações, entendemos que a luta histórica dos educadores em
defesa de uma escola pública, obrigatória, gratuita, laica e que cumpra com o papel de
transmissora dos conhecimentos historicamente construídos, não pode ser negligenciada nem
mesmo interrompida pela expansão do protagonismo do setor privado e da crescente
desresponsabilização do Estado com a educação pública.
É fato que a presença desses organismos privados redefine a função social da escola
pública, ao preconizar uma educação comprometida com o capital, e por isso necessita ser
repensada, avaliando suas origem histórica e suas conseqüências, identificando qual o sentido
da educação veiculada por essa iniciativa da sociedade civil dirigida pelo empresariado.
A formação preconizada pelos projetos do empresariado para a educação não é capaz
de garantir o ensino “desinteressado” e sem “finalidades práticas imediatas ou muito
imediatas; formativo ainda que instrutivo, isto é, rico de noções concretas” (GRAMSCI,
2006, p.49), conformando uma estratégia educativa pró-sistêmica e incompatível com o
público.
Estas questões são de fato instigadoras e incômodas diante do modo que tem se
buscado atingir a dita qualidade da educação e, portanto, é preciso questionar as bases
ideológicas desse modelo educacional que vem sendo delineado e consolidado, apontando os
seus riscos à educação pública, pois com o deslocamento da educação pública para uma
atividade a ser operada em sintonia com o chamado livre mercado, a principal tendência da
agenda educacional atual é o enfraquecimento da escola pública.
Sendo assim, concluímos que em nome da eficiência e da democratização do Estado
e da sociedade surgem os instrumentos políticos e administrativos adequados à reprodução
ampliada do capital. Estes instrumentos aparecem como elementos discursivos, de caráter
ideológico, utilizados para a extração de uma maior taxa de mais-valia e como mecanismos
de controle social, como: a flexibilização, a autonomia organizacional, o incentivo à inovação,
a descentralização, a gestão por resultados, a administração voltada para o cliente, a
negociação de metas e índices de desempenho entre as agências estatais e a utilização de
mecanismos de mercado na prestação de serviços públicos (BENTO, 2003), que são
nitidamente identificadas nos documentos criadores das novas políticas educacionais e,10
portanto, devem ser questionadas, considerando que o modelo gerencial das empresas é
incompatível com os princípios inerentes à educação verdadeiramente pública.
Neste tipo de formação veiculada nas escolas não há a garantia do ensino
desinteressado. Ou seja, escola básica pública sob uma perspectiva socialista e democrática
“não deve ter finalidades práticas imediatas ou muito imediatas, deve ser formativo ainda
que instrutivo, isto é, rico de noções concretas” (GRAMSCI, 2006, p.49).
Manifesta-se então a necessidade retomar os nexos entre as classes sociais e seus
projetos de educação. Em oposição ao Estado burguês e ao mercado, que mascaram os
interesses do capital, os projetos educacionais que tem como objetivo a defesa da educação
pública de qualidade para os filhos dos trabalhadores devem pautar-se no marxismo por seu
inseparável caráter científico e ideológico.
Simultaneamente à difusão do fracasso das escolas públicas através dos índices de
desempenho, argumenta-se que a gestão privada é o único caminho para a melhoria da
qualidade da educação, já que modelo empresarial está imbuído da “técnica” da
administração institucional. Esta tentativa de destituir o Estado da sua imagem competente
para gerir as atividades sociais está no bojo das ações da reestruturação produtiva do capital
na atualidade.
O proposto “ajuste estrutural” ao qual deveriam submeter-se os países capitalistas
dependentes, marca assim início da implementação das políticas neoliberais, que sustentam
a privatização dos serviços públicos essenciais e um Estado como um mero “regulador” legal
destas atividades.
A institucionalização do IDEB é um dos retratos do que o Estado avoca como sua
principal função: a “observação” do funcionamento da escola básica de forma a gratificar
ou penalizar as escolas conforme aproximação ou distanciamento de um conjunto de “metas”
definidas por um consórcio de interesses particularistas.
A educação pública precisa cumprir com a função social de elevar a formação
humana, possibilitando, aos filhos dos trabalhadores, os conhecimentos que sempre lhes
foram negados. A eles, o Estado Capitalista só oferece as primeiras letras, a mínima
instrumentação para o trabalho precário. É por isso que aqueles que vivem o trabalho
explorado devem se utilizar das instituições públicas como espaço da luta de classes contra a
difusão dos interesses hegemônicos do capital e pela educação que represente de fato uma
dimensão da emancipação humana.11
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