País colabora em quatro experimentos com acelerador de partículas suíço.
G1 entrevistou cinco cientistas que ajudam a escrever esta história.
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Fundado em 1954, o Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern, na sigla em francês) é um dos principais institutos científicos do planeta. É ele que administra o Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), a maior máquina já feita pela humanidade. Diversos brasileiros trabalham no local. O G1 conversou com cinco deles para contar a história da pesquisa nacional no maior laboratório do mundo.
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Debaixo da terra, perto de Genebra, na fronteira da Suíça com a França, cientistas tentam recriar as condições da origem do Universo – com altíssima energia – para testar as teorias da física moderna, elaboradas por pesquisadores como Albert Einstein.
O Cern é formado por 20 países membros, todos europeus. Atualmente, o Brasil tem apenas um "acordo de cooperação" com o centro, mas pretende se candidatar a uma vaga permanente. O país participa de quatro grupos de pesquisa (ou "experimentos") feitos no LHC – Atlas, Alice, CMS e LHCb – e tem mais de cem pesquisadores registrados no projeto.
Apesar de todos trabalharem ou terem trabalhado no mesmo local, os cientistas ouvidos peloG1 têm histórias diferentes, que mostram o impacto que o trabalho no LHC tem para a ciência do país.
O "veterano" Alberto Santoro ajudou a decidir um dos projetos que brasileiros tocariam no Cern, quando o LHC existia apenas como um gigantesco canteiro de obras. Do outro lado, o novato Danilo Ferreira de Lima, começa sua carreira acadêmica agora, dentro do laboratório europeu. Entre os dois, Denis Oliveira Damazio hoje é um dos pesquisadores que atuam diretamente na pesquisa. Carmem Maidantchik faz parte da equipe de engenheiros de softwares que torna a análise de dados tão complexos possível. Por fim, Rodrigo Coura Torres pegou o que aprendeu trabalhando no LHC e criou uma empresa de softwares que atendem de físicos a médicos e economistas.
As experiências no LHC são feitas com partículas invisíveis, muitas vezes frações de frações de átomos em busca de partículas que mostrem que os físicos estão no caminho certo. O "cálice sagrado" dessa busca é chamado de "bóson de Higgs", apelidado de “partícula de Deus”, única partícula prevista pela teoria vigente cuja existência ainda não foi comprovada.
Como nenhum outro lugar do mundo oferece condições tão boas como as do LHC para conduzir pesquisas nessta área, metade dos físicos de partículas do mundo usa a estrutura do Cern. São cerca de 10 mil cientistas, mais de 600 universidades e 110 países, segundo informações do próprio centro.
Veja a seguir como são os brasileiros que conduzem esses estudos tão complexos e o que o Brasil tem a ganhar ao trabalhar ali.
O local
Denis Oliveira Damazio tem vínculo com o Laboratório Nacional de Brookhaven, nos EUA, mas mora em Genebra desde 2005 e conduz suas pesquisas diretamente no Cern.
Ele se mudou para a Suíça para ajudar a construir um dos detectores do LHC – o aparelho começou a operar em 2008. Na época, ele era responsável por uma fonte de alimentação de energia e desenvolveu um software capaz de controlar esse aparelho.
Na época em que trabalhou na construção do acelerador, o cientista tinha acesso ao local, debaixo da terra, e conseguiu até levar os pais para conhecer a estrutura da potente máquina. “Eles sabem que é um negócio enorme e que deve ser importante”, brincou o cientista, sobre a dificuldade de explicar o que faz da vida para a família.
Damazio agora participa do experimento Atlas, um dos que estão em busca do elusivo bóson de Higgs. A missão dele e de sua equipe é descobrir o que pode ser feito com as partículas que sobram depois da colisão, um verdadeiro "lixo subatômico". Ele desenvolve programas de computador capazesde analisar o que pode ser reaproveitado pelos cientistas para novas pesquisas -- uma espécie de "reciclagem de partículas", para que não haja desperdício.
Hoje, todo o acesso ao LHC é remoto. Os dados obtidos no acelerador são enviados a todo o mundo imediatamente. Segundo Damazio, são necessários cerca de 100 mil computadores para processar todos os dados, cinco vezes mais do que o Cern tem disponível.
“Os dados processados aqui, se colocados em CD’s, dão uma pilha de 20 km”, contou.
Mesmo assim, ele não nega que o trabalho duro, de 12 horas ou 13 horas por dia e longe do país, é a realização de um sonho. “O Cern é o maior laboratório, é onde todo físico quer trabalhar”, afirmou.
O veterano
Construir um aparelho como o LHC, com 27 km de extensão, não é algo que dê para fazer em qualquer lugar do mundo. Por isso, não há planos para se construir nada parecido em outros locais. Mas nem sempre o Cern reinou absoluto.
Os Estados Unidos possuem aceleradores de partículas que, no passado, preenchiam essa lacuna – com a tecnologia que era possível. Nos aceleradores do laboratório Fermilab, em Chicago, foram feitas descobertas importantes para a física de partículas, como o "quark top" em 1995 – uma partícula que era perseguida então como o bóson de Higgs é hoje.
Alberto Santoro, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, fazia parte daquela equipe. O pesquisador é uma das referências entre os físicos brasileiros e hoje coordena a participação do país no experimento CMS, realizado no Cern.
A física forma gente que aprende a pensar. São pessoas que lidam diariamente com problemas insolúveis"
Alberto Santoro, professor da Uerj
A história de Santoro na física começou na década de 1960. Foi quando se formou e, em seguida, ameaçado pela ditadura, radicou-se na França, onde fez mestrado e doutorado. Só voltaria ao Brasil em 1977 e poucos anos depois iria para os EUA, onde colaborou com o Fermilab.
O pesquisador voltou em definitivo ao Brasil na década de 1990 e logo se tornou uma figura importante na participação brasileira no Cern. Foi um dos responsáveis pela escolha do CMS como um dos experimentos de que o Brasil faria parte.
“Nós escolhemos o experimento que desse a maior oportunidade de fazer física”, contou o cientista.
Para ele, o que os cientistas fazem no Cern serve para desenvolver a mão-de-obra da pesquisa nacional.
“A física forma gente que aprende a pensar. São pessoas que lidam diariamente com problemas insolúveis. Treinar gente que pensa é da maior importância para o país”, apontou.
A resolvedora de problemas
Para solucionar esses "problemas insolúveis", novas tecnologias precisam ser criadas – nas quais ninguém havia pensado antes. As aplicações práticas para a sociedade vão da construção civil à medicina.
Mas há um consenso geral entre os especialistas sobre qual foi a descoberta mais importante que já saiu dos laboratórios do Cern: a World Wide Web. A "www", a rede na internet que você está usando para ler este texto, nasceu para integrar as bases de dados do centro. O projeto inicial surgiu em 1989, da cabeça do inglês Tim Berners-Lee, enquanto ele trabalhava no Cern. A primeira página da World Wide Web foi a lista telefônica do centro.
Engrossando o coro que ressalta essa descoberta está Carmen Maidantchik, que coordena a área de softwares da cooperação entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Atlas. Sua participação no Cern começou ainda na década de 1980, quando ingressou no mestrado da universidade.
Maidantchik explica que o objetivo dos projetos de informática elaborados no Cern é vencer as barreiras que surgem durante os experimentos dos físicos. “A gente vai desenvolvendo sem saber exatamente o que precisa”, definiu a pesquisadora.
Mesmo em uma área dominada pela presença masculina, ela diz jamais ter tido problemas com os colegas por ser mulher. "A área é tão complexa que passa por cima das questões de gênero”, afirmou. “Nunca senti preconceito nem por ser brasileira, nem por ser jovem, nem por ser mulher”.
Entre suas colaborações, Maidantchik destaca uma tecnologia chamada “glance” – termo em inglês que significa olhar rapidamente –, que serve para recuperar dados de várias bases diferentes ao mesmo empo. Tendo em vista o volume de dados citado por Damazio, a tarefa não é nada fácil.
O empreendedor
O engenheiro eletrônico Rodrigo Coura Torres aproveitou o que aprendeu quando trabalhou com os dados do experimento Atlas e aplicou no mercado. Ele se uniu a um colega engenheiro, especializado em administração, e fundou a Nemesys, “uma empresa focada no desenvolvimento de sistemas computacionais inteligentes de alta performance”.
Torres foi apresentado ao Cern quando fez seu doutorado na UFRJ. Na iniciativa privada, ele tem o Cern como um de seus clientes e oferece tecnologia – brasileira – como produto para os físicos.
Um dos objetivos do projeto que ele desenvolveu no doutorado era identificar elétrons produzidos pela colisão de partículas. Ou, nas suas palavras, “achar uma agulha no palheiro”.
Como um elétron é invisível, ele deve ser identificado por características específicas, uma espécie "de impressão digital”. “Tentamos elaborar técnicas que identifiquem esses elétrons com mais precisão”, afirmou.
A técnica desenvolvida foi uma modelagem estatística. Para identificar o elétron com velocidade e precisão, era preciso fazer as perguntas certas, saber quais características deveriam ser procuradas para diferenciá-lo das outras partículas.
Essa tecnologia pode ser aplicada em outras áreas, e é isso que a Nemesys faz. Ela já serviu para ajudar médicos na triagem de sintomas para facilitar o diagnóstico de tuberculose e pode prever se uma empresa vai conseguir bater as metas de vendas. “O problema muda, a ferramenta mantém-se a mesma”, resumiu Torres.
O aprendiz
No caso do empreendedor, o contato com o Cern veio só no doutorado, e mudou sua relação com a engenharia. O mesmo aconteceu com Danilo Ferreira de Lima, mas em um momento diferente da carreira.
Na época do vestibular, ele já amava a física, mas não teve coragem de tentar uma vaga no curso. “Achava que física não ia dar dinheiro, não ia para frente. Não conhecia nenhum físico. Então fui fazer engenharia eletrônica”, contou.
Dentro da UFRJ, ainda na graduação, Lima entrou em um processo de iniciação científica na engenharia e passou a colaborar com o Cern. Antes mesmo de se formar, fez duas visitas a Genebra, uma delas na duração de um ano. “Quando você está na universidade, você pensa que o esquema é estudar, fazer prova e passar para a próxima etapa. Quando você entra na iniciação científica, não é assim que funciona”, comparou. “Foi só quando eu entrei na iniciação científica que eu vi que gostava daquilo”.
Depois da passagem pelo processo e da experiência adquirida na Suíça, ele se decidiu pela carreira acadêmica – que nem sabia que existia, quando prestou vestibular.
Depois de se formar engenheiro, Lima quis mudar para a física.“Minha trajetória de vida toda começou por não saber que existia esse mundo de oportunidades na academia e na física”, comentou. Na avaliação dele, falta divulgação sobre a carreira acadêmica para a sociedade como um todo.
“A visão da física é mais abrangente, mas, mais do que isso, é diferente porque o físico tem uma visão que não é muito sistemática”, opinou. “Na engenharia, o método estatístico é um objeto de estudo. Na física, ele é uma ferramenta para estudar outra coisa”.
O jovem candidatou-se a três pós-graduações na nova área. Foi aceito na UFRJ e no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), mas optou pelo doutorado da Universidade de Glasgow, na Escócia.
Um dos fatores determinantes para que ele optasse pela instituição foi a relativa proximidade de Genebra. “O ambiente político faz diferença. As decisões são tomadas na mesa de bar. A presença física no Cern é importante por isso. Aqui no Reino Unido, muitas vezes me mandam para a Suíça só para fazer contatos”, explicou.
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