A prática escolar consiste na concretização das condições que asseguram
a realização do trabalho docente. Tais condições não se reduzem ao estritamente
"pedagógico", já que a escola cumpre funções que lhe são dadas pela
sociedade concreta que, por sua vez, apresenta-se como constituída por classes
sociais com interesses antagônicos. A prática escolar assim, tem atrás de si
condicionantes sociopolíticos que configuram diferentes concepções de homem e
de sociedade e, consequentemente, diferentes pressupostos sobre o papel da
escola, aprendizagem, relações professor-aluno, técnicas pedagógicas etc. Fica
claro que o modo como os professores realizam sou trabalho, selecionam e
organizam o conteúdo das matérias, ou escolhem técnicas de ensino e avaliação
tem a ver com pressupostos teórico-metodológicos, explícita ou implicitamente.
Uma boa parte dos professores, provavelmente a maioria, baseia sua
prática em prescrições pedagógicas que viraram senso comum, incorporadas quando
de sua passagem pela escola ou transmitidas pelos colegas mais velhos;
entretanto, essa prática contém pressupostos teóricos implícitos. Por outro
lado, há professores interessados num trabalho docente mais conseqüente,
professores capazes de perceber o sentido mais amplo de sua prática e de
explicitar suas convicções. Inclusive há aqueles que se apegam à última tendência
da moda, sem maiores cuidados em refletir se essa escolha trará, de fato, as
respostas que procuram. Deve-se salientar, ainda, que os conteúdos dos cursos
de licenciatura, ou não incluem o estudo das correntes pedagógicas, ou giram em
torno de teorias de
* Publicado anteriormente na Revista da ANDE, n° 6, 1982. Republicado
aqui com algumas alterações. Aprendizagem e ensino que quase nunca têm
correspondência com as situações concretas de sala de aula, não ajudando os
professores a formar um quadro de referência para orientar sua prática.
Em artigo publicado em 1981, SAVIANI descreveu com muita propriedade
certas confusões que se emaranham na cabeça de professores. Após caracterizar a
pedagogia tradicional e a pedagogia nova, indica o aparecimento, mais recente,
da tendência tecnicista e das teorias critico-reprodutivistas, todas incidindo
sobre o professor. Ele escreve: "Os professores têm na cabeça o movimento
e os princípios da escola nova. A realidade, porém, não oferece aos professores
condições para instaurar a escola nova, porque a realidade em que atuam é
tradicional. (...) Mas o drama do professor não termina, aí. A essa contradição
se acrescenta uma outra: além de constatar que as condições concretas não
correspondem à sua crença, o professor se vê pressionado pela pedagogia oficial
que prega a racionalidade e produtividade do sistema e do seu trabalho, isto é,
ênfase, nos meios (tecnicismo).(...) Ai o quadro contraditório em que se
encontra o professor: sua cabeça é escolanovista a realidade é
tradicional;"(...) rejeita o tecnicismo porque sente-se violentado pela
ideologia oficial; não aceita a linha crítica porque não quer receber a
denominação de agente repressor”1.
Face a essas constatações, pretende-se, neste texto, fazer um
levantamento, ainda que precário, das tendências pedagógicas que têm-se firmado
nas escolar pela prática dos professores, fornecendo uma breve explanação dos
pressupostos teóricos e metodológicos de cada um.
1 Dermeval SAVIANI, “Tendências pedagógicas contemporâneas”, p.65
É necessário esclarecer que as tendências não aparecem em sua forma
pura, nem sempre, são mutuamente exclusivas, nem conseguem captar toda a
riqueza da prática escolar. São, aliás, as limitações de qualquer tentativa de
classificação. De qualquer modo, a classificação e descrição das tendências
poderão funcionar como instrumento de analise para o professor avaliar sua
prática de sala de aula.
Utilizando como critério a posição que adotam em relação aos
condicionantes sociopolíticos da escola, as tendências pedagógicas foram
classificadas em liberais e progressistas, a saber:
A - Pedagogia liberal 1- Tradicional 2- Renovada progressivista 3-
Renovada não-diretiva 4- Tecnicista
B - Pedagogia progressista 1- Libertadora 2- Libertária 3-
Crítico-social dos conteúdos
O termo liberal não tem o sentido de "avançado",
''democrático", "aberto", como costuma ser usado. A doutrina
liberal apareceu como justificativa do sistema capitalista que, ao defender a
predominância da liberdade e dos interesses individuais na sociedade,
estabeleceu uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos
meios de produção, também denominada saciedade de classes. A pedagogia liberal,
portanto, é uma manifestação própria desse tipo de sociedade.
A educação brasileira, pelo menos nos últimos cinqüenta anos, tem sido -
marcada pelas tendências liberais, nas suas formas ora conservadora, ora
renovada. Evidentemente tais tendências se manifestam, concretamente, nas
práticas escolares e no ideário pedagógico de muitos professores, ainda que
estes não se dêem conta dessa influência.
A pedagogia liberal sustenta a idéia de que a escola tem por função
preparar os indivíduos para o desempenho de papeias sociais, de acordo com as
aptidões individuais. Para isso, os indivíduos precisam aprender a adaptar-se
aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes, através do
desenvolvimento da cultura individual. A ênfase no aspecto cultural esconde a
realidade das diferenças de classes, pois, embora difunda a idéia de igualdade de
oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições. Historicamente, a
educação liberal iniciou-se com a pedagogia tradicional e, por razões de
recomposição da hegemonia da burguesia, evoluiu para a pedagogia renovada
(também denominada escola nova ou ativa), o que não significou a substituição
de uma pela outra, pois ambas conviveram e convivem na prática escolar.
Na tendência tradicional, a pedagogia se caracteriza por acentuar o
ensino humanístico, de cultura geral, no qual aluno é educado para atingir,
pelo próprio esforço, sua plena realização como pessoa. Os conteúdos, os
procedimentos didáticos, a relação professor-aluno não têm nenhuma relação com
o cotidiano do aluno e muito menos com as realidades sociais. É a predominância
da palavra do professor, das regras impostas, do cultivo exclusivamente
intelectual.
A tendência Liberal Renovada acentua, igualmente, o sentido da cultura
como desenvolvimento das aptidões individuais. Mas a educação é um processo
interno, não externo; ela parte das necessidades e interesses individuais
necessários para a adaptação ao meio. A educação é a vida presente é parte da
própria experiência humana. A escola renovada propõe um ensino que valoriza a
auto-educação (o aluno como sujeito do conhecimento), a experiência direta
sobre o meio pela atividade; um ensino centrado no aluno e no grupo. A
tendência liberal renovada apresenta-se, entre nós, em duas versões distintas:
a renovada progressivista2, ou, pragmática, principalmente na forma difundida
pelos pioneiros da educação nova, entre os quais se destaca Anísio Teixeira
(deve-se destacar, também, a influência de MONTESSORI, DECROLY e, de certa
forma, PIAGET); a renovada não-diretiva, orientada para os objetivos de
auto-realização (desenvolvimento pessoal) e para as relações interpessoais, na
formulação do psicólogo norte-americano CARL ROGERS.
2 A designação "progressivista" vem de "educação
progressiva", termo usado por Anísio Teixeira para indicar a função da
educação numa civilização era mudança, decorrente do desenvolvimento científico
(idéia equivalente a "evolução" em biologia). Esta tendência
inspira-se no filósofo e educador norte-americano John Dewey. Cf. Anísio
Teixeira, Educação Progressiva.
A tendência liberal tecnicista subordina a educação à sociedade, tendo
como função a preparação de "recursos humanos" (mão-de-obra para
indústria). A sociedade industrial e tecnológica estabelece (cientificamente)
as metas econômicas, sociais e políticas, a educação treina (também
cientificamente) nos alunos os comportamentos de ajustamento a essas metas. No
tecnicismo acreditase que a realidade contém em si suas próprias leis, bastando
aos homens descobrilas e aplicá-las. Dessa forma, o essencial não é o conteúdo
da realidade, mas as técnicas (forma) de descoberta e aplicação. A tecnologia
(aproveitamento ordenado de recursos, com base no conhecimento científico) é o
meio eficaz de obter a maximização da produção e garantir um ótimo
funcionamento da sociedade; a educação é um recurso tecnológico por excelência.
Ela "é encarada como um instrumento capaz de promover, sem contradição, o
desenvolvimento econômico pela qualificação da mão-de-obra, pela redistribuição
da renda, pelo maximização da produção e, ao mesmo tempo, pelo desenvolvimento
da 'consciência política' indispensável à manutenção do Estado
autoritário"3 . Utiliza-se basicamente do enfoque sistêmico, da tecnologia
educacional e da análise experimental do comportamento.
1. Tendência liberal tradicional
Papel da escola - A atuação da escola consiste na preparação intelectual
e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade. O compromisso da
escola é com a cultura, os problemas sociais pertencem à sociedade. O caminho
3 Acácia A. KUENZER e Lucília R. S. MACHADO, "Pedagogia
Tecnicista", in Guiomar N. de MELLO (org.), Escola nova, tecnicismo e
educação compensatória, p. 34.
cultural em direção ao saber é o mesmo para todos os alunos, desde que
se esforcem. Assim, os menos capazes devem lutar para superar suas dificuldades
e conquistar seu lugar junto aos mais capazes. Caso não consigam, devem
procurar o ensino mais profissionalizante.
Conteúdos de ensino - São os conhecimentos e valores sociais acumulados
pelas gerações adultas e repassados ao aluno como verdades. As matérias de
estudo visam preparar o aluno para a vida, são determinadas pela sociedade e
ordenadas na legislação. Os conteúdos são separados da experiência do aluno e
das realidades sociais, valendo pelo valor intelectual, razão pela qual a
pedagogia tradicional é criticada como intelectualista e, às vezes, como
enciclopédica.
Métodos - Baseiam-se na exposição verbal da matéria e/ou demonstração.
Tanto a exposição quanto a análise são feitas pelo professor, observados os
seguintes passos: a) preparação do aluno (definição do trabalho, recordação da matéria
anterior, despertar interesse); b) apresentação (realce de pontos-chave,
demonstração); c) associação (combinação do conhecimento novo com o já
conhecido por comparação e abstração); d) generalização (dos aspectos
particulares chega-se ao conceito geral, é a exposição sistematizada); e)
aplicação (explicação de fatos adicionais e/ou resoluções de exercícios). A
ênfase nos exercícios, na repetição de conceitos ou fórmulas na memorização
visa disciplinar a mente e formar hábitos.
Relacionamento professor-aluno - Predomina a autoridade do professor que
exige atitude receptiva dos alunos e "impede qualquer comunicação entre
eles no decorrer da aula. O professor transmite o conteúdo na forma de verdade
a ser absorvida; em conseqüência, a disciplina imposta é o meio mais eficaz
para assegurar a atenção e o silêncio.
Pressupostos de aprendizagem - A idéia de que o ensino consiste em
repassar os conhecimentos para o espírito da criança é acompanhada de uma
outra: a de que a capacidade de assimilação da criança é idêntica à do adulto,
apenas menos desenvolvida. Os programas, então, devem ser dados numa progressão
lógica, estabelecida pelo adulto, sem levar em conta as características
próprias de cada idade. A aprendizagem, assim é receptiva e mecânica, para que
se recorre freqüentemente à coação. A retenção do material ensinado é garantida
pela repetição de exercícios sistemáticos e recapitulação da matéria. À
transferência da aprendizagem depende do treino; é indispensável a retenção, a
fim de que o aluno possa responder às situações novas de forma semelhante às
respostas dadas em situações anteriores. A avaliação se dá por verificações de
curto prazo (interrogatórios, orais, exercícios de casa) e de prazo mais longo
(provas escritas, trabalhos de casa). O reforço é, em geral, negativo (punição,
notas baixas, apelos aos pais); às vezes, é positivo (emulação,
classificações).
Manifestações na prática escolar - A pedagogia liberal tradicional é
viva e atuante em nossas escolas. Na descrição apresentada aqui incluem-se as
escolas religiosas ou leigas que adotam uma orientação clássico-humanista ou
uma orientação humano-científica, sendo que esta se aproxima mais do modelo de
escola predominante em nossa história educacional.
2. Tendência liberal renovada progressivista
Papel da escola - A finalidade da escola é adequar as necessidades
individuais ao meio social e, para isso, ela deve se organizar de forma a
retratar, o quanto possível, a vida. Todo ser dispõe dentro de si mesmo de
mecanismos de adaptação progressiva ao meio e de uma conseqüente integração
dessas formas de adaptação no comportamento. Tal integração se dá por meio de
experiências que devem satisfazer, ao mesmo tempo, os interesses do aluno e as
exigências sociais. À escola cabe suprir as experiências que permitam ao aluno
educar-se, num processo ativo de construção e reconstrução do objeto, numa
interação entre estruturas cognitivas do indivíduo e estruturas do ambiente.
Conteúdos de ensino - Como o conhecimento resulta da ação a partir dos
interesses e necessidades, os conteúdos de ensino são estabelecidos em função
de experiências que o sujeito vivência frente a desafios cognitivos e situações
problemáticas. Dá-se, portanto, muito mais valor aos processos mentais e
habilidades cognitivas do que a conteúdos organizados racionalmente. Trata-se
de "aprender a aprender", ou seja, é mais importante o processo de
aquisição do saber do que o saber propriamente dito.
Método de ensino - A idéia de "aprender fazendo" está sempre
presente. Valorizam-se as tentativas experimentais, a pesquisa, a descoberta, o
estudo do meio natural e social, o método de solução de problemas. Embora os
métodos variem, as escolas ativas ou novas (Dewey, Montessori, De-croly,
Cousinet e outros) partem sempre de atividades adequadas à natureza do aluno e
às etapas do seu desenvolvimento. Na maioria delas, acentua-se a importância do
trabalho em grupo não apenas como técnica, mas como condição básica do
desenvolvimento mental. Os passos básicos do método ativo são: a) colocar o
aluno numa situação de experiência que tenha um interesse por si mesma; b) o
problema deve ser desafiante, como estímulo à reflexão; c) o aluno deve dispor
de informações e instruções que lhe permitam pesquisar a descoberta de
soluções; d) soluções provisórias devem ser incentivada e ordenadas, com a
ajuda discreta do professor; e) deve-se garantir a oportunidade de colocar as
soluções à prova, a fim de determinar sua utilidade para a vida,
Relacionamento professor-aluno - Não há lugar privilegiado para o
professor; antes, seu papel é auxiliar o desenvolvimento livre e espontâneo da
criança; se intervém, é para dar forma ao raciocínio dela. A disciplina surge
de uma tomada de consciência dos limites da vida grupal; assim, aluno
disciplinado é aquele que é solidário, participante, respeitador das regras do
grupo. Para se garantir um clima harmonioso dentro da sala de aula é
indispensável um relacionamento positivo entre professores é alunos, uma forma
de instaurar a "vivência democrática" tal qual deve ser a vida em
sociedade.
Pressupostos de aprendizagem - A motivação depende da força de
estimulação do problema e das disposições internas e interesses do aluno.
Assim, aprender se torna uma atividade de descoberta, é uma auto-aprendizagem,
sendo o ambiente apenas o meio estimulador. É retido o que se incorpora à
atividade do aluno pela descoberta pessoal; o que é incorporado passa a compor
a estrutura cognitiva para ser empregado em novas situações. A avaliação é
fluida e tenta ser eficaz à medida que os esforços e os êxitos são pronta e
explicitamente reconhecidos pelo professor.
Manifestações na prática escolar - Os princípios da pedagogia
progressivista vêm sendo difundidos, em larga escala, nos cursos de
licenciatura, e muitos professores sofrem sua influência. Entretanto, sua
aplicação é reduzidíssima, não somente por faltar de condições objetivas como
também porque se choca com uma prática pedagógica basicamente tradicional.
Alguns métodos são adotados em escolas particulares, como o método Montessori,
o método dos centros de interesse de Decroly, o método de projetos de Dewey. O
ensino baseado na psicologia genética de Piaget tem larga aceitação na educação
pré-escolar. Pertencem, também, à tendência progressivista muitas das escolas
denominadas "experimentais", as "escolas comunitárias” e mais
remotamente (década de 60) a "escola secundária moderna", na versão
difundida por Lauro de Oliveira Lima.
3. Tendência liberal renovada não-diretiva
Papel da escola - Acentua-se nesta tendência o papel da escola na
formação de atitudes, razão pela qual deve estar mais preocupada com problemas
psicológicos do que com os pedagógicos ou sociais. Todo esforço está em
estabelecer um clima favorável a uma mudança dentro do indivíduo, isto é, a uma
adequação pessoal às solicitações do ambiente. Rogers4 * considera que o ensino
é uma atividade excessivamente valorizada; para ele os procedimentos didáticos,
a competência na matéria, as aulas, livros, tudo tem muito pouca importância,
face ao propósito de favorecer à pessoa um clima de auto-desenvolvimento e
realização pessoal, o que implica estar bem consigo próprio e com seus
semelhantes. O resultado de uma boa educação é muito semelhante ao de uma boa
terapia.
Conteúdos de ensino - A ênfase que esta tendência põe nos processos de
desenvolvimento das relações e da comunicação torna secundária a transmissão de
conteúdos. Os processos de ensino visam mais facilitar aos estudantes os meios
para buscarem por si mesmos os conhecimentos que, no entanto, são dispensáveis.
Métodos de ensino - Os métodos usuais são dispensados, prevalecendo
quase que exclusivamente o esforço do professor em desenvolver um estilo
próprio para facilitar a aprendizagem dos alunos Rogers explicita algumas das
características do professor “facilitador": aceitação da pessoa do aluno,
capacidade de ser confiável receptivo e ter plena convicção na capacidade de
autodesenvolvimento do estudante. Sua função restringe-se a ajudar o aluno a se
organizar, utilizando técnicas de sensibilização onde os sentimentos de cada um
possam ser expostos, sem ameaças. Assim, o objetivo do trabalho escolar se
esgota nos processos de melhor relacionamento interpessoal, como condição para
o crescimento pessoal.
4 Cf. Carl ROGERS, Liberdade para aprender.
Relacionamento professor-aluno - A pedagogia não-diretiva propõe uma
educação centrada no aluno, visando formar sua personalidade através da
vivência de experiências significativas que lhe permitam desenvolver
características inerentes a sua natureza. O professor é um especialista em
relações humanas, ao garantir o clima de relacionamento pessoal autêntico.
“Ausentar-se” é a melhor forma de respeito e aceitação plena do aluno. Toda
intervenção é ameaçadora e inibidora da aprendizagem.
Pressupostos de aprendizagem - A motivação resulta do desejo de adequação
pessoal na busca da auto-realização; é portanto um ato interno. A motivação
aumenta, quando o sujeito desenvolve o sentimento de que é capaz de agir em
termos de atingir suas metas pessoais, isto é, desenvolve a valorização do
"eu". Aprender, portanto, é modificar suas próprias percepções; daí
que apenas se aprende o que estiver significativamente relacionado com essas
percepções. Resulta que a retenção se dá pela relevância do aprendido em
relação ao "eu", ou seja, o que não está envolvido com o
"eu" não é retido e nem transferido. Portanto, a avaliação escolar
perde inteiramente o sentido, privilegiando-se a auto-avaliação.
Manifestações na prática escolar - Entre nós, o inspira-dor da pedagogia
não-diretiva é C. Rogers, na verdade mais um psicólogo clínico que um educador.
Suas idéias influenciam um número expressivo de educadores e professores,
principalmente orientadores educacionais e psicólogos escolares que se dedicam
ao aconselhamento. Menos recentemente, podem-se citar também tendências inspiradas
na escola de Summerhill do educador inglês A. Neill.
4. Tendência liberal tecnicista
Papel da escola - Num sistema social harmônico, orgânico e funcional, a
escola funciona como modeladora do comportamento humano, através de técnicas
específicas. À educação escolar compete organizar o processo de aquisição de
habilidades, atitudes e conhecimentos específicos, úteis e necessários para que
os indivíduos se integrem na maquina do sistema social global. Tal sistema
social é regido por leis naturais (há na sociedade a mesma regularidade e as
mesmas relações funcionais observáreis entre os fenômenos da natureza),
cientificamente descobertas. Basta aplicá-las. A atividade da
"descoberta" é função da educação, mas deve ser restrita aos
especialistas; a “aplicação" é competência do processo educacional comum.
A escola atua, assim, no aperfeiçoamento da ordem social vigente (o sistema
capitalista), articulando-se diretamente com o sistema produtivo; para tanto,
emprega a ciência da mudança de comportamento, ou seja, a tecnologia
comportamental. Seu interesse imediato é o de produzir indivíduos
"competentes” para o mercado de trabalho, transmitindo, eficientemente,
informações precisas, objetivas e rápidas. A pesquisa científica, á tecnologia
educacional, a análise experimental do comportamento garantem a objetividade da
prática escolar, uma vez que os objetivos instrucionais (conteúdos) resultam da
aplicação de leis naturais que independem dos que a conhecem ou executam.
Conteúdos de ensino - São as informações, princípios científicos, leis
etc., estabelecidos e ordenados numa seqüência lógica e psicológica por
especialistas. É matéria de ensino apenas o que é redutível ao conhecimento
observável e mensurável; os conteúdos decorrem, assim, da ciência objetiva,
eliminando-se qualquer sinal de subjetividade. O material instrucional
encontra-se sistematizado nos manuais, nos livros didáticos, nos módulos de
ensino, nos dispositivos audiovisuais etc.
Métodos de ensino - Consistem nos procedimentos e técnicas necessárias
ao arranjo e controle das condições ambientais que assegurem a
transmissão/recepção de informações. Se a primeira tarefa do professor é
modelar respostas apropriadas aos objetivos instrucionais, a principal é
conseguir o comportamento adequado pelo controle do ensino; daí a importância
da tecnologia educacional. A tecnologia educacional é a "aplicação
sistemática de princípios científicos comportamentais e tecnológicos, a
problemas educacionais, em função de resultados efetivos, utilizando uma
metodologia e abordagem sistêmica abrangente” 5. Qualquer sistema instrucional
(há uma grande variedade deles) possui três componentes básicos: objetivos
instrucionais operacionalizados em comportamentos observáveis e mensuráveis,
procedimentos instrucionais e avaliação. As etapas, básica de processo ensino
aprendizagem são: a) estabelecimento de comportamentos terminais, através de
objetivos instrucionais; b) análise da tarefa de aprendizagem, a fim de ordenar
sequencialmente os passos da instrução; c) executar o programa, reforçando
gradualmente as respostas corretas correspondentes aos objetivos. O essencial
da tecnologia educacional é a programação por passos seqüenciais empregada na
instrução programada, nas técnicas de microensino, multimeios, módulos etc. O
emprego da tecnologia instrucional na escola pública aparece nas formas de:
planejamento em moldes sistêmicos, concepção de aprendizagem como mudança de
comportamento,
5 Lígia O. AURICCHIO. Manual de tecnologia educacional, p.25
operacionalização de objetivos, uso procedimentos científicos (instrução
programada, audiovisuais avaliação etc. inclusive a programação de livros
didático)6.
aprendizagem; o aluno recebe, aprende e fixa as informações
|
O professor é
|
Relacionamento professor-aluno - São relações estruturadas e objetivas,
com papeis tem definidos: o professor administra as condições de transmissão da
matéria, conforme uma instrucional eficiente e efetivo em termos de resultados
da apenas um elo de ligação entre a verdade científica e o aluno, cabendo-lhe
empregar o sistema instrucional previsto. O aluno é um indivíduo responsivo,
não participa da elaboração do programa educacional. Ambos são espectadores
frente à verdade objetiva. A comunicação professor-aluno tem um sentido
exclusivamente técnico, que garantir a eficácia da transmissão do conhecimento.
Debates, discussões, questionamentos são desnecessários, assim como pouco
importam as relações afetivas e pessoais dos sujeitos envolvidos no processo ensino
aprendizagem.
Pressupostos de aprendizagem – as teorias de aprendizagem que
fundamentam a pedagogia tecnicista dizem que aprender é uma questão de
modificação do desempenho: o bom ensino depende de organizar eficientemente as
condições estimuladoras, de modo a que o aluno saia da situação de aprendizagem
diferente de como entrou. Ou seja, o ensino é um processo de condicionamento
através do uso de reforçamento das respostas que se quer obter. Assim, os
sistemas instrucionais visam o controle do comportamento individual face a
objetivos preestabelecidos. Trata-se de um enfoque diretivo do ensino, centrado
no controle
6 Cf Acácia A. HUENZER e Lucília R.S. MACHADO, cp.cit.
das condições que cercam o organismo que se comporta. O objetivo da
ciência pedagógica, a partir da psicologia, é o estudo científico do
comportamento: descobrir as leis presidem as reações físicas do organismo que
aprende, a fim de aumentar o controle das variáveis que o afetam. Os
componentes da aprendizagem – motivação, retenção, transferência - decorrem da
aplicação do comportamento operante. Segundo Skinner, o comportamento aprendido
é uma resposta a estímulos externos, controlados por meio de reforços que
ocorrem, cem a resposta ou após a mesma: “Se a ocorrência de um (comportamento)
operante é seguida pela apresentação de um estímulo (reforçador), a
probabilidade de reforçamento é aumentada". Entre os autores que
contribuem para os estudos de aprendizagem destacam-se: Skinner, Gagné, Bloom e
Mager.
7 Manifestações na prática escolar - A influência da pedagogia
tecnicista remonta à 2° metade dos anos 50 (PABAEE - Programa
Brasileiro-Americano de Auxílio ao Ensino Elementar). Entretanto foi
introduzida mais efetivamente no final dos anos 60 com o objetivo de adequar o
tema educacional à orientação político econômica do regime militar: inserir a
escola nos modelos de racionalização do sistema de produção capitalista. É
quando a orientação escolanovista cede lugar à tendência tecnicista, pelo menos
no nível de política oficial; os marcos de implantação do modelo tecnicista são
as leis 5.540/68 e 5.692/71, que reorganizam o ensino superior e ensino de 1° e
2° graus. A despeito da maquina oficial, entretanto, não há indícios seguros de
que o professor da escola pública tenham assimilado a pedagogia tecnicista
(planejamento, livros didáticos programados, procedimentos de avaliação e etc)
não configura uma postura
7 Para maiores esclarecimentos, cf Lígia de AURICHIO, Manual de
Tecnologia Educacional; J.G.A. OLIVEIRA, Tecnologia Educacional teorias da
instrução.
Tecnicistas do professor; antes, o exercício profissional continua mais
para uma postura eclética em torno de princípios pedagógicos assentados nas
pedagogias tradicional e renovada.8
O termo "progressista", emprestado de Snyders9, é usado aqui
para designar as tendências que, partindo de uma análise crítica das realidades
sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação.
Evidente-- mente a pedagogia progressista, não tem como institucionalizar-se
numa sociedade capitalista; daí ser ela um instrumento de luta dos professores
ao lado de outras práticas sociais.
A pedagogia progressista tem-se manifestado em três tendências: a
libertadora, mais conhecida como pedagogia de Paulo Freire, a libertária, que
reúne os defensores da autogestão pedagógica; a crítico-social dos conteúdos
que, diferentemente das anteriores, acentua a primazia dos conteúdos no seu
confronto cor as realidades sociais.
As versões libertadora e libertária têm em comum o anti-autoritarismo, a
valorização da experiência vivida como base da relação educativa e a idéia de
autogestão pedagógica. Em função disso, dão mais valor ao processo de
aprendizagem grupal (participação em discussões, assembléias, votações) do que
8 Sobre a introdução da pedagogia tecnicista no Brasil, cf. Barbara
FREITAG, Escola, Estado e Sociedade; Laymert G. S. GARCIA, Desregulagem —
Educação, Planejamento e Tecnologia como ferramenta Social no Brasil, entre
outros. 9 Cf. George SNYDERS, Pedagogia Progressista.
aos conteúdos de ensino. Como decorrência, a prática educativa somente
faz sentido numa prática social junto ao povo, razão pela qual preferem as
modalidades de educação popular “não-formal”.
A tendência da pedagogia critico social de conteúdos propõe uma síntese
superadora das pedagogia tradicional e renovada, valorizando a ação pedagógica
enquanto inserida na prática social concreta. Entende a escola como mediação
entre o individual e o social, exercendo aí a articulação entre a transmissão dos
conteúdos e a assimilação ativa por parte de um aluno concreto (inserido num
contexto de relações sociais); dessa articulação resulta o saber criticamente
re-elaborado.
1. Tendência progressista libertadora
Papel da escola - Não é próprio da pedagogia libertadora falar em ensino
escolar, já que sua marca é a atuação "não-formal". Entretanto,
professores e educadores engajados no ensino escolar vêm adotando pressupostos
dessa pedagogia. Assim, quando se fala na educação em geral, diz-se que ela é
uma atividade onde professores e alunos, mediatizados pela realidade que
apreendem e da qual extraem o conteúdo de aprendizagem, atingem um nível de
consciência dessa mesma realidade, a fim de nela atuarem, num sentido de
transformação social. Tanto a educação tradicional, denominada
"bancária" - que visa apenas depositar informações sobre o aluno -,
quanto a educação renovada - que pretenderia uma libertação psicológica
individual - são domesticadoras, pois em nada contribuem para desvelar a
realidade social de opressão. A educação libertadora, ao contrário, questiona
concretamente a realidade das relações do homem com a natureza e com os outros
homens, visando a uma transformação - daí ser uma educação crítica. 10
Conteúdos de ensino - Denominados "temas geradores", são
extraídos da problematização da prática de vida dos educandos. Os conteúdos
tradicionais são recusados porque cada pessoa, cada grupo envolvidos na ação
pedagógica dispõem em si próprios, ainda que de forma rudimentar, dos conteúdos
necessários dos quais se parte. O importante não é a transmissão de conteúdos
específicos, mas despertar uma nova forma da relação com a experiência vivida.
A transmissão de conteúdos estruturados a partir de fora é considerada como
"invasão cultural" ou "depósito de informação", porque não
emerge do saber popular. Se forem necessários textos de leitura; estes deverão
ser redigidos pelos próprios educandos com a orientação do educador.
Em nenhum momento o inspirador e mentor da pedagogia libertadora,
Paulo Freire, deixa de mencionar o caráter essencialmente político de
sua pedagogia, o que, segundo suas próprias palavras, impede que ela seja posta
em prática, em termos sistemáticos, nas instituições oficiais, antes da
transformação da sociedade. Daí porque sua atuação se dê mais a nível da
educação extra-escolar. O que não tem impedido, por outro lado, que seus
pressupostos sejam adotados e aplicados por numerosos professores.
10 Cf. Paulo FREIRE: Ação Cultural para a Liberdade; Pedagogia do
Oprimido e Extensão ou Comunicação?3
Métodos de ensino - "Para ser um ato de conhecimento o processo de
alfabetização de adultos demanda, entre educadores e educandos, uma relação de
autêntico diálogo; aquela em que os sujeitos do ato de conhecer se encontram
mediatizados pelo objeto a ser conhecido” (...). “O dialogo engaja ativamente a
ambos os sujeitos do ato de conhecer: educador-educando e
educando-educador."
Assim sendo, a forma de trabalho educativo é o "grupo de
discussão”, a quem cabe autogerir a aprendizagem, definindo o conteúdo e a
dinâmica das atividades. O professor é um animador que, por princípio, deve
"descer" ao nível dos alunos, adaptando-se às suas características e
ao desenvolvimento próprio de cada grupo. Deve caminhar "junto",
intervir o mínimo indispensável, embora não se furte, quando necessário, a
fornecer uma informação mais sistematizada.
Os passos da aprendizagem - codificação-decodificação, e problematização
da situação - permitirão aos educandos um esforço de compreensão do
"vivido", até chegar a um nível mais crítico de conhecimento da sua
realidade, sempre através da troca de experiência em torno da prática social.
Se nisso consiste o conteúdo do trabalho educativo, dispensam-se um programa
previamente estruturado, trabalhos escritos, aulas expositivas, assim como
qualquer tipo de verificação direta da aprendizagem, formas essas próprias da
“educação bancária", portanto, domesticadoras. Entretanto admite-se a
avaliação da prática vivenciada entre educador-educandos no processo de grupo
e, às vezes, a autoavaliação feita em termos dos compromissos assumidos com a
prática social.
Relacionamento professor-aluno - No diálogo, como método básico, a
relação é horizontal; onde educador e educandos se posicionam como sujeitos do
ato de conhecimento. O critério de bom relacionamento é a total identificação
com o povo, sem o que a relação pedagógica perde consistência.
Elimina-se, por pressuposto, toda relação de autoridade, sob pena de
esta inviabilizar o trabalho de conscientização, de "aproximação de
consciências". Trata-se de uma "não-diretividade", mas não no
sentido do professor que se ausenta (como em Rogers), mas que permanece
vigilante para assegurar ao grupo um espaço humano para "dizer sua
palavra", para se exprimir sem se neutralizar.
Pressupostos de aprendizagem - A própria designação de "educação
problematizadora" como correlata de educação libertadora revela a força
motivadora da aprendizagem. A motivação se dá a partir da codificação de uma
situação problema, da qual se torna distância para analisa-lá criticamente.
"Esta análise envolve o exercício da abstração, através da qual procuramos
alcançar, por meio de representações da realidade concreta, a razão de ser dos
fatos."
Aprende é um ato de conhecimento da realidade concreta, isto é da
situação real vivida pelo educando, e só tem sentido se resulta de uma
aproximação crítica dessa realidade. O que é aprendido não decorre de uma
imposição ou memorização, mas do nível crítico de conhecimento, ao qual se
chega pelo processo de compreensão, reflexão e crítica. O que o educando
transfere, em termos de conhecimento, é o que foi incorporado como resposta às
situações de opressão - ou seja, seu engajamento na militância política.
Manifestações na prática escolar - A pedagogia libertadora tem como
inspirador e divulgador Paulo Freire, que tem aplicado suas idéias pessoalmente
em diversos países, primeiro no Chile, depois na África. Entre nós, tem
exercido uma influência expressiva nos movimentos populares e sindicatos e,
praticamente, se confunde com a maior parte das experiências do que se denomina
"educação popular". Há diversos grupos desta natureza que vêm atuando
não somente no nível da prática popular, mas também por meio de publicações,
com relativa independência em relação às idéias originais da pedagogia libertadora.
Embora as formulações teóricas de Paulo Freire se restrinjam à educação de
adultos ou à educação popular, em geral, muitos professores vêm tentando
colocá-las em prática em todos os graus de ensino formal.
2. Tendência progressista libertária
Papel da escola - A pedagogia libertária espera que a escola exerça uma
transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e
autogestionário. A idéia básica é introduzir modificações institucionais, a
partir dos níveis subalternos que, em seguida, vão "contaminando"
todo o sistema. A escola instituirá, com base na participação grupal,
mecanismos institucionais de mudança (assembléias, conselhos, eleições,
reuniões, associações etc.), de tal forma que o aluno, uma vez atuando nas
instituições "externas", leve para lá tudo o que aprendeu. Outra
forma de atuação da pedagogia libertária, correlata à primeira, é –
aproveitando a margem de liberdade do sistema - criar grupos de pessoas com
princípios educativos autogestionários (associações, grupos informais, escolas
autogestjonárias). Há, portanto, um sentido expressamente político, à medida
que se afirma o indivíduo como produto do social e que o desenvolvimento
individual somente se realiza no coletivo. A autogestão é, assim, o conteúdo e
o método; resume tanto o objetivo pedagógico quanto o político. A pedagogia
libertária, na sua modalidade mais conhecida entrenós, a "pedagogia
institucional", pretende ser uma forma de resistência contra a burocracia
como instrumento da ação; dominadora do Estado, que tudo controla (professores,
programas, provas etc.), retirando a autonomia. 1
Conteúdos de ensino - As matérias são colocadas à disposição do aluno,
mas não são exigidas. São um instrumento a mais, porque importante é o
conhecimento que resulta das experiências vividas pelo grupo, especialmente a
vivência de mecanismos de participação crítica. "Conhecimento" aqui
não é a investigação cognitiva do real, para extrair dele um sistema de
representações mentais, mas a descoberta de respostas às necessidades e às exigências
da vida social. Assim, os conteúdos propriamente ditos são os que resultam de
necessidades e interesses manifestos pelo grupo e que não são, necessária nem
indispensavelmente, as matérias de estudo.
Método de ensino - É na vivência grupal, na forma de autogestão, que os
alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias de sua própria
“instituição”, graças à sua própria iniciativa e sem qualquer forma de poder.
Trata-se de "colocar nas mãos dos alunos tudo o que for possível: o
conjunto da vida, as atividades e a organização, do trabalho no interior da
escola (menos a elaboração dos programas e a decisão dos exames que não
dependem nem dos docentes, nem dos alunos)". Os
1 Cf Michel LOBROT. Pedagogia instotucional, la escuela hacia la
autogestión.
alunos têm liberdade de trabalhar ou não, ficando o interesse pedagógico
na dependência de suas necessidades ou das do grupo.
O progresso da autonomia, excluída qualquer direção de fora do grupo, se
dá num "crescendo": primeiramente a oportunidade de contatos
aberturas, relações informais entre os alunos. Em seguida, o grupo começa a se
organizar, de modo a que todos possam participar de discussões, cooperativas,
assembléias, isto é, diversas formas de participação e expressão pela palavra;
quem quiser fazer outra coisa, ou entra em acordo com o grupo, ou se retira. No
terceiro momento, o grupo se organiza de forma mais efetiva e, finalmente, no
quarto momento, parte para a execução do trabalho.
Relação professor-aluno - A pedagogia institucional visa "em
primeiro lugar, transformar a relação professor-aluno no sentido da
não-diretividade, isto é, considerar desde o início a ineficácia e a nocividade
de todos os métodos à base de obrigações e ameaças". Embora professor e
aluno sejam desiguais e diferentes, nada impede que o professor se ponha a
serviço do aluno, sem impor suas concepções e idéias, sem transformar o aluno
em "objeto". O professor é um orientador e um catalisador, ele se
mistura ao grupo para uma reflexão em comum.
Se os alunos são livres frente ao professor, também este o é em relação
aos alunos (ele pode, por exemplo, recusasse a responder uma pergunta,
permanecendo em silêncio). Entretanto, essa liberdade de decisão tem um sentido
bastante claro: se um aluno resolve não participar, o faz porque não se sente
integrado, mas o grupo tem responsabilidade sobre este fato e vai se colocar a
questão; quando o professor se cala diante de uma pergunta, seu silêncio tem um
significado educativo que pode, por exemplo, ser uma ajuda para que o grupo
assuma a resposta ou a situação criada. No mais, ao professor cabe a função de
"conselheiro" e outras vezes, de instrutor-monitor à disposição do
grupo. Em nenhum momento esses papéis do professor se confundem com o de
"modelo", pois a pedagogia libertária recusa qualquer forma de poder
ou autoridade.
Pressupostos de aprendizagem - As formas burocráticas das instituições
existentes, por seu traço de impessoalidade, comprometem o crescimento pessoal.
A ênfase na aprendizagem informal, via grupo, e a negação de toda forma de
repressão visam favorecer o desenvolvimento de pessoas mais livres. A motivação
está, portanto, no interesse em crescer dentro da vivência grupal, pois
supõe-se que o grupo devolva a cada um de seus membros a satisfação de suas
aspirações e necessidades.
Somente o vivido, o experimentado é incorporado e utilizável em
situações novas. Assim, o critério de relevância do saber sistematizado é seu
possível uso prático. Por isso mesmo, não faz sentido qualquer tentativa de
avaliação da aprendizagem, ao menos em termos de conteúdo.
Outras tendências pedagógicas correlatas - A pedagogia libertária
abrange quase todas as tendências anti-autoritárias em educação, entre elas, a
anarquista, a psicanalista, a dos sociólogos, e também a dos professores
progressistas. Embora Meill e Rogers não possam ser considerados progressistas
(conforme entendemos aqui), não deixam de influenciar alguns libertários, como
Lobrot. Entre os estrangeiros devemos citar Vasquez e Oury entre os mais
recentes, Ferrer y Guardiã entre os mais antigos. Particularmente significativo
é o trabalho de C. Freinet, que tem sido muito estudado entre nós, existindo
inclusive algumas escolas aplicando seu método. 12 Entre os estudiosos e
divulgadores da tendência libertária pode-se citar Mauricio Tragtemberg, apesar
da tônica de seus trabalhos não ser propriamente pedagógica, mas de crítica das
instituições em favor de um projeto autogestionário. Em termos propriamente pedagógicos,
inclusive com propostas efetivas de ação escolar, citamos Miguel Gonzales
Arroyo.
3. Tendência progressista "crítico-social dos conteúdos"
Papel da escola - A difusão de conteúdos é a tarefa primordial. Não
conteúdos abstratos, mas vivos, concretos e, portanto, indissociáveis das
realidades sociais. A valorização da escola como instrumento de apropriação do
saber é o melhor serviço que se presta aos interesses populares, já que a
própria escola pode contribuir para eliminar a seletividade social e torná-la
democrática. Se a escola é parte integrante do todo social, agir dentro dela é
também agir no rumo da transformação da sociedade. Se o que define uma
pedagogia crítica é a consciência de seus condicionantes histórico-sociais, a
função da pedagogia "dos conteúdos" é dar um passo à frente no papel
transformador da escola, mas a partir das condições existentes. Assim, a
condição para que a escola sirva aos interesses populares é garantir a todos um
bom ensino, isto é, a apropriação dos conteúdos escolares
12 Cf., a esse respeito, G SNYDERS, para onde vão as pedagogias
não-diretivas? básicos que tenham ressonância na vida" dos átimos.
Entendida nesse sentido, a educação é "uma atividade mediadora no seio da
prática social global", ou seja, uma das mediações pela qual o aluno, pela
intervenção do professor e por sua própria participação ativa, passa de uma
experiência inicialmente confusa e fragmentada (sincrética), a uma visão
sintética, mais organizada e unificada.13
Em síntese, a atuação da escola consiste na preparação do aluno para o
mundo adulto e suas contradições, fornecendo lhe um instrumental, por meio da
aquisição de conteúdos e da socialização, para uma participação organizada e
ativa na democratização da sociedade.
Conteúdos de ensino - São os conteúdos culturais universais que se
constituíram em domínios de conhecimento relativamente autônomos, incorporados
pela humanidade, mas permanentemente reavaliados face às realidades sociais.
Embora se aceite que os conteúdos são realidades exteriores ao aluno, que devem
ser assimilados e não simplesmente reinventados, eles não são fechados e
refretários às realidades sociais. Não basta que os conteúdos sejam apenas
ensinados, ainda que bem ensinados; é preciso que se liguem, de forma
indissociável, à sua significação humana e social.
Essa maneira de conceber os conteúdos do saber não estabelece oposição
entre cultura erudita e cultura popular, ou espontânea, mas uma relação de
continuidade em que, progressivamente, se passa da experiência imediata e desorganizada
ao conhecimento sistematizado. Não que a primeira apreensão da
13 Cf Dermeval SAVIANI, Educação: do senso comum à consciência
filosófica, p.120; Guiomar N de MELLO, Magistério de 1° grau..., p.24, Carlos
R. J. CURY, Educação e contradição: elementos..., p.75.
Realidade seja errada, mas é necessária à ascensão a uma forma de
elaboração superior, conseguida pelo próprio aluno, com a intervenção do
professor.
A postura da pedagogia "dos conteúdos" - Ao admitir um
conhecimento relativamente autônomo - assume o saber como tendo um conteúdo
relativamente objetivo, mas, ao mesmo tempo, introduz a possibilidade de uma
reavaliação crítica frente a esse conteúdo. Como, sintetiza Snvders, ao
mencionar o papel do professor, trata-se, de um lado, de obter o acesso do
aluno aos conteúdos, ligando-os com a experiência concreta dele - a
continuidade; mas, de outro, de proporcionar elementos de análise crítica que
ajudem o aluno a ultrapassar a experiência, os estereótipos, as pressões
difusas da ideologia dominante - é a ruptura.
Dessas considerações resulta claro que se pode ir do saber ao
engajamento político, mas não o inverso, sob o risco de se afetar a própria
especificidade do saber e até cair-se numa forma de pedagogia ideológica, que é
o que se critica na pedagogia tradicional e na pedagogia nova.
Métodos de ensino - A questão dos métodos se subordina à dos conteúdos:
se o objetivo é privilegiar a aquisição do saber, e de um saber vinculado às
realidades sociais, é preciso que os métodos favoreçam a correspondência dos
conteúdos com os interesses dos alunos, e que estes possam reconhecer nos
conteúdos o auxílio ao seu esforço de compreensão da realidade (prática
social). Assim, nem se trata dos métodos dogmáticos de transmissão do saber da
pedagogia tradicional, nem da sua substituição pela descoberta, investigação ou
livre expressão das opiniões, como se o saber pudesse ser inventado pela
criança, na concepção da pedagogia renovada.
Os métodos de uma pedagogia crítico-social dos conteúdos não partem,
então, de um saber artificial, depositado a partir de fora, nem do saber
espontâneo, mas de uma relação direta com a experiência do aluno, confrontada
com o saber e relaciona a prática vivida pelos alunos com os conteúdos
propostos pelo professor, momento em que se dará a "ruptura" em
relação à experiência pouco elaborada. Tal ruptura apenas é possível com a
introdução explícita, pelo professor dos elementos novos de análise a serem
aplicados criticamente à prática do aluno. Em outras palavras, uma aula começa
pela constatação da prática real, havendo, em seguida, a consciência dessa
prática no sentido de referi-la aos termos do conteúdo proposto, na forma de um
confronto entre a experiência e a explicação do professor. Vale dizer: vai-se
da ação à compreensão e da compreensão à ação, até a síntese, o que não é outra
coisa senão a unidade entre a teoria e a prática.
Relação professor-aluno – Se, como mostramos anteriormente, o
conhecimento resulta de trocas que se estabelecem na interação entre o meio
(natural, social, cultural) e o sujeito, sendo o professor o mediador, então a
relação pelica consiste no provimento das condições em que professores e alunos
possam colaborar para fazer progredir essas trocas. O papel do adulto é
insubstituível, mas acentua-se também a participação do aluno no processo. Ou
seja, o aluno, com sua experiência imediata num contexto cultural, participa na
busca da verdade, ao confrontá-la com os conteúdos e modelos expressos pelo
professor. Mas esse esforço do professor em orientar, em abrir perspectivas a
partir dos conteúdos, implica um envolvimento com o estilo de vida dos alunos,
tendo consciência inclusive dos contrastes entre sua própria cultura e a do
aluno. Não se contentará, entretanto, em satisfazer apenas as necessidades e
carências; buscará despertar outras necessidades, acelerar e disciplinar os
métodos de estudo, exigir o esforço do aluno, propor conteúdos e modelos
compatíveis com suas experiências vividas, para que o aluno se mobilize para
uma participação ativa.
Evidentemente o papel de mediação exercido em torno da análise dos
conteúdos exclui a não-diretividade como forma de orientação do trabalho
escolar, porque o diálogo adulto-aluno é desigual. O adulto tem mais
experiência acerca das realidades sociais, dispõe de uma formação (ao menos
deve dispor) para ensinar, possui conhecimentos e a ele cabe fazer a análise
dos conteúdos em confronto com as realidades sociais. A não-diretividade
abandona os alunos a seus próprios desejos, como se eles tivessem uma tendência
espontânea a alcançar os objetivos da esperados da educação. Sabemos que as
tendências espontâneas e naturais não são o tributárias das condições de vida e
do meio. Não são suficientes o amor, a aceitação, para que os filhos dos
trabalhadores adquiram o desejo de estudar mais, de progredir; é necessária a
intervenção do professor para levar o aluna a acreditar nas suas
possibilidades, a ir mais longe, a prolongar a experiência vivida.
Pressupostos de aprendizagem - Por um esforço próprio, o aluno; se
reconhece nos conteúdos e modelos sociais apresentados pelo professor; assim,
pode ampliar sua própria experiência. O conhecimento novo se apóia numa
estrutura cognitiva já existente, ou o professor provê a estrutura de que o
aluno ainda não dispõe. O grau de envolvimento na aprendizagem depende tanto da
prontidão e disposição do aluno, quanto do professor e do contexto da sala de
aula.
Aprender, dentro da visão da pedagogia dos conteúdos, é desenvolver a
capacidade de processar informações e lidar com os estímulos, do ambiente,
organizando os dados disponíveis da experiência. Em conseqüência, admite-se o
princípio da aprendizagem significativa que supõe, como passo inicial,
verificar aquilo que o aluno já sabe. O professor precisa saber (compreender) o
que os alunos dizem ou fazem, o aluno precisa compreender o que o professor
procura dizer-lhes. A transferência da aprendizagem se má a partir do momento
da síntese, isto é, quando o aluno supera sua visão parcial e confusa e adquire
uma visão mais clara e unificadora.
Resulta com clareza que o trabalho escolar precisa ser avaliado, não
como julgamento definitivo e dogmático do professor, mas como uma comprovação
para o aluno do seu progresso em direção a noções mais sistematizadas.
Manifestações na prática escolar - O esforço de elaboração de uma
pedagogia "dos conteúdos" está em propor modelos de ensino voltados
para a interação conteúdos-realidades sociais; portanto, visando avançar em
termos de uma articulação do político e do pedagógico, aquele como extensão
deste ou seja, a educação "a serviço da transformação das relações de
produção". Ainda que a curto prazo se espere do professor maior
conhecimento dos conteúdos de sua matéria e o domínio de formas de transmissão,
a fim de garantir maior competência técnica, sua contribuição "será tanto
mais seja eficaz quanto mais seja capaz de compreender os vínculos de sua
prática com a prática social global", tendo em vista (...) "a
democratização da sociedade brasileira, o atendimento aos interesses das camadas
populares, a transformação estrutural da sociedade brasileira". 14
Dentro das linhas gerais expostas aqui, podemos citar a experiência
pioneira, mas mais remota, do educador e escritor russo, Makarenko. Entre os
autores atuais citamos B. Charlot, Suchodolski, Manacorda e, de maneira
especial, G. Skyders, além dos autores brasileiros que vêm desenvolvendo
investigações relevantes, destacando-se Dermeval Saviani. Representam também as
propostas aqui apresentadas os inúmeros professores da rede escolar pública que
se ocupam, competentemente, de uma pedagogia de conteúdos articulada com a
adoção de métodos que garantam a participação do aluno que, muitas vezes sem
saber, avançam na democratização efetiva do ensino para as camadas populares.
4. Em favor da pedagogia crítico-social dos conteúdos
Haverá sempre objeções de que estas considerações levam a posturas
antidemocráticas, ao autoritarismo, à centralização no papel do professor e à
submissão do aluno.
Mas o que será mais democrático: excluir toda forma de direção, deixar
tudo à livre expressão, criar um clima amigável para alimentar boas relações,
ou garantir aos alunos a aquisição de conteúdos, a análise de modelos sociais
que vão lhes fornecer instrumentos para lutar por seus direitos? Não serão as
relações
14 Dermeval Saviani, Escola e democracia, p.83 democráticas no estilo
não-diretivo uma forma sutil de adestramento, que levaria a reivindicações sem
conteúdo? Representam as relações não-diretivas as reais condições do mundo
social adulto? Seriam capazes de promover a efetiva libertação do homem da sua
condição de dominado?
Um ponto de vista realista da relação pedagógica não recusa a autoridade
pedagógica expressa na sua função de ensinar. Mas não se deve confundir
autoridade com autoritarismo. Este se manifesta no receio do professor em ver
sua autoridade ameaçada; na falta de consideração para com o aluno ou na
imposição do medo como forma de tomar mais cômodo e menos estafante o ato de
ensinar.
Além do mais, são incongruentes as dicotomias, tão difundidas por muitos
educadores, entre "professor-policial" e "professor-povo",
entre métodos diretivos e não-diretivos, entre ensino centrado no professor e
ensino centrado no estudante. Ao adotar tais dicotomias, amortece-se a presença
do professor como mediador pelos conteúdos que explicita, como se eles fossem
sempre imposições dogmáticas e que nada trouxessem de novo.
Evidentemente que, ao se advogar a interveiição do professor, não se
está concluindo pela negação da relação professor-aluno. A relação pedagógica é
uma relação com um grupo e o clima do grupo é essencial na pedagogia. Nesse
sentido, são bem-vindas as considerações formuladas pela "dinâmica de
grupo", que ensinam o professor a relacionar-se com a classe; a perceber
os conflitos; a saber que está lidando com uma coletividade e não com
indivíduos isolados, a adquirir-se a confiança dos alunos. Entretanto, mais do
que restringir-se ao malfadado "trabalho em grupo", ou cair na ilusão
da igualdade professor-aluno, trata-se de encarar o grupo-classe como uma
coletividade onde são trabalhados modelos de interação como a ajuda mútua, o
respeito aos outros, os esforços coletivos, a autonomia nas decisões, a riqueza
da vida em comum, e ir ampliando progressivamente essa noção (de coletividade)
para à escola, a cidade, sociedade toda.
Por fim, situar o ensino centrado no professor e o ensino centrado no
aluno em extremos opostos é quase negar pedagógica porque não há um aluno, ou
grupo de alunos, aprendendo sozinho, nem um professor ensinando para ás
paredes. Há um confronto do aluno entre sua cultura e a herança cultural da
humanidade, entre seu modo de viver e os modelos sociais desejáveis para um
projeto novo de sociedade. E há um professor que intervém, não para se opor aos
desejos e necessidades ou à liberdade e autonomia do aluno, mas para ajudá-lo a
ultrapassar suas necessidades e criar outras, para ganhar autonomia, para
ajudá-lo no seu esforço de distinguir a verdade do erro, para ajudado a
compreender as realidades sociais e sua própria experiência.
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